agostinhomendes-03Agostinho, deixa-me pôr os meus leitores ao corrente da situação… se a memória não me atraiçoa, conheci-te quando eras utilizador de uns fóruns na Internet que tinha, os jurássicos DVD Mania. Depois, seguindo uma referência tua, descobri o teu projecto, o grande Próxima Viagem. Gostei tanto que me ofereci para colaborar, o que gentilmente aceitaste. Desde então temos mantido o contacto, ajudaste-me uma vez ou outra com preciosas dicas técnicas aqui para o Cruzamundos. Falamos de viagens, temos amigos em comum. Mas mesmo eu tenho enormes áreas cinzentas naquilo que sei ou deveria saber sobre ti. Vou aproveitar a oportunidade para saciar a curiosidade e, a um só tempo, oferecer aos leitores do Cruzamundos mais uma entrevista com uma personagem chave do mundo das viagens em português.

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[p-entrevista]Nisto das viagens é complicado escrever-se se não se tiver a experiência. Ora passando pelo teu Próxima Viagem, apesar de ser um projecto colectivo, fica desde logo claro que se há tipo que perceba disto de andar pelo mundo és tu. Vamos começar pelo princípio e pela incontornável questão original: como é que começaste? Qual foi a tua primeira viagem? Quando? Porquê? O que sentiste. Um episódio desse momento que tenha ficado especialmente na tua memória…?[/p-entrevista] [r-entrevista]Eu acho que as viagens e a vontade de partir sempre estiveram presentes na concepção do meu mundo. Lembro-me de, ainda muito pequeno, passar horas a ver os programas do Jacques Cousteau, do David Attenborough e do National Geographic. Aquilo despertava em mim uma enorme vontade de partir e fascinava-me a tal ponto, que o resultado só podia ser este: dar em viajante. Em todo o caso, não deixa de ser curioso que só tenha deixado o país pela primeira vez em 1991, contava já com 19 anos. Até então, e por mais incrível que isso possa parecer, nem uma simples passagem por terras de nuestros hermanos havia sido possível. Decidi que era o momento e que nada o podia impedir. Como a disponibilidade financeira também era limitada, restringi a viagem ao continente europeu, mas a selecção foi feita com um globo a girar e de olhos fechados. Calhou em sorte a Polónia. Dias mais tarde decidi juntar-me a um grupo de jovens, encontrado por um grande acaso, mas que ia participar num encontro mundial de juventude precisamente na Polónia. Não posso dizer que foi a viagem mais importante que fiz, mas que ocupa um lugar muito especial, disso não tenho dúvida. Lembro-me da enorme generosidade das pessoas e da grande vontade em saberem como era a vida em Portugal. Até a Policia chegou a convidar-me para ir beber um café, pois era muita a vontade em saber o que havia para lá da fronteira polaca. Neste interesse há que não esquecer a queda do regime comunista em 1989 e as eleições democráticas ganhas pelo Lech Wałęsa em 1990, poucos meses antes da minha visita.[/r-entrevista]

[p-entrevista]Então o esse belo portal de viagens que é o Próxima Viagem? Quando é que te ocorreu iniciar esse projecto e porquê? O que nos podes contar sobre a pré-História da Próxima Viagem?[/p-entrevista] [r-entrevista]Bem, o projecto Próxima Viagem andou bastante tempo a ser pensado. Há muito tempo que queria fazer algo do género, mas que não passasse por mais um simples blog pessoal, para onde eu fosse “despejando” os meus desabafos de viajante. Sempre tive em mente desenvolver um projecto mais sério e que pudesse ser útil a viajantes que procuram novos destinos para as suas viagens. O Próxima Viagem é um projecto colaborativo, onde temos um conjunto alargado de autores, pois só assim é possível chegarmos a uma grande variedade de assuntos no âmbito do universo das viagens. Há seguramente muito por fazer, mas é com empenho que todos trabalhamos, sempre com uma máxima: fazer do Próxima Viagem um projecto vencedor.[/r-entrevista]

[p-entrevista]Entretanto, já depois desse projecto estar lançado, creio que alterações na tua vida lançaram-te para uma breve carreira profissional na área das viagens… como é que foi isso?[/p-entrevista] [r-entrevista]Sim, é verdade! Durante um breve período liderei viagens fotográficas para uma empresa nacional. É uma actividade exigente, no sentido em que é preciso fazer uma grande planificação para que tudo corra bem, mas muito gratificante quando se está no terreno e se percebe a emoção com que o grupo está a vivenciar a experiência. Infelizmente, por uma série de percalços inesperados, é uma actividade que tive de suspender temporariamente mas, assim que tiver condições para tal, quero voltar rapidamente ao activo. Tenho até já algumas ideias para novos destinos, mas isso é por agora ainda segredo.[/r-entrevista]

