Estou de mochila feita. Olho pela última vez para aquele quarto onde fui tão feliz. Viajar é assim, há aqueles momentos maus ou simplesmente neutros, e depois aquelas situações que deixam uma saudade que bate no coração por um longo tempo, tão longo que se torna indeterminado. Deixo para trás este hostel que parece nem ter um nome, caminho um pouco junto ao lago e chego a um ponto onde os barcos para cruzar se juntam para recolher passageiros.

Num instante estou no meio daquela bonita superfície de água, olho para trás, vejo aquele prédio amarelo afastar-se. É triste. Claro que ter estado aqui foi bom, claro que me estar a dirigir para o Belize é excitante. Mas é triste virar uma página tão bonita deste livro, ou capítulo, se preferirem, da viagem pela América Central.

De Flores até à estação de autocarros foi um saltinho, uma caminhada já bem conhecida por esta altura. Longe vai o dia em que cheguei aqui à descoberta, um pouco a medo, sem conhecer o nível de segurança da cidade, que é excelente, claro, como todos os locais que visitei na Guatemala para além da capital.

Encontrar o transporte para a fronteira também foi simples. Basta perguntar pela “frontera”, mas tecnicamente o local chama-se Melchor de Mencos. Eu sei, eu sei, que raio de nome. Mas não importa. Nem passamos de facto por lá. A carrinha, depois de encher, percorreu rapidamente aquelas poucas dezenas de quilómetros e deixou-me mesmo junto à fronteira, que é passada sem problemas.

Atravesso a terra de ninguém e chego ao lado do Belize. É tão estranho chegar a um local onde as pessoas comuns falam inglês e o estilo de tudo é britânico, depois de mais de quarenta dias em domínio hispânico! Passo a fronteira do Belize onde os funcionários são simpáticos e me desejam uma boa estadia no país e sigo… a andar. Nunca entrei num país assim, em grande estilo, a caminhar. Claro que já caminhei junto a fronteiras, desde o transporte até ao posto de emigração, ou na terra de ninguém. Mas no Belize, cheguei, atravessei e continuei a caminhar, até San Ignacio, a alguns quilómetros da fronteira.

Está um calor infame. Quer dizer, a temperatura nem é especialmente elevada, mas a humidade muda tudo. Suo a bom suar, em bica, como se diz. Mas siga, caminhar. Passam por mim carros que, apesar do Belize ter sido uma colónia inglesa, se deslocam pela direita.

As casas são diferentes. Começo a compreender aquela arquitectura diferente de Flores. É a influência britânica a fazer valer-se. E é assim que imagino a Jamaica e outras partes das Caraíbas onde os ingleses se estabeleceram.

Para mim, é muito pitoresco. É diferente. Gosto de toda a América Central, mas o Belize é uma espécie de Água das Pedras que se toma para desenjoar dos “buenos dias” dos outros países. E caminho.

Quando chego a Benque Viejo del Carmen, que fica a apenas 1 km e pouco da fronteira, já estou todo roto. Preciso de uma bebida! Vejo um quiosque e vou lá comprar água. É o Yoly Snack Shop e a Yoly, a proprietária, está sentada numa mesa com uma amiga, e ficamos logo amigos. Sento-me com elas, sou convidado para almoçar, mas fico-me por uma laranja que também me oferecem. Foi um bom bocado. Para além da conversa por conversar, recolho imensa informação que me vai dar jeito. Distâncias, meios de transporte. Coisas assim. Aprendo também que no Belize a maioria das pessoas é bilingue, falam inglês e castelhano conforme calha, e muitas vezes, como é o caso delas, mudam de uma para a outra língua sem sequer se aperceberem. Ou, mais interessante ainda, misturam-nas!

Fico a saber que se caminha bem até às ruínas de Xunantunich, que serão as últimas que testemunham a presença dos Maias que visitarei. Mais um punhado de quilómetros. OK, agora já estou retemperado, vamos a isso!

