Este foi um longo dia que começou cedo, a sair do hostel em San Salvador e apanhar um primeiro autocarro para uma estação noutra parte da cidade. A missão era chegar a Suchitoto, considerada a capital cultural do país. Aparentemente uma missão fácil, mas que não foi nada simples.

Quer dizer, eu pensava que estava tudo a correr bem. Apanhei o autocarro certo, dei logo com a estação rodoviária. Assumi que como sempre bastaria procurar e se tal não fosse suficiente, perguntar a alguém onde era o autocarro para Suchitoto. Não podia estar mais enganado. Dei a volta pelo recinto caótico da estação, olhei para todos os destinos das dezenas de autocarros por lá estacionados, e nada de Suchitoto.

Bem, vou perguntar. Senhores simpáticos, sempre prestáveis. Que agora os autocarros para lá já não saíam da estação, que passavam na avenida lá fora, existindo uma paragem. Tentei preceber exactamente onde era essa paragem, mas se não saí com a informação apurada acho que foi mais porque eles não sabiam ao certo e não tanto pelas minhas inha marcalimitações linguísticas. Falaram na bomba de gasolina. Encontrei-a logo, mesmo em frente, do outro lado da estrada de quatro faixas, bem movimentada.

Olhei em redor, não vi nada que se parecesse com uma paragem nem tão pouco gente que pudesse estar à espera de autocarros. Esperei. Esperei. E de facto lá se começaram a formar grupos, e depois parava um autocarro e as pessoas desapareciam lá para dentro. Mas nada para Suchitoto. Perguntei. Ah não… era na estação, ali defronte. Mas eu já lá estive, disseram que era aqui. Não, era lá. Perguntei a mais pessoas, e cada cabeça sua sentença: que era preciso ir a outra estação do outro lado da cidade. Que era mesmo ali na estação. Que passavam onde eu estava, era questão de esperar.

Voltei à estação, falei com outros condutores, mandaram-me de volta para a avenida. Falaram-me de novo noutro local de partida, do outro lado da cidade. Estava a começar a ver a vida a andar para trás, o relógio a avançar e eu ali preso em San Salvador – que não é dos lugares mais agradáveis do mundo para se ficar – e nada de autocarro para Suchitoto. E então, quase por acaso, vi-o, assou à minha frente na gazua, mas a preparar-se para parar. Olho bem lá para o fundo e avisto a paragem, sei lá, uns 150 metros à frente. E vai o Ricardo, com forças multiplicadas pela frustração, a sprintar para lá e a conseguir entrar mesmo a tempo.

Daqui para a frente foi só a melhorar. A viagem não é longa, nada é longe em El Salvador. O que lhe falta em distância é compensado pelo encanto. A primeira parte nem tanto, feita numa larga estrada com casario incessante de um lado e do outro. Depois saímos daquela via principal e as coisas tornam-se muito mais interessantes. Estou apaixonado por esta América Latina rural, pelas pequenas aldeias, pelo pitoresco que é tudo.

 
 

Vamos chegando a Suchitoto, o autocarro imobiliza-se, sai tudo e ali estou eu, a ferver de entusiasmo, prontissimo para começar a explorar esta face do mundo que há muito está tão presente no meu imaginário. E aqui remeto para o filme Salvador (1986), de Oliver Stone, com James Woods no principal papel, que me marcou bastante há umas dezenas de anos atrás. E tenho que admitir: tirando os carros modernos, o mundo que se abre diante de mim encontra na perfeição aquele que tinha gravado na imaginação. As pickups carregadas de gente, por vezes partilhadas com animais, os velhotes de chapéu e catana à cintura, as lojas locais, os velhos autocarros que se arrastam deixando para trás uma densa nuvem de agentes poluentes, os cavaleiros que passam, as ruas ladeadas de casas brancas… está tudo ali.

Procurei o hostel que tinha marcado, encontrado não me lembro já como, depois de uma série de e-mails trocados com um tipo norte-americano que deveria ser o gerente. Não foi uma tarefa simples. Ninguém conhecia tal hostel. Fui perguntando aqui e acolá, até no gabinete de turismo, e nada. Tinha umas direcções, e lá me fui aproximando. Olhem, nem sei como mas encontrei. É um edifício tipo colonial, não muito diferente do Floresta Negra, onde fiquei em Granada, na Nicarágua, mas em muito melhor estado.

Lá estava o americano. E a mulher dele, salvadorenha, e a criação deles. A situação era bizarra. Não havia mais ninguém, só eu e eles. Estive um pouco à conversa com o tipo, mostraram-me o dormitório, maravilha. E pronto. Era assim: ao fim do dia de trabalho foram-se todos embora e fiquei rei daquilo. Foi assim durante todo o tempo que passei em Suchitoto. Meus amigos, não sei se estão bem a ver, a situação foi monumental! Ali estava eu, a pagar 7 ou 8 Euros por noite, dono de uma mansão colonial! Mas isto foram coisas que descobri mais tarde… para já saí à descoberta de Suchitoto….

Uma vila encantadora. Pequena, segura, agradável. A Praça Central é o núcleo de tudo. Ali está a igreja e é ali que as pessoa vão, como se costuma dizer, para verem e serem vistas. Em seu redor existem os melhores restaurantes e cafés, um par de puposerias – onde se comem pupusas, uma especialidade destes países que é como um pastel recheado muito substancial – e o posto de turismo. É dali que se parte para explorar as ruelas da localidade. Tudo parece um postal ilustrado. Homens a cavalo, pick-ups carregadas de gente, casas coloridas, pavimentos empedrados.

 
 

Andei por ali, travando conhecimento com Suchitoto, e acabei o dia a comer pupusas. Senti falta de um supermercado onde comprar abastecimentos.. ainda por cima as duas mercearias que encontrei era do tipo.. ver e pedir o que queriamos… eu sei lá o que quero, este sistema não faz parte da nossa cultura, nós queremos ver bem o que há e trazer.

Parei para uma cerveja gelada numa tasca. A minha primeira cerveja salvadorenha, e muito boa experiência: uma garafa de um litro, totalmente geladinha, numa mesa coxa que havia, só para mim, a única, com vista para Suchitoto.

A tarde ia caindo. Na praça central há um casamento. E a inauguração de uma exposição de arte feita ao ar livre com réplicas de pintuas do Museu do Prado, de Madrid. Começo a compreender a natureza cultural de Suchitoto.

Por fim regressei a casa. Lá estava eu, soberano, nobre, castelhano. Explorei tudo… a sala é espectacular. Sentei-me a pensar nos serões ali passados em família, há mais de cem anos atrás, talvez há mais de duzentos anos… as conversas, as expectativas, tudo o que ali terá acontecido, tudo o que aquelas paredes viram e ouviram.

Deixei-me estar na rede, no pátio interior, a preparar-me para dormir, a ouvir o silêncio, a ler um bocadinho. Fui trancar o portão. Dormi.

 

 

 

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