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[p-entrevista]Já estiveste lá. Que conselhos darias a alguém que alimente aquele antigo sonho… “viajar e ser pago para isso”… ?[/p-entrevista] [r-entrevista]Não é uma actividade fácil, sobretudo se considerarmos que estamos Portugal. Vivemos num país sem escala, onde as viagens entraram numa fase acelerada de democratização e onde nunca houve tanta gente a viajar de forma independente, querendo fazer disso vida. Há muitos viajantes a tentar a sua sorte, mas há que ser realista: o mercado não consegue absorver a oferta. Dito isto, só posso preparar os candidatos para algumas dificuldades. Mas como na vida não há impossíveis, se esta for mesmo a vontade, há que trabalhar muito, sempre com muito amor e respeito por aquilo que estamos a fazer. É preciso vermos isto como uma profissão. Aconselho que não se deixem deslumbrar pelo imediatismo e facilitismo, no sentido em que isso é meio caminho para não se chegar a lado nenhum. Há que interiorizar uma longa travessia no deserto, onde não podemos desistir com as primeiras contrariedades e onde a palavra mais ouvida será o não. No final só resistem os persistentes, mas para esses há um prémio: o poderem gritar aos quatro ventos que têm o “melhor trabalho do mundo”.[/r-entrevista]

[p-entrevista]Para o futuro, no que toca a viagens, algumas ideias, quer no âmbito profissional quer pessoal?[/p-entrevista] [r-entrevista]Ideias há muitas e vontades também. Há muito que tenho uma lista de destinos para onde quero viajar um dia. Nunca nenhum foi excluído, mas já alterei várias vezes a ordem por que estavam listados. Digamos que é uma lista meio dinâmica, a realizar conforme as circunstâncias e a oportunidade. Acho que não vale a pena estar aqui a enunciar exaustivamente essa lista, mas posso referir destinos como a Patagónia, os Parques Nacionais dos EUA, a Amazónia, a Namíbia ou a Austrália. Depois tenho ainda alguns projectos de maior duração, talvez para meia dúzia de meses, mas que exigem outro tipo de condições logísticas e financeiras. Lembro-me, por exemplo, de querer voar até à Índia, comprar um Tuk-Tuk e regressar nele a Portugal. Em todo o caso, e como disse anteriormente: tudo isto é muito dinâmico. Há anos em que não faço mais de uma ou duas viagens de curta duração, mas outros há em que tudo somado pode não andar longe dos quatro ou cinco meses em viagem. [/r-entrevista]

[p-entrevista]Agora visitemos o passado, que também tem direito à vida… qual foi aquela viagem que te marcou acima de todas as outras? E independentemente disso, o momento, aquele momento único que define a essência de viajar, que te tenha sucedido?[/p-entrevista] [r-entrevista]Sem qualquer dúvida a primeira viagem que fiz à Índia, em 2003. E certo que há muito viajava, mas as letras da palavra VIAJAR só passaram a ter o seu verdadeiro peso com esta viagem. Foi uma viagem que fez mudar a minha essência enquanto pessoa e que me fez ver de forma diferente aquilo que me rodeia. Depois de 4 meses de viagem e cerca de 8000 kms percorridos, voltei a Portugal diferente e com uma enorme vontade de partir novamente. Viajar não voltaria a ser o mesmo depois desta viagem à Índia. Curiosamente, esse tal momento único a que te referes, foi também vivido nesta viagem. Passei 2 semanas numa aldeia do distrito de Kinnaur, estado do Himachal Pradesh. É uma zona que há data estava interdita a turistas, sendo apenas permitido cruzar uma estada que é usada para seguir para o Ladakh, mediante o pedido de um tal de “special permit” (fiquei com a ideia que eles fazem a atribuição mais pela cara das pessoas que outra coisa). Trata-se de uma zona sensível e particularmente militarizada, essencialmente por estar demasiado perto da fronteira com o Tibete que, desde o exílio do Dalai Lama, continua encerrada em toda a sua extensão. Quando conseguida, a tal autorização permite que possamos parar e pernoitar nos vilarejos junto à estada, mas nunca, em situação alguma, abandoná-la. A questão é que, logo na segunda noite, ouvi estórias de aldeias perdidas no meio dos Himalaias, em locais absolutamente indescritíveis, e onde se mantinham costumes centenários. Digamos que já não conseguir dormir e que por volta das 5h da madrugada pus-me a caminho. Depois de 20 kms de caminhada cheguei a uma dessas aldeias e as 2 semanas seguintes foram pura magia [/r-entrevista]

