São dez da noite do meu penúltimo dia de viagem, uma viagem encurtada com algum custo económico devido a uma grande decepção e desconforto com o Uzbequistão. Estou no aeroporto internacional de Urgench, espero o voo doméstico para a capital que partirá pouco depois da meia-noite.

No iHostel o meu amigo Happy Boy (a sua alcunha) espera-me, com uma ceia preparada e um táxi ao meu dispor no aeroporto. O Happy Boy foi o Uzbeque mais porreiro que conheci nestes dias pelo país. Ele e a moça do gabinete de turismo de Khiva, mas a isso já lá iremos. Note-se que o povo uzbeque me tratou muito bem. Parto com uma boa impressão deles, gente honesta, um pouco reservada ao primeiro contacto, agradável e respeitadora.

Hoje acordei tarde. Já eram 10:30. E porque não. Tinha o dia pela frente, muitas horas para queimar. Fiquei por ali um bocado na ronha, comi os ovos estrelados que me deram para pequeno-almoço e fui de novo ao centro histórico, ali muito perto. A multidão era incrível. Sobretudo escolas. Andei por ali, descobrindo cantos e recantos, arranquei  algumas boas fotos e vi até céu azul, essa verdadeira raridade do meu Abril no Uzbequistão.

Nestas andanças encontrei o italiano que ontem tinha ido aterrar no meu quarto. Conversámos um pouco e a comunhão de impressões era perfeita: o Uzbequistão é monótono e as suas principais atracções estão queimadas pelo turismo de massas, tornadas disneylândias indesejadas (por ambos) e ainda mais com o tempo miserável que tem feito. E o mais espantoso é que tal como eu ele tinha comprado novas passagens para antecipar o regresso a casa.

Encontrei uma casa de câmbios. De notar que a partida antecipada me deixava com um problema de 60 Euros no bolso. Era mais ou menos o valor que tinha em moeda local, que não necessitaria, e já imaginava uma despesa adicional a juntar às novas passagens aéreas. De Tashkent o Happy Boy dizia que se calhar não ia ser possível trocar de volta o dinheiro, e quando vi a casa de câmbio entrei logo. Apesar de terem um grande cartaz com os valores disseram-me  que não, que só compravam moeda forte, não  a vendiam. Bom, OK.

Vou então ao posto de turismo, pergunto como é para viajar para Urgench e se sabiam como trocar dinheiro. A menina deu-me todas as informações de transporte, muito simpática e profissional em inglês fluente, mas o melhor veio a seguir: quando lhe disse que naquela casa de câmbio não aceitavam moeda forte, fez um ar “lá estão eles outra vez com tretas”, pegou no telefone e não descansou enquanto não arranjou alguém do mercado negro que ali fosse fazer a operação que precisava. E assim se resolver com uma excelente taxa!

 
 

 

Bem, dei mais umas voltas e regressei à casa. Felizmente a hora de partida era até às 21:00, uma coisa estranha que me deu muito jeito. Fiquei até às 18:00, a tempo de conhecer os novos hóspedes que ocuparam o meu quarto, um casal de norte-americanos com quem conversei um pouco.

À partida dois pequenos dramas… o primeiro para obter o meu talão de registo, algo teoricamente obrigatório para apresentar na fronteira à saída do país. Lá apareceu. E depois, fazer compreender à senhora que a minha pernoita tinha sido paga com cartão de crédito, adiantadamente.

Quando saí para a rua veio comigo um alívio enorme de deixar aquela casa para trás.

Passeio uma última vez pelas ruas da cidadela. As escolas já partiram. Ficaram os estrangeiros, relativamente poucos mas de presença mais forte. Atravesso aquilo, saio pelo portão oposto e vou andando, à procura do transporte. Vejo os trolleys mas parece-me que não estão ali a receber clientes… passo pelo ponto onde deveria haver táxis partilhados e não os vejo… passo por um segundo ponto mas as viaturas que lá estão não parecem habitadas por gente com vontade de fazer negócio. Ao longe, um trolley, mais ou menos onde a menina do turismo me disse que os encontraria. Quando estou a uns 80 metros, arranca. Mau!

Mando parar um pequeno autocarro… não, não vai para lá, mas aponta-me para trás. Lá ando até aos desinteressados. É mesmo ali. 3.000 SOM. Trinta cêntimos para 25 km ou lá o que é. Gosto. Pouco depois estamos a rolar. Chegando à cidade o condutor vai deixando as pessoas e quando resto eu pergunta-me par aonde vou… aeroporto… então apanhas um táxi não é, