Mais um dia em grande, com belos momentos, aventuras e tensões. Enfim, os melhores ingredientes de uma boa viagem. Portanto ali estávamos, em Los Chiles, com o intento de entrar na Nicarágua. Quando o plano foi traçado a ideia era entrar em grande, por via fluvial. Mas agora que estava no terreno tinha descoberto que a marcha do tempo ameaçava sabotar o belo plano: foi construída uma ponte – obrigado Taiwan – que tornou a viagem de rio obsoleta. Agora o que estava a dar era cruzar a fronteira de autocarro. Muito mais rápido. Sim, tudo bem, muito mais rápido mas infinitamente menos interessante.

Quanto a autocarros, se tivesse que ser, a informação era mais ou menos coerente. Tinha os horários, os preços e o local de partida – o mesmo onde tinha chegado na véspera. Haveria nesse caso que pagar a taxa de saída da Costa Rica que, engenhosamente, não se aplicava à viagem de barco uma vez que segundo a lei só cobria as partidas por via terrestre.

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O pior mesmo era saber detalhes sobre os barcos. A informação recolhida previamente estava claramente obsoleta. Todos aqueles horários cuidadosamente guardados, as notas tomadas… para nada. Agora, segundo me diziam, barco só um, e mesmo assim, ninguém sabia se em determinado dia aparecia para fazer a viagem ou não. A única hipótese seria aparecer por volta do meio-dia na autoridade fluvial e perguntar se tinham recebido informação via rádio do porto de San Carlos, já na Nicarágua, sobre a partida da embarcação.

E foi com este cenário que acordámos para mais um dia cinzento mas, como o anterior, muito agradável. Acordámos cedo, encomendámos umas bebidas quentinhas no café do “hotel” (já agora, recomenda-se: Hotel Cabinas Carolina) e depois de ler um pouco, usufruindo da excelente atmosfera, fomos caminhar de novo pela localidade. Foi um revisitar de ruas já conhecidas, bem ciente que provavelmente não voltaria a vê-las e apreciando cada segundo naquela comunidade tão simpática.

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Lá fomos até ao porto fluvial. Ainda ninguém sabia de nada sobre o barco. Voltámos ao hotel, preparámos as mochilas, despedimo-nos das senhoras e de volta à zona portuária. Bem, quando digo porto, é algo muito simples… umas quantas casas e um ancoradouro fluvial. Pequeno. Pequenito.

Seguiram-se horas de não fazer nada. Esperar. Aguardar por notícias. Se houver barco, dizem-nos, é para sair às 2 da tarde. Só tem um problema: San Carlos não é o destino para hoje. De lá teremos que apanhar uma outra embarcação que descerá o rio de San Juan, deixando-nos em El Castillo. E até ver na Nicarágua os barcos estão a seguir os horários que eu tinha recolhido, sendo que o último abala às 17 horas. Um bocado apertado. Não há-de ser nada.

Como não há nada para fazer vou comer à tasca do “porto”.  Soube-me bem, e nem estava a contar com uma refeição. Perguntei se havia algo para comer, que sim, que havia frango, o preço era bom, encomendei e deliciei-me.

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Chega por fim a notícia de que o barco vem a caminho. Inicia-se o complicado processo. Primeiro, recolher os carimbos de saída no simpático posto de fronteira fluvial. Depois, pagar a taxa portuária, que é mesmo assim substancialmente mais barata do que o imposto de saída por via terrestre. E depois, quando chegar a embarcação, comprar as passagens.

Mas ainda faltava bastante tempo. Tempo para observar. As pessoas continuam a passear por ali. Passa um cavaleiro, como que um gaúcho, que faz uns passes artísticos com a sua montada, num toque de exibicionismo bem vindo como uma quebra de monotonia. Felizmente é Domingo e há muitas pessoas que por ali andam, oferecendo múltiplos motivos de entretenimento.