[p-entrevista]Para o Próxima Viagem… como é que imaginas o projecto daqui por dois anos? Qual é a evolução natural? O que esperas que lhe traga o futuro?[/p-entrevista] [r-entrevista]Eu acredito profundamente no projecto e nas suas virtudes enquanto ponto de partida ou inspiração para as novas viagens dos nossos leitores. Penso que a médio prazo pode dar os seus frutos, afirmando-se como um dos principais projectos online de viagem escritos em português. Neste momento estamos a fazer um esforço no sentido de alargarmos substancialmente o número de colaboradores, pois queremos aumentar a frequência das publicações e estender o raio de acção a áreas onde ainda não estávamos presentes. Não sei onde estaremos daqui por dois anos, mas uma coisa é certa: há uma grande ambição em estarmos bem no topo. Entretanto é preciso continuar a trabalhar dedicadamente, pois só assim será possível lá chegar. [/r-entrevista]

[p-entrevista]Já agora, uma pequena curiosidade… como é que conseguiste reunir estes quatro raros atributos: saber de viagens, saber escrever, saber de design e saber de informática?[/p-entrevista] [r-entrevista]Não querendo puxar pelos galões, posso dizer que sou uma espécie de self-made man. As viagens, a informática e a fotografia (http://agostinhomendes.com) sempre preencheram o meu imaginário de criança mas, curiosamente, só em adulto é que comecei a viajar e a fotografar. A informática, talvez por ser a actividade mais fácil, acabou por tornar-se profissão durante grande parte da minha vida, mas as viagens e a fotografia é aquilo que verdadeiramente me enche a alma. Não é por acaso que tenho em marcha um plano para deixar “o stress dos computadores” e passar o resto da minha vida a viajar e fotografar. O escrever e o design são uma consequência de tudo o resto. São áreas que vieram por acréscimo e que, cada uma no seu momento, tive depois de desenvolver. [/r-entrevista]

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[p-entrevista]Diz-me uma coisa… como é que vês o aumento da facilidade com que se viaja actualmente? Individualmente parece ser uma coisa boa… mas o excesso de viajantes não estará a estragar um pouco o mundo que antes era misterioso e inalcançável? O que sentes ao caminhar no centro de Paris, de Praga ou mesmo de Lisboa e sentires-te como uma Disneilândia, uma máquina de diversões gigante onde a vida original basicamente desapareceu?[/p-entrevista] [r-entrevista]É verdade que tudo está a mudar muito rapidamente, com uma inevitável perca da identidade genuína dos locais, mas é o reverso da medalha que há com a massificação e democratização das viagens: se há não muitos anos parecia uma miragem para muita gente, nos dias de hoje passou a ser parte integrante da vida das pessoas. Eu lembro-me de começar a fazer as minhas primeiras viagens, há já mais de 20 anos, e de as pessoas dizerem, meio a gozo, que eu era um bocado maluco. Quem é que nos dias de hoje vê surpresa nas viagens dos outros!? Eu diria que ninguém. Com a facilidade de acesso à informação ou na deslocação para um sem número de destinos (aqui os voos low-cost vieram dar um grande impulso), era inevitável que muitos destes locais não viessem a tornar-se, e muito, em verdadeiras Disneylândias. Todos têm o direito a viajar, até porque ninguém pode reservar-se ao direito de o impedir, mas acho que deveriam impor-se algumas regras e limitar alguns excessos. Depois, também nós enquanto viajantes, somos igualmente responsáveis por limitar os impactos e desvirtuar a alma dos locais que visitamos. Não é, portanto, uma equação fácil de resolver. [/r-entrevista]

[p-entrevista]E como vês evoluir esta situação? Este estado de coisas vai-se alargar, criando-se Disneilândias destas em locais mais e mais afastados e pequenos, ou vai estabilizar ou mesmo retroceder?[/p-entrevista] [r-entrevista]Voltando à resposta anterior, não sei mesmo como vai ser resolvida a equação. Pela experiência acumulada e, sobretudo, pelo que tenho observado nos anos mais recentes, acho que a tendência é para piorar. Por vontade própria ou por força das circunstâncias, há vários locais onde tenho regressado ao longo dos anos e o panorama não é o mais animador. Ainda recentemente voltei à Mongólia, nove anos depois da primeira vez, e as diferenças são muito significativas. Existem locais que tinham um encanto muito próprio, onde quase ninguém ia e agora é turistas aos magotes, muitos deles até nacionais. É inevitável que esse tal misterioso e inalcançável desapareça em muitos casos. Só mesmo locais muito inacessíveis, tipo Antártida ou partes da Sibéria, pelo custo que a viagem implica; ou países em conflito – quando esse conflito não destrói o que é interessante –, porque ninguém quer lá ir, vão manter por mais algum tempo aquilo que têm de genuíno. Em qualquer dos casos li recentemente que cerca de 40% do planeta está ainda intocado. Cabe a todos contribuir para que, pelo menos esta parte, continue assim.[/r-entrevista] [p-entrevista]Bem, agora, como prenda de despedida… podes fazer-te a ti próprio a última pergunta e já agora dá-lhe resposta.[/p-entrevista] [r-entrevista]Perguntar-me-ia o que não posso deixar nunca de fazer.

É talvez a resposta mais simples… Nunca deixar de viajar até ao fim dos meus dias.[/r-entrevista]

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