Hoje é dia de separação da equipa. E então impõe-se um despertar bem matutino. Um último passeio conjunto pelas ruas de El Castillo, a observação renovada dos pequenos detalhes da vida quotidiana. A luz está magnífica, tudo isto me faz desejar parar o tempo naquele momento. Ficar ali, assim, para sempre.

El Castillo foi dos locais mais agradáveis por onde já passei. Imagino que para quem seja de lá, não tenha grande piada… viver com meios precários, afastado de tudo. Mas uma localidade onde não existem carros, porque não há estradas nem forma de entrar ou sair por terra, é algo de especial. Apenas o rio liga esta comunidade ao exterior.

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No terreiro do cais as pessoas começavam a juntar-se. Lá estavam os incontornáveis soldados, hoje acompanhado por um oficial que durante todo o dia fotografaria a acção do pessoal. Uma espécie de reportagem, mostrando-os a verificar passaportes, a certificarem-se de que os passageiros tinham os coletes salva-vidas postos. Coisas assim.

Chegou a lancha e com ela a hora de um adeus. De agora em diante a América Central seria vivida a solo.

E agora, o que fazer até às 11 horas, quando a minha lancha rápida chegará…? Mais uma voltinha, claro. Uma despedida bem sentido. Olhei cada pormenor sabendo que seria a úlltima vez, pelo menos nos tempos imediatos. Talvez um dia aqui volte. Gostaria muito.

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Olha… o barbeiro… não é tarde nem é cedo. Deixei-o terminar as tarefas na loja de fotocópias, discutimos o preço…. 0,60 Eur para fazer a barba. Depois decidi rapar também o cabelo e tudo junto custou-me menos de 2 Eur. Falámos de futebol, de basebol. Coisas de homens. Conversa de barbeiro. O trabalho ficou uma maravilha.

Retirei-me para o pequeno-almoço gratuito prometido lá no hotel. Simples mas gostoso. Chá, torradas com um cheirinho de manteiga e compota. Depois, lá para cima, ler. Mais uma despedida. Desta vez daqueles rápidos, onde de novo andava uma piroga com homens à pesca, metidos na água, lançando redes, tentando as sortes.

Um pouco antes, ao passar pelo cais, tinha visto os canadianos que procuravam apanhar o ser barco para San Juan de Nicaragua, uma viagem que me chegou a tentar. Mas é longe, são muitas horas no barco, é caro e depois, teria que voltar tudo para trás. Ajudei a traduzir a explicação, que o barco não se apanhava ali, para seguirem as pessoas que iam rua abaixo… traduzir mas fiquei intrigado… porque diabo não se podia entrar logo ali no barco, como seria de esperar, como sucedia com as outras embarcações.


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Foi mais tarde, lá da plataforma do hotel que percebi: o barco teria que descer os rápidos e por isso não era desejado o peso adicional dos passageiros. Bem que tinha achado estranha a concentração de pessoas, mesmo ali, debaixo da minha varanda. E lá foram, entrando, rumo aquele destino longínquo. Mais uma partida, defronte de mim.

Fui dar um último passeio antes do adeus final. Repliquei os passos da véspera, da primeira exploração da aldeia… ao campo de futebol e depois junto à fortaleza. E era ora de recolher a mochila e virar as costas.

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O barco veio à hora certa, fiz o registo para a viagem com a simpática ajudante do barqueiro, que já me conhecia e ficou surpreendida de me ver ir sozinho. Formalidades executadas, tomei o meu lugar para a subida do rio, o percurso inverso do do dia anterior que entretanto parecia tão distante no tempo.

A viagem não foi tão agradável. Os motores eram mais ruidosos, estava numa posição onde recebia salpicos constantes e de onde a coluna de água levantada pela proa me barrava a vista. E de resto, já tinha passado por ali.

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Em San Carlos, a animação do costume, aquele ambiente de faroeste. A estação então era um espectáculo. Logo à entrada uma “loja” com um enorme altifilante ia espalhando a palavra do Senhor. Vendedoras de fruta e de tudo o mais. Especialmente interessantes eram os produtos rurais, as catanas, os chapéus de cavaleiro, estribos e selas. Um caos. Anunciantes de autocarros. Daqueles autocarros coloridos, como imaginamos serem todos por aqui.