Caminho pela estrada, lado a lado com um bonito rio onde pessoas passam momentos de lazer. Vejo uma família, com a pick up estacionada por perto, a fazer um picnic. Noutro lugar brinca-se com papagaios de vento.

E finalmente chego ao local onde uma curiosa barcaça, que se move com o auxilio de uma roldana, transporta gratuitamente as pessoas de um lado para o outro da água. Inclusive carros! Preciso de atravessar ali para depois subir até às ruínas.

Olho para o GPS e desespero… ainda é longe, já estou outra vez exausto e agora, apesar de sossegado e muito bonito, o caminho é a subir. Vencido, decido fazer algo que não é nada meu: pedir boleia. Falho a primeira, a segunda funciona logo. Vou no porta-bagagens de um jipe e percebo que o condutor é um residente anglo-saxónico e o resto dos passageiros, que enchem todos os lugares da viatura, também pediram boleia mais para trás. Que excelente! Soube mesmo bem materializar-me à porta das ruínas.

Pago o bilhete e parto para a exploração. Fiz bem em vir. É uma visita agradável. Passo um bom tempo por ali.

O céu está cada vez mais encoberto, é capaz de chover. Mas consigo passar um tempo seco nas ruínas. Subo, desço, espreito. Encontro os meus companheiros de boleia. Vejo na mata dois soldados bem armados que policiam a área. Brinco às escondidas com as muitas, enormes e tímidas iguanas que vivem por entre as pedras das pirâmides. E por fim dou a visita por terminada. Já não há basicamente ninguém por ali. A tarde está a chegar ao fim.

Vou a caminhar outra vez. E note-se que tudo isso se passa na companhia da minha mochila de viagem. É por estas situações que faço questão em viajar leve, com mochila de 20 litros e não compreendo bem o pessoal que anda pelo mundo com uma casa de 60 litros às costas.

Agora é mais fácil porque é a descer. Ouço uma mota aproximar-se por detrás de mim. Pára. É um polícia que me pergunta se quero boleia para baixo. Sorrio, agradeço muito e declino a cortesia. Gente simpática. Mas não gosto muito de motas e pelo contrário está-me a saber bem a caminhada.

Da floresta vem o som arrepiante dos macacos-uivadores. Ainda bem que sei o que é.

Chego à barcaça mesmo a tempo da última travessia (uffaa… ia ser bonito, que sorte!) e ponho-me à beira da estrada à espera de autocarro para San Ignacio. Acaba por vir, começa a chover, mantenho o olho no GPS e uma vez na povoação salto do autocarro num ponto que me parece o mais próximo que vou chegar do hostel.

Gosto do hotel, uma casa tradicional, de madeira, uma pequena mansão colonial. Mas nada da gaja que lá trabalha. A única. Nem vou entrar em pormenores. Chove, ainda. Instalo-me e quando a chuva abranda saio para explorar um pouco. Já é escuro. A rua principal é na sequência da onde estou instalado. É uma rua cheia de lojas e restaurantes para turistas. Ando por ali um pouco e descubro uma tasca vazia, mais abaixo, com aspecto local. É ali mesmo. Pergunto o que há para comer. Nada. E eu… “nada, nada mesmo, não se arranja qualquer coisa?”. Arranja sim, arroz com feijão. Homem! Mas é isso mesmo! Maravilhoso! Com uma cervejinha. De onde sou? Português. Vem logo Cristiano Ronaldo para a conversa. Digo que não sou grande fã e o rapaz que é o empregado amua. Diz-me o outro homem, o cliente, o único, que não devia ter dito aquilo, que o moço é grande fã.

Como a delícia que tenho para o jantar e bebo outra cerveja. Foi um dia em grande. Mais um, sempre mais um nesta viagem. Vou-me retirando para o hostel, apreciando a arquitectura local, casas de madeira, à inglesa. No hostel instalo-me no alpendre, um alpendre daqueles como se vêem em filmes como “E Tudo o Vento Levou”. Gosto. Fico ali a ler um bocado antes de me recolher para dormir.

 

 

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