17 de Janeiro de 2016, Gamboa

Gamboa é um nome um pouco obscuro. Poucos visitantes conhecem esta pequena comunidade e muitos panamianos já ouviram falar mas nunca lá estiveram e pouco sabem sobre ela. Não me lembro bem como descobri isto, mas uns meses antes tinha-me cruzado com a informação de uma casa particular onde se podiam alugar quartos. As vantagens? Bem perto da selva tropical e do canal, um excelente ponto para observar vida animal e os traços da presença norte-americana. Mas já lá vamos…

O primeiro desafio era descobrir como lá chegar. Na véspera o Nide ajudou-nos a apurar a informação disponível. Até se tinha voluntariado para nos levar lá, o que teria sido excelente, até porque seria bom passarmos mais tempo juntos e explorarmos juntos Gamboa, até porque ele era um dos que só tinha uma vaga ideia sobre a aldeia. Ma através do telefone conseguiu contactar as pessoas da casa onde iriamos ficar, a Gamboa B & B , e anotou o que precisávamos de saber. Nome da companhia de autocarros e horários. Mesmo assim ficou combinado: se  não encontrássemos o autocarro ou algo assim, ele salvar-nos-ia.

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Não foi preciso. As pessoas são muito simpáticas no Panamá. Fomos perguntando, lá pelo terminal, e apesar de na realidade o ponto de partida do autocarro estar bem escondido, demos com ele. Tudo bem, havia um a sair à hora prevista. Depois da experiência fabulosa com a ida a Portobelo tornámos a apanhar um daqueles autocarros “escolares”. Belo passeio. Sempre a abrir, com a música bem alta. Fomos vendo os subúrbios, depois o espaço rural, partes do canal.

A aproximação a Gamboa faz-se já numa estrada muito local, muito mal tratada, com buracos no asfalto, sempre paralela ao canal. E, finalmente, para entrar na localidade, uma ponte partilhada com o comboio, que aterroriza muita gente. O rodado passa pelos troncos de madeira que formam o pavimento e o autocarro vibra todo. Uma senhora ao meu lado tapa os olhos. Não quer ver.

Descemos. Está calor. Gosto logo de Gamboa. Tem uma atmosfera serena, não se vê muita gente na rua. Já não há muitas pessoas a viver por aqui. Gamboa teve tempos melhores, quando era um bairro residencial para os trabalhadores norte-americanos envolvidos na gestão do canal. As suas casas ainda por lá estão, muitas delas abandonadas, conservadas apenas por fora por uma questão de imagem, às expensas do hotel de luxo que ali existe.

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Encontramos a “nossa” casa depois de uma breve caminhada. Até lá fomo-nos deliciando com o cantar da passarada nas copas das frondosas aves: papagaios, tucanos e outros, exóticos. Não está ninguém. Vamos  ter que esperar. Passado um bocado aparece o senhor Mateo e a esposa (esqueci-me do nome). Tinham ido à cidade, às compras (ah diabo, podiam ter dado uma boleia) e depois tinham ido ao terminal do autocarro ver se chegávamos. Não esperavam que tivéssemos saído um pouco antes.

Para ficar temos um quarto num “barracão”. A qualidade não é muita, é até bastante baixa para o preço que pagamos. Por 40 Eur esperava-se um pouco mais. Pus as minhas coisas numa prateleira e passados uns minutos a madeira podre cedeu e foi tudo parar ao chão. Mas não me queixo. É fascinante. As janelas não têm vidros, apenas rede mosquiteira, e são enormes, são a todo o redor, deixando espreitar a selva, como aqueles abrigos para observar aves.

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O senhor Mateo gosta de conversar. Imenso, talvez de mais. Ao princípio foi bom, mas com o tempo tornou-se um pouco opressivo, quando eu queria simplesmente descontrair, ler um bocado, apreciar os sons da natureza. Mas à chegada foi uma maravilha. Largámos as coisas e logo nos perguntou o que queríamos fazer. Caminhar no trilho do oleoduto, um percurso que faz parte do Parque Nacional e tipicamente muito bom para observar vida animal. Disse-nos que nos dava uma boleia até lá e pelo caminho nos mostrava Gamboa.

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E assim foi. O velho Mateo conhece tudo e toda a gente. Cada casa da aldeia. Vai-nos mostrando e comentando, parando aqui e acolá. Foi uma introdução preciosa, com imensa informação. Mesmo sem uma língua em comum, note-se. Mas depois de uns dias por aqui o espanhol começa a entender-se cada vez melhor. Claro que algumas frases ficaram por compreender, mas de uma forma geral deu para conversar. Daquela terra o senhor sabe tudo. Onde comprar uma cerveja a um preço agradável, quem vive aonde, quem se mudou, que bicharada se encontra aqui e acolá. E a história. Fala-nos dos primeiros tempos, mesmo antes de ele chegar. E depois, da decadência, da forma como as bonitas casas de madeira pintadas de cores diversas e aparentemente imaculadamente preservadas estão na realidade devolutas.

Pára o carro em frente a uma, ao acaso, e diz-nos para subirmos as escadas e espreitarmos. De facto assim é: o espaço interior está vazio, a porta abre-se para nós, podemos ver que apesar de não existirem traços de vandalismo a casa está abandonada. Preservada por fora para manter um ambiente agradável nas imediações do grande resort, mas negligenciada por dentro.

Deixou-nos à entrada do caminho do oleoduto. Não existe uma bilheteira mas na teoria há uma tarifa de 5 USD que pode ser cobrada a qualquer momento se encontrarmos os guardiães do parque nacional.

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Como o nome indica, o caminho é isso mesmo e apenas isso: um caminho. E, apesar das opiniões positivas espalhadas por essa Internet fora, não me entusiasmou. Talvez tivesse sofrido do síndroma das expectativas elevadas mas para mim foi apenas um esticar de pernas. O caminho é um estradão largo, pode onde podem passar carros. Mais para a frente estreita-se um pouco, o piso revela-se em pior condição mas mesmo assim nunca oferece aquela intimidade com a Natureza.

Vimos alguns pássaros, mas sem um olho de especialista para mim eram apenas pássaros. Talvez o melhor do passeio tenham sido os crocodilos. Não as bestas que se vêem na televisão, mas uns crocodilos diferentes, pequenitos, descansado ao sol. Um perto de um charco, a uns metros do caminho, e outro num cenário mais ou menos igual, um pouco mais à frente.

Este trilho estende-se por uns 20 km mas o público apenas está autorizado a caminhar uma quarta parte da distância total. Nós nem isso fizemos. Achámos monótono e a determinado momento regressámos. Afinal só tínhamos um dia para passar em Gamboa e não fazia sentido gastar mais tempo do que o necessário em algo que não nos estava a entusiasmar.

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Entretanto tinha-se chegada a meio do dia e o calor era intenso. Encontrámos a lojinha que o Mateo tinha indicado e regalei-me com uma cerveja bem gelada, desfrutada num campo baldio ali perto, de pança para o ar, cabeça apoiada na mochila, encostado a uma árvore, rodeado de erva um pouco alta, onde deixei a silhueta recortada.

Agora era tempo de vaguear por ali. Era um Domingo, o ritmo da aldeia era um pouco lento. Não se via muita gente nas ruas, e, suspeito, especialmente naquela altura, a do pico do calor. Mesmo assim foi uma voltinha agradável, como tudo o que vivemos em Gamboa.

Fomos ver melhor as tais casas abandonadas, passámos junto ao hotel, demos mil e uma voltas e descobrimos um pequeno trilho pedestre, muito curto, de um quilómetro, mas muitíssimo agradável, bem pelo meio da selva tropical, deixando-nos em completo silêncio apesar de estarmos tão próximo das habitações e das estradas. Uma excelente ideia, não sei de quem, esta de criar o Sendero del Lago. O lago já não existe, mas o caminho recomenda-se. Deu para ver um carreirinho de formigas transportadoras de folhas, cruzar pequenas pontes sobre cursos de água, descobrir árvores centenárias. E refrescar, porque a sobra abunda por ali.

O final do dia ia-se aproximando. Decidimos ir para o pé do canal, atravessando a linha de comboio, na expectativa de ver algum grande navio. Mas não apareceu nenhum e acabamos por desistir. Tempo de recolher a casa.

Gostaria de ter tido um pouco de descanso para leitura e relaxe mas o Mateo queria falar e não me deu essa oportunidade. Só quando me recolhi na “cabana” é que pude ter silêncio.

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