Despertei com os vizinhos a fazer barulho. Tão simpáticos mas nestas coisas tão mal-educadinhos. De qualquer modo o sol preparava-se para nascer e assim como assim, tinha dormido sete horas quase sem interrupções. Lembro-me de acordar para vestir um agasalho e pouco mais.

Lá fora, o  nevoeiro. Que havia de permanecer quase até ao último momento desta viagem de comboio, já bem dentro de Rangoon, quando mais um glorioso dia de sol se confirmou. Até lá não há história. Não estava inspirada para fotografia, permaneci apenas no meu cantinho, olhando lá para fora, esperando a chegada.

Esta viagem é eficiente e agradável. Tudo está bem afinado e o comboio é relativamente confortável. É outro campeonato, esta ligação entre as duas principais cidades de Myanmar.

A estação já é nossa amiga e o caminho até ao hostel é simples de trilhar. Passo certo, apreciando as ruas desta cidade que desperta para mais um dia. No Dengba logo nos recebem, apesar de ser tão cedo. E assim o resto da manhã é passado na preguiça, na cama de beliche atribuída, finalmente com Internet a velocidade vá, aceitável.

Antes do almoço uma expedição para comprar umas calças no mercado. Objectivo cumprido mas está muito calor, de forma que se regressa à frescura do ar condicionado do quarto. Passa-se a tarde e ainda ali estou. Queria ter ido visitar um memorial da guerra, mas não tenho vontade de lidar com taxistas e ainda são uns 6 km para cada lado. Demasiado para caminhar, especialmente num dia quente assim.

Felizmente que saímos mesmo antes do fim do dia. Seria uma pena que esta passagem por uma cidade tão cativante se resumisse a infindáveis horas esticado no beliche.

Lá fora a cidade está para fechar. Inicia-se a hora de ponta, o regresso a casa, o encerramento de lojas e escritórios. Passamos junto a uma torre altissima, pelo menos para os padrões de Rangoon, que despeja para a rua catadupas de funcionários que passaram o dia nas empresas ali estabelecidas.

Vamos por ruas já conhecidas, da primeira passagem pela cidade. O ambiente está fantástico. Dá-me a ideia que as pessoas de Rangoon não são de ir meter-se em casa depois do trabalho. Ficam pelo centro, se não todas, se não talvez a maioria, pelo menos muitas. E assim todas aquelas ruas estão cheias de vida. As tascas improvisadas encontram-se por todo o lado, sempre as mesas e cadeiras de plástico, cozinhas reinventadas a cada dia.

É uma pena o rio e a cidade viverem de costas voltadas. Tirando a travessia de ferry, não há muito que se possa fazer nas suas margens. Queria espreitar a clássica estação de correios central, mas não sei a que distância fica e não me apetece explorar muito. Voltamos para trás, acabamos por ir para o jardim no centro do centro, junto à igreja e ao que penso ser a câmara municipal. Os relvados estão cheios de pessoas, cheios mesmo.

É um imenso prazer andar por ali. Já o tinha sido no Dia dos Namorados, mas na altura pensei que a animação se devia à data especial. Não, num fim de tarde comum é ainda mais activo. Lá fora, ao longo do gradeamento, como antes, há uma enorme feira de comes e bebes. A escuridão chega mas logo as luzes se acendem, fazendo da noite dia, com o vigor da iliuminação de um campo de futebol. À entrada do parque um painel com as regras diz, entre outras coisas, que o horário de abertura termina às 18:00. São 18:20 e nem o exército conseguiria fechar o parque nos próximos tempos.

Vamos beber um chá, numa das tais tascas, na rua mesmo em frente ao hostel. Sucesso. Grande ambiente, uma vez mais, excelente para observar as pessoas, as que estão, as que passam, as que vêm e vão. O Myanmar Tea está delicioso. E quando por fim pago fico surpreendido por apesar de estar no ponto mais central da cidade mais importante do país, é o valor mais baixo que paguei por um destes chás: 300. Ou seja, cerca de 0,25 Eur.

Não queremos que o dia acabe. Está a acabar mas não queremos. Sente-se que apesar da muita vida nas ruas, o movimento é já decrescente. Que loucura! A quantidade de coisas diferentes que são aqui vendidas, cada centímetro de rua, de margem de passeio, é ocupada por alguém que tem uma proposta: em cerca de 30 metros, uma senhora talha por encomenda belos pedaços de papaia, melancia ou abacaxi; uma moça frita uma variedade de petiscos, espécies de farturas, argolinhas, fatias douradas; vêem-se frutas exóticas, tão estranhas que nem têm nome nas nossas línguas; há vendedores de taluda, de gelados, de grelhados; e bolos, misteriosos, saborosos, coloridos. Tudo isto sem falar nas lojas convencionalmente estabelecidas! E vimos uma que propõe uma espécie de yogurte, dirigida por um patrono autoritário que garante que a cada momento tudo está nos conformes. Recebemos a melhor das suas atenções, claro, mesa preparada e limpa com a velocidade de um relâmpago por um dos seus servos… e oh diabo, aquilo é mesmo bom… um yogurte agridoce a que ele chama “lassi” mas me parece algo mais único. Foi o fechar do dia, de Rangoon. E foi em grande.

Serão no hostel, continuando o projecto que ocupou a grande parte do dia: fazer nada.

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