Em Saint Louis no meu dia de anos. Não aconteceu nada de extravagante, deve ter sido aliás dos aniversários mais murchos que tive, mas o dia até não foi nada mau. Isto porque Saint Louis é um agradável sítio para se estar.

O dia começou relativamente com um passeio pelas ruas da cidade. Andámos pelos quarteirões a ocidente, na metade norte da ilha, passando a ponte que leva a outra aldeia de pescadores. Aquela a que na véspera assistimos à chegada dos pescadores fica a sul, e esta, a norte.

Aquelas embarcações de pesca são verdadeiramente pitorescas. Uma orgia de cores, proporcionada pelos temas ornamentais que especialistas aplicam periodicamente nos cascos. É um cenário interessante, sempre agradável de observar, rico em pormenores. Afinal de contas estamos no meio de um lugar classificado como Património Mundial da Humanidade!

Do outro lado caminhamos ao longo da estrada marginal. Há muita pobreza e bastante lixo. Os cheiros que me chegam são fortes, por vezes demasiado intensos. Peixe podre, restos orgânicos, fezes.

Quase cada pessoa que por ali caminha é um chamariz para os olhos. As roupas são exóticas, veste-se muito do tradicional. Imensa cor! Contrastes ricos.

A toda a hora passam carros puxados por burros, que são os táxis locais. Levam cargas e sobretudo gentes. Em família ou não, grupos heterogéneos que se deslocam para parte incerta.

Não vai dar para caminhar toda a extensão daquela avenida. São quilómetros e quilómetros, até perder de vista. Quer dizer, andava-se, se o tempo em Saint Louis fosse virtualmente infinito, o que não é o caso. É o dia seguinte e depois parte-se para o interior, para Podor, com uma noite para descansar no regresso, antes de voltar a Dakar e a Portugal.

Na “praia” os barcos estão alinhados. Para além das pinturas decorativas têm estandartes, muitos deles réplicas de bandeiras nacionais. Distingo uma fiada deles com as cores de França, seguidos de outros com bandeiras italianas. Algumas são adaptações ou cópias com erros de bandeiras mais elaboradas, e outras não têm qualquer inspiração nacional. Por alguma razão – será por família..? – os barcos estão agrupados assim.

À chegada a uma pequena rotunda seguimos a rua que vai encontrar o mar, do outro lado da ilha. Lá encontramos uma pequena mesquita, com as paredes revestidas com azulejos. Um “taxista” de carroça de burro relaxa ali perto, fitando o mar, estendido na caixa de transporte. Este é o ponto de regresso. Vamos voltar à ilha de Saint Louis, atravessando a mesma ponte, desta vez pelo lado oposto, para variar as vistas.

A seguir, depois de cruzar o centro, vamos explorar as ruas da metade sul da ilha. Têm um carácter diferente, talvez espelho de uma diferente ocupação social no passado colonial da cidade. Há ali uma série de escolas num curto espaço. Muita energia jovem, meninos e adolescentes, rapazes e raparigas. As paragens de autocarro ali próximas refletem este público. Encostado a um gradeamento um homem vestido à moda tuaregue, cabeça envolta nos panos, óculos escuros.

Esta parte da cidade é mais calma. Mais local. Gosto da mesquita, integrada na quadrícula urbana, com um alto minarete que se eleva por entre as casas. Chegamos à ponta, e ao dobrar a esquina, uma visão bizarra: uma turma de raparigas faz ginástica, com a professora gritando o ritmo. Tirando isso, é uma zona morta, não há muita gente por estes lados.

Só há uma forma de sair dali: regressando. Desta vez junto à outra margem. Descubro um café numa localização agradável, mesmo junto à água mas não está lá ninguém. Quer dizer, ninguém mesmo. Não estou a falar de clientes. A porta está aberta, mas espero longos minutos e nem vivalma. Se calhar devia ter aproveitado para uma Gazelle grauita, que bem as vi, a piscarem-me o olho, todas alinhadinhas dentro do frigorífico.

Mais à frente descubro um antigo cinema, agora abandonado. E o centro está de novo ali, ao virar da esquina. Bom passeio, este, pelas ruas de Saint Louis.

Está na altura de parar um pouco. Já que não pude beber a minha Gazelle acolá, trato disso no bar do Hôtel du Palais, um estabelecimento charmoso numa zona bem central da cidade, verdadeiro símbolo de outros tempos, não só na arquitectura mas também na decoração, na clientela e no proprietário, um francês muito peculiar, com má fama nas reviews que li por aí, mas para nós muito simpático.

Comi por ali uma boa sandes e observei. É um lugar excelente para ver coisas acontecerem. Até não se tem uma perspectiva muito aberta da rua, mas há ali algo que vicia. Passei um bom bocado, até li um pouco. Apreciei o momento e por fim chegou a hora de sair e ir à vida. Durante a tarde não se passou nada de especial.

À aproximação do pôr-do-sol fomos ver de novo a actividade na praia dos pescadores. Exactamente no mesmo local, sem problemas. E a magia repetiu-se. Os barcos que chegam, as mulheres vestidas de cores garridas que negoceiam o peixe e todos os pormenores que se imaginam descobrir por ali. Até o pelicano e a sua cabra lá estavam, quase no mesmo local.

Caiu a noite e ao jantar fomos ao Le Saigonnaise, um restaurante vietnamita mesmo ao pé de casa, bem na ponta norte da ilha. Foi estranho. Não há nada de errado com o restaurante. Vem até nos guias turísticos, está bem marcado no Google Maps. Mas em todos estes dias de Saint Louis nunca vi ninguém lá. Abre todos os dias, e em dia algum tem clientes. Fomos as únicas pessoas a jantar lá, e nada a apontar. Não foi a minha melhor refeição de sempre, mas come-se. A proprietária e cozinheira é de facto uma senhora vietnamita.

 

 

 

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