Estamos de partida. Os doces dias de Andorra, que se seguiram à aventura da Argélia, estão a acabar. Ficarão as recordações, que se tornam mais difusas com a idade, e é para isso que estão aqui estas crónicas, para preservar essa memória.

Foi um bom acordar, naquele quarto confortável, na cama em que tão bem dormi estas últimas três noites. Lá fora o dia sorri, o “meu” vale dá-me os bons dias, o céu está pintado de azul e o sol é lindo.

 

Mais um grande pequeno-almoço, o último da estadia. Chega mesmo a hora de partir e quando fecho a porta do quarto dá-me aquela coisa sentimentalona, de olhar para trás, me despedir daquele espaço onde num curto espaço de tempo fui tão feliz.

O boguinhas lá está na garagem. Espero que também tenha dormido bem porque hoje terá um dia duro pela frente.

Para começar uma paragem de improviso, no Núcleo Histórico de Les Bons. Quando preparei a viagem a Andorra não vi nada sobre isto, mas uma placa à entrada da localidade de Encamp chamou-me a atenção. Em boa hora. Fui investigar, pareceu-me interessante, e agora que chego lá percebo o dano que teria sido não ter visitado.

Aqui não há turistas. Não hoje. É preciso estacionar a uma certa distância a vencer a pé a distância sobrante. A povoação é pacata, parece dormir eternamente. Uma senhora. Muitos gatos. Casas fechadas. Há ali uma igreja, uma torre defensiva, um tanque de água de rega da época medieval, um pombal da mesma era. E uma vista de arromba sobre o vale. Um momento bom, o primeiro de um dia cheio deles. Dá para descontrair, explorar aquele cantinho com tranquilidade. Sem estar cansado, deu-me vontade de descansar. Só porque posso. Só porque se está bem.

Tentou-se encontrar uma ermida perdida, mas as indicações nos painéis pareciam levar para nenhures… só que o caminho para nenhures era ele próprio digno de visita, como se pode ver na foto acima. E feito isto, seguiu-se caminho.

Passou-se Andorra Velha, com o carro a rolar suavemente, eu a gozar o prazer de conduzir, sorriso grande na face. E parou-se logo a seguir, numa localidade à saída da capital chamada Santa Coloma, onde há uma igreja muito bonita (foto no topo do artigo) e uma rua antiga que vale a pena visitar.

E mal sabia eu que o melhor bocado estava para vir. Saindo de Santa Coloma, viro à direita, rumo a uma aldeia chamada Bixessarri, porque tinha lido algures que tinha algum interesse. A estrada até lá é sinuosa mas linda, envolvida em floresta maravilhosamente verde. Tão linda que cheguei num instante, quase sem dar por isso. E Bixessarri não era apenas interessante, era a aldeia mais bonita que vi em Andorra.

É certo que como tantas outras está um bocado deserta. A maioria das casas deve pertencer a estrangeiros que aqui vêm passar uns dias de vez em quando. Pelo meio da aldeia, paralelo à estrada, corre um riacho, vigoroso, de águas cristalinas que dão sede só de olhar. Uma sede de gula, que vem da imaginação da frescura e do sabor natural do líquido que ali corre.

As casas de Bixessarri são fascinantes. Todas. E há uma capela antiga para compor o cenário.

A ideia era regressar, mas surgiu a tentação de ver onde levava aquela estrada que se anunciava de 15 km e sem saída. Montanha acima. Mais uma excelente decisão. Os 15 km são reais. Mas é um deleite. O asfalto evolui em altitude, cada vez mais alto, e de repente apercebo-me que pela primeira vez em Andorra estou num lugar onde não há traços de presença humana, é a pura montanha.

Mais ou menos a meio, ao quilómetro 7,5, há um santuário, um espaço agradável, com uma plataforma para se apreciar as vistas e, do outro lado da estrada, uma estalagem. Depois de uma pausa prossigo, até ao cimo. De lá existe uma estrada que desce e que seria perfeita, só que é de sentido único. Paciência, vou mesmo regressar pelo mesmo caminho. Mas foi uma excelente forma de encerrar esta visita a Andorra.

Passa-se a fronteira e de novo na Catalunha. O dia está a render. Ainda é relativamente cedo, podemos ir parando em locais que pareçam interessantes. E assim acontece, mas vou ser muito sincero… vi tanto, parei tanto, sem tomar notas, que não posso escrever detalhes. Lembro-me de uma aldeia parada no tempo onde não se via vivalma. Lembro-me das muitas bandeiras da Catalunha, dos cartazes de revolta contra os presos políticos, de estradas que me baralharam, por onde seguia só porque o Google Maps mandava. Por alguma razão o trajecto de regresso foi diferente.

Parámos num antigo mosteiro destruído por uma explosão de pólvora logo após a Guerra Civil de Espanha.Pode-se visitar, desde que uma simpática senhora apareça para abrir os portões aos viajantes estrangeiros fora de horas. Pois é, a tarde já se alongava, lá em cima o tempo mudava e começava a pingar. Mas o local era excelente, muito atmosférico. Gente boa, que fica feliz de ver visitantes de longe pelas suas terras. Ao lado, nos claustros, que sobreviveram à explosão, o gabinete de turismo e aquilo que penso ser equivalente à junta de freguesia.

O dia está a acabar. Está escuro. Mas não resisto a investigar uma silhueta que se ergue no topo de uma colina. Passo por uma pequena povoação e descubro um castelo, ou uma fortaleza. É enorme e está devoluta. Tem uma longa história, mas raramente viu acção. Agora está para ali, abandonada. É uma pena estar bem vedada, adoraria explorar aquilo por dentro, mas não vai dar. Ainda entro, vejo apenas um pouco. Mas estou nervoso porque pela cor do céu parece aproximar-se uma violenta tempestade. Ouço trovões. Acabo por desistir.

Afinal a tempestade nunca chegou. Mas eu sim, cheguei a Barcelona, ao seu aeroporto. O carro foi devolvido sem problemas e agora era esperar para o dia seguinte, dormir num canto até à hora do voo para Faro.

Estavam terminados os dias de Andorra, integrados numa viagem mais ampla que me levou até à Argélia. Em breve se seguiria uma pequena road trip em França, mas isso será contado em breve.

 

 

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