E avista-se a fugidia embarcação, vem lá ao longe, acaba de dobrar a curva do rio que se avista do ancoradouro. Vem com a bandeirinha da Costa Rica na proa. Os passageiros que vêm do país vizinho desembarcam, vão às suas vidas, e nós damos os nomes ao patrão do barco, passamos a fazer parte oficial da lista dos que vão de volta para a Nicarágua.

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O pior vem depois. Chegam as duas horas e nem sinal do pessoal do barco, que terá ido almoçar e claramente não tem pressa. Chegam depois, nas calmas. Mais isto, e mais aquilo. Tudo muito devagar, e o tempo a passar. Finalmente estamos todos a bordo mas nem assim partimos. Uns dez minutos mais tarde chegam os últimos passageiros. O barco devia estar à sua espera. Agora sim, afastamo-nos do ancoradouro, passamos pelas crianças que nada no rio, mais à frente, pelas famílias que fazem picnics.

Em breve desaparecem os traços de vida humana. A lancha avança com rotações constantes. Há alguns pontos onde é preciso alguma mestria para ultrapassar uma corrente mais estranha, para contornar uma árvore à deriva. Vou com os olhos abertos, devido à possibilidade de avistar crocodilos ou outros animais, mas nada de extraordinário aparece. Apenas algumas aves, pousadas descontraidamente em cepos encalhados no leito do rio.

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Por vezes passamos junto a habitações mais remotas, mas raramente se veem pessoas. Quem se vê é um soldado, de traços indígenas, camuflado, AK-47 ao colo, acocorado junto à margem. Por detrás dele uma bandeira da Nicarágua. É um posto de controle avançado. O barco encosta e passaportes são passados. A verificação dura pouco tempo e em breve estamos de novo a caminho.

Ao fim de um par de horas San Carlos avista-se. Ali encontram-se dois rios. Vamos entrar em território nicaraguense. O barco encosta na plataforma do posto de fronteira, tratamos da papelada, pagamos as taxas necessárias. E recebemos a notícia: o último barco para El Castillo acaba de sair. Maldito atraso! Agora estamos ali encravados. Tinha lido do pior sobre San Carlos. Quer dizer, nada de mesmo muito mau. Simplesmente que era um local sem nada para oferecer, que deveria servir apenas de ponto de passagem.

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Bem, perguntamos aos simpáticos funcionários da fronteira onde se pode dormir e se o local é perigoso. Dormir? Mesmo ali do lado de lá da rua. E não, não se passa nada, sem problemas. Lá vamos à pensão de aspecto duvidoso. Ali troca-se também dinheiro. E ficamos com o quarto. É apenas uma noite.

Afinal San Carlos transforma-se numa agradável surpresa. O passeio junto à água parece ser o último investimento da cidade e o povo, orgulhoso, passeio por ali. Andamos um pouco para o interior. Que confusão engraçada. Lojas exóticas, viaturas que passam sem parar, uma estação de autocarros que personifica tudo o que é a América Central.

Encontramos a estação fluvial de onde partirá o barco, logo pela manhã, ainda antes do sol nascer, rumo a El Castillo. Compramos logos os bilhetes a uma simpática moça que nos dá todas as informações, até outras, que me fazem falta, sobre como chegar a Granada a partir dali. Há autocarros, dois por semana, e por sorte vai bater no dia em que eu preciso.

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Agora que já temos onde ficar e bilhetes na carteira, é preciso tratar do estômago. Um restaurante junto à água serve comida a preços baixos, comemos uma carne desmechada, uma especialidade que já conhecia de um estabelecimento de gastronomia colombiana que conhecia em Praga. Está óptimo, assim como o ambiente.

A noite já caiu. Vamos para dentro, um pouco de internet e de relaxe no quarto. Mais tarde venho à rua, sob o pretexto de comprar alguma coisa doce e uma bebida fresca. Mas o que quero mesmo é espreitar o ambiente nocturno em San Carlos. É agradável. Compro as minhas guloseimas a um homem simpático (sim, mais outro), estico um pouco as pernas, vejo que o restaurante da berra está cheio, é enorme e está cheio, com uma grande plataforma de madeira onde os clientes se sentam em mesas. Está na hora de descansar.

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