Comprei uma talhada de melancia, circulei um pouco. É um ambiente fabuloso com infinitos elementos para observar. Há homens que sussurram clandestinamente a sua disponibilidade para trocar dinheiro. Moços carregados de cintos e relógios, como lojas andantes, circulam por ali.

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Paguei o bilhete para Granada. Para as três horas. Dizem-me que a viagem leva entre seis a sete horas e apesar de ter perdido rapidamente a fé nesta informação depois de ver a lentidão com que o autocarro progredia, a verdade é que estava certa.

Fui até ao quiosque onde tão bem tinha estado há dois dias. Pedi uma bebida, intrometi-me na Internet do estaminé onde tinha dormido, que chegava ali em fracas condições, e deixei-me estar a fazer algum tempo.

Regressei à loucura da estação. Estava lá um autocarro para Manágua mas esse não me serviria. Chegou um daqueles bem velhos. Uma ligação local, pensei eu. Não, era o meu autocarro. Sete horas naquilo.. isto começa bem. Bem, foram dezenas de minutos de preparação, como se o veículo se tratasse de um navio a armar-se para uma viagem transatlântica. Inúmeros vendedores percorriam a coxia, ajudantes empilhavam bagagens no tejadilho, as pessoas procuravam os seus lugares – marcados, por deslocado que pareça – e à hora certa, como até agora tudo na Nicarágua, a besta pôs-se em marcha.

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A primeira hora foi preocupante. Uma hora inteira e tinham sido vencidos 30 km. O GPS dizia-me que por estrada, até Granada, seriam 300 km. Entretanto já todos os lugares estavam tomados e o corredor cheio de gente. Seria assim quase até ao fim. Quando ganhava velocidade o vento entrava pelas janelas e refrescava. Mas ganhar velocidade era uma proeza rara. As paragens eram constantes e implicavam quase sempre uma ida ao tejadilho onde já se encontravam cabazes de produtos que o pobre ajudante levava sobre a cabeça até lá acima, pela escada arcaica montada para a função.

Não demorou muito até a noite cair e a viagem tornou-se mais surreal. Uma coisa é estar num avião ou num autocarro moderno onde as luzes se mantêm apagadas para as pessoas repousarem. Outra coisa é seguir a bordo de um ferro-velho destes, cheio à pinha, toda a gente a falar e fazer barulho, e isto na escuridão total.

Bem, ganharam os livros, que nesta viagem deu para acabar um Paul Theroux e sorver metade de um Mia Couto. E entre páginas ia pensando na maravilha que seria chegar a uma cidade desconhecida, a meio do serão, sem alojamento marcado.

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A viagem fez-se. O último terço foi bem mais célere, as paragens rareavam. O lago Nicarágua era contornado, pressentia-se a aproximação da grande cidade: Manágua. Passámos à margem, tomando a estrada de Masaya, e uma hora depois chegava-se a Granada.

As pessoas em meu redor ajudaram-me a descer no sitio certo, perto do Parque Central, onde se encontra a catedral. Em suma, o centro da cidade antiga. GPS ligado procurei o primeiro hostel que tinha referenciado. Que estavam cheios! Ia-me dando uma coisinha má! E se estivessem todos assim? Bom o tipo – simpático – lá me indicou um par de outras possibilidades.

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Cruzei algumas ruas, desertas, algo que é reconhecidamente uma ideia triste. Mas o esforço foi compensado porque logo descobri o hostel Oasis, onde havia uma caminha para mim a troco de 9 USD. Que maravilha. O hostel é bom, um bocado grande para o meu gosto, mas não posso dizer que não seja bom. Recomendo. Bons espaços comuns, muitos recantos, paredes com murais.

Há algum de muito reconfortante em encontrar um espaço familiar depois de um dia assim. É um universo conhecido e as pessoas estão-me culturalmente próximas.

Dormi sem problemas, depois de umas horas a tirar a barriga da miséria. Cheguei a referir que em El Castillo não há Internet?

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