18 de Janeiro de 2016, Gamboa e Cidade do Panamá

Foi uma noite especial. Envolvido pelos sons naturais da selva, nesta cabana desenhada para realçar esta experiência, de estar ali, abraçado pela floresta tropical húmida. A temperatura não podia ser mais agradável, como se tivesse sido criada para agradar ao corpo humano, numa bem vinda alteração às noites suadas da Cidade do Panamá.

Durante a madrugada o sono assomou à tona por diversas vezes, oferecendo uma semi-consciência dos ruídos da Natureza, quase sempre discretos, mas intensificando-se por vezes. O arrastar intenso da folhagem marcou a passagem de um animal de maior porte, mas na escuridão nada tomou forma.

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O acordar veio naturalmente pelas seis e meia, com a actividade da bicharada que pressentia o início de um novo dia e o aclarar do céu. Foi um despertar suave e descontraído. Foi com toda a naturalidade que o despertar foi bem matutino. Gamboa era deliciosa e não haveria muito tempo para lhe dedicar. O pequeno-almoço foi tomado na tranquilidade do jardim da casa, suficiente, agradável. Depois, o velho Mateo inquirindo-nos sobre os planos para a manhã logo se prontificou a dar-nos boleia para baixo, apesar da caminhada ser mínima.

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A vizinhança, feita sobretudo de norte-americanos que trabalham por aqui, agita-se também para começar a jornada diária. Saem para uma corrida matinal antes da ida para o trabalho. Há que passear o cão, ir à loja comprar algo que falta para o pequeno-almoço.

Os tucanos, do topo das árvores, observam toda esta actividade com indiferença. Partilham os ramos com coloridos papagaios e outra passarada cuja identificação está ao alcance apenas dos especialistas.

As capivaras correm já no relvado da propriedade e vamos tomando o pequeno-almoço perante as suas momices.

A ideia era caminhar pela estrada que ele nos tinha indicado na véspera, morro acima, em direcção ao complexo de antenas que se avistava lá topo. Contou-nos o anfitrião de que certo dia alguns dos seus hóspedes decidiram subir até ao cimo, saltando a vedação que barra a passagem dos passeantes ao último trecho. Sucede que as câmaras de vigilância captaram o trespasse e às tantas a polícia estava a bater-lhe à porta. Disseram aqueles hóspedes que o Mateo disse que se podia. Mas não se podia. Ir, sim, mas só até ao portão. Que de resto não é grande distância, serão uns 300 ou 400 metros.

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O espantoso é que neste bocadinho se viu mais bicharada que nos quilómetros do caminho do oleoduto. Logo à entrada foi a macacada. Lá em cima, no alto das árvores. E a seguir um mamífero de dimensões médias que se escapou ao sentir a aproximação humana. Passarada, bem colorida. Uma agradável surpresa, a abrir o dia.

Caminhámos de volta ao centro de Gamboa. A aldeia continua adormecida, é uma dormência constante, uma comunidade tranquila. E é um caminhar também calmo, um adeus silencioso a um local encantador. Um calor continua, o suor escorre, empapa a roupa, enquanto os tucanos nos espreitam do alto do arvoredo.

Voltamos para a aldeia, paramos na lojinha, uma mercearia minúscula mas a única que existe na localidade. As pessoas que precisam de algo mais terão que se deslocar à Cidade do Panamá. Para mim serve-me. Tem latas de cerveja bem geladinhas.

É tempo de aprontar as mochilas, de preparar as despedidas. De novo o senhor Mateo oferece uma boleia, apesar da paragem de autocarro ser mesmo ali em baixo. Saímos um pouco antes a seu conselho. Diz que às  vezes passam mais cedo do que o previsto. E se perdermos aquele, que nos recolherá pelas 11 horas, teremos que esperar um bom bocado, horas, mesmo, até à próxima oportunidade.

Ficamos a conversar um pouco, ainda e sempre sobre a vida animal, uma das paixões de Mateo. E vem o autocarro e partimos de Gamboa.

Há poucos lugares disponíveis e os passageiros sabem o que fazem porque tenho que me sentar no pior assento destes autocarros diabólicos: sobre o eixo traseiro, onde os buracos no pavimento se tornam em autênticas agressões. Venho uma boa parte do caminho a ser assim espancado, o que me custará dias de dores de costas e pescoço, mas nada de sério.

O caminho de regresso é curto, mas sempre interessante: um enorme navio porta-contentores vai deslizando pelo canal, passando paralelo à estrada em que nos deslocamos, como que empurrado por uma força silenciosa. E de repente estamos no bulício da Cidade do Panamá, prestes a chegar ao super “busy” terminal rodoviário.

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Teoricamente não deveria ser complicado caminhar dali até ao centro histórico, onde vamos ficar hoje num hostel. Mas na realidade as coisas são mais complicadas, e logo por duas razões: primeiro, pela existência de vias rápidas, autênticas auto-estradas no centro da cidade, que não são fáceis de contornar e menos ainda de atravessar. E não menos importante, pela existência dos bairros complicados, aqueles onde não queremos entrar e que convém evitar a todo o custo, como é o caso do famoso El Chorrillo.

Por isso, toca de apanhar o metro, apenas por uma estação, saindo na 5 de Mayo e descendo pela Avenida Central até ao Casco Viejo, o centro histórico da cidade. Isto bem pelo meio de um desses bairros menos aconselháveis, mas disseram-me que enquanto me mantivesse na rua principal, tudo estaria bem. E adorei! Foi um passeio bem interessante, talvez quilómetro e meio por uma avenida flanqueada por comércio tradicional e repleta de bancas com frutas, vegetais e todos os artigos que geralmente se encontram em mercados. A maior frustração: não me sentir à vontade para sacar da câmara e captar umas quantas imagens daquele cenário maravilhoso, mais uma grande memória da Cidade do Panamá, esta obrigada a ser mantida apenas assim, na memória.

No meio daquela enorme confusão, cheia de cores, sons e aromas, parámos para comer uma pizza. O preço é tão baixo que é como se fossem oferecidas e o ambiente familiar é divertido. Valeu pelo estômago aconchegado e pelo deleite da observação da vida local.

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Chegamos ao Casco Viejo. Não é um lugar que me tenha cativado, apesar de ser o orgulho da cidade. Demasiado artificial. Muitos carros, estacionados por todo o lado. Casas imaculadas. Pouco natural, mas os turistas adoram. Mas calma, também não é assim tão mau. Aliás, nada nesta viagem de mais de dois meses foi mau. Apenas não tão bom como outras coisas.

Encontrámos o hostel com a ajuda dos simpáticos panamianos, sempre prontos para dar uma indicação. Seguiu-se um período de relaxe. Estiquei-me bem na caminha do dormitório, ventoinha apontada, refrescando-me, dando sossego aos castigados músculos. E passado um bocado, pronto para sair.

Seguiu-se uma exploração do bairro, por ruas com casas coloniais. Bem no centro uma manifestação de enfermeiros enche aquilo que penso ser a praça principal. Quem esperavam aparece, cria-se uma grande agitação. Muitos nem prestam atenção, mantém-se focados nas suas conversas, mas as notícias vão passando e não parecem ser boas. Seria o ministro? Quem quer que seja, limitou-se a proferir palavras apaziguadores sem significado. Foi isso que consegui ouvir entre os comentários.

E com isto a noite foi chegando. E foi a melhor parte deste passeio. O Casco Viejo tornou-se mais agradável com a luz dourada do pôr-do-sol, e mesmo depois, quando o céu escureceu até tornar-se negro. Havia pessoas a passear. No número certo. O suficiente para que as ruas não parecessem desertas, mas não tantas para se tornarem uma multidão. A temperatura continua alta, e vamos passeando pelos muros da cidade antiga. Regressamos ao hostel já noite cerrada. Em busca de um merecido repouso após mais um dia bem passado.

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