Ao terceiro dia estaria de partida de Argel, rumo à enigmática Gardhaia, ou melhor, ao vale de M’zab. Mas isso seria ao fim do dia, e antes disso tinha pelo menos uma longa manhã que se esperava proveitosa pela frente.

O Abdou tinha feito as suas sugestões, aceites, de apanhar o metro, subir ao grande monumento dedicado aos “Mártires” e depois descer calmamente a colina passando pela Gruta de Cervantes e visitando o Jardim Botânico, já cá em baixo. A isto ele adicionou mais umas coisas, mas a mim pareceu-me logo um plano ambicioso, e de facto a primeira parte foi suficiente para preencher o tempo até à partida para o aeroporto.

Usar o metro em Argel é uma coisa simples. Fui directamente a uma bilheteira porque o Abdou disse que muitas vezes as máquinas automáticas estavam avariaads, mas a verdade é qu emais tarde as usámos e funcionaram sem problemas. Depois, passar pela máquina de controle de bilhetes que, já agora, têm um preço simbólico. As plataformas são amplas e têm bom aspecto, de certa forma: parecem novinhas em folha, mas isso é porque o são e posso estar a ser venenoso mas fiquei com a ideia que os padrões de construção não são os melhores e que em breve começarão a perder aquele ar imaculado.

Meia dúzia de estações depois, controladas sem nenhum problema através dos mapas de “rede” (e “rede” vai com aspas porque é apenas uma linha) bilingues (árabe e francês) e dos anúncios orais, chegámos a Jardin d’Essai.

Mesmo à saída da boca do metro, lá estava ele, o Jardim Botânico, e já com algumas pessoas de volta da bilheteira. Mas para já o objectivo não era este: do lado de lá da estrada, tal e qual como o Abdou disse que ia acontecer, vimos a estação do teleférico que leva lá acima, ao topo da colina onde se encontra o memorial que pode ser visto de bem longe na cidade. E o bilhete custa apenas 20 Dirham, o que equivale a dez cêntimos de Euro.

Subimos, chegámos ao memorial e foi um pouco frustrante. Por várias razões: ao memorial propriamente dito não se tem acesso; o Museu dos Mártires não permite a fotografia no seu interior; toda a área estava cheia, completamente cheia, de criançada de um sem número de escolas. Até fiquei atordoado e precisei de me sentar a pensar um pouco na vida. Podia ir ao Museu Militar, que era ali mais ou menos em frente. Mas um instinto qualquer disse-me para não o fazer.

Acabei por me dedicar apenas à preguiçosa arte de observar pessoas e fi-lo durante um bom bocado, até porque a matéria-prima era abundante e de qualidade. Mas nada mais havia ali a fazer. Não foi mau de todo, no final de contas. Simplesmente pouco se passou como estava planeado.

Fomos descendo pela estrada, colina abaixo, apreciando as excelentes vistas do primeiro troço e depois lidando com os carros que passavam bem próximo, nesta via sem berma, mas nada de crítica. Passado um bocado, virar à esquerda para procurar a Caverna de Cervantes.

Mas o que é isto de Caverna de Cervantes? Bem, é mesmo sobre o Miguel Cervantes, o grande nome da literatura épica castelhana. Sucede que em meados do século XVI Miguel de Cervantes foi capturado pelos argelinos numa refrega naval e levado captivo para Argel. Com a ajuda de amigos que fez entre os muçulmanos conseguiu evadir-se e abrigou-se nesta gruta durante algum tempo, aguardando por uma embarcação que o viria recolher para o levar de volta à Europa. No fim as coisas não correram bem. O navio nunca veio e eventualmente os argelinos acabaram por o encontrar reconduzindo-o à captividade.

E lá está ela, a caverna, juntamente com dois guardas, um memorial e uma placa comemorativa. Os guardas eram uma simpatia, sobretudo um que nos mostrou o melhor ponto para observar a paisagem, a partir de uma plataforma mais elevada, e aproveitei para lhe pedir umas indicações sobre a melhor forma de regressar a pé ao jardim Botânico.

O bilhete para o Jardim é, como quase tudo na Argélia, de um valor simbólico. Entrei e não demorou muito para me sentir fascinado. OK, nada contra jardins botânicos, mas não é o tipo de locais onde costume gastar tempo de viagem quando ando por aí pelo mundo. Vim a este porque estava aqui mesmo em frente e porque o Abdou tinha recomendado mas ia para dar apenas uma volta e afinal demorei-me bem mais tempo do que pensava.

E um espaço de dimensões consideráveis e, apesar da temperatura ter estado amena durante a minha visita à Argélia, imagino que no pico do Verão seja delicioso vir aqui e usufruir da frescura das muitas sombras que existem no jardim.

Estava cheio de gente, mas no bom sentido. Sem ser opressivo. Mas apesar de ser um dia de semana muitos argelinos andavam pelos jardins. Crianças de escola, namorados, famílias, amigos. Um pouco por todo o lado. Gostei especialmente de um lago rodeado por grandes árvores e do espaço amplo onde se encontra a fonte, mas também das estranhas árvores de ramos emaranhados que parecem saídas de um conto fantástico.

Acabei por passar bem mais tempo aqui do que esperava e já não havia assim muito tempo para gastar. A conta certa para voltar ao metro, observando antes uma bonita galeria de mosaicos que há ali defronte. A viagem para lá foi simples, e quando chegámos ao pé da casa do Abdou dei-lhe um toque para me abrir a porta. Pegámos nas mochilas enquanto ele nos chamava um táxi, tipo Uber, e fomos para a esquina.

Demorou um pouco mais do que estava previsto e ali estávamos, aguardando com a serenidade possível, chega-se um jovem ao pé de nós, com uma pinta de agarrado e mete conversa, em inglês.. eu, de pé atrás, e afinal aquilo era só mimos… de onde éramos, para onde íamos… OK… e se não tínhamos fome, de estar ali à espera, que ele nos ia buscar qualquer coisa para comer. Não era preciso, mas ais uma vez ficou a memória da gentileza deste povo com os seus visitantes.

Veio o carro e seguimos para o aeroporto. Trânsito complicado. Sem stress porque tínhamos tempo suficiente. No terminal doméstico havia alguma confusão, muita gente à espera. Ia com algum receio porque o Abdou tinha contando alguns episódios menos bons relacionados com a Air Algerie, mas foi tudo pacífico e num instante estávamos junto às portas de embarque onde bebi uma Coca-Cola enquanto esperava pela chamada.

Um voo tranquilo num pequeno a avião a hélice. Para embarcar é preciso mostrar a um polícia o bilhete, que é controlado por ele, que fica com metade do papel. Um método que nunca tinha visto. Descolagem à hora, mais ou menos ao mesmo tempo que o pôr-do-sol. Gostei. Companhia simpática, bons preços e ainda há direito a um snack a bordo.

Em Ghardaia já era de noite. É um aeródromo. Um pequeno terminal e um polícia rude que manda esperar enquanto troca galanteios com uma velha gorda. Nisto chega o Abdou, não o Abdou de Argel mas o outro, o de Ghardaia, que tem o mesmo nome. O meu anfitrião de Couchsurfing. Trata de tudo com o agente brutamontes, enquanto preenchemos os impressos de chegada ao aeródromo. Em Ghardaia estrangeiro não entra a não ser que alguém local fique responsável por ele.

Com o Abdou está o Salah, o simpático Salah, que não verei muito nos dias seguintes, mas que também é Couchsurfer e sócio do Abdou na casa que compraram para explorar tipo AirBnB e que aloja gratuitamente couchsurfers quando os há. Vamos de carro, primeiro à estação da polícia, onde é preciso deixar uma cópia do passaporte (felizmente havia). O Abdouh trata ed tudo enquanto esperamos no carro.

E então para casa, uma casa tradicional, linda, nos arredores da povoação, muito sossegada, rodeada de montanha de um lado. Ficaremos ali, com a casa por nossa conta, porque nenhum deles vive ali. Passamos um serão agradável, à conversa, a beber chá e comendo bolinhos deliciosos. À despedida fica combinado que Abdou passará por ali para nos recolher às 9 da manhã para nos levar a ver as coisas. Excitante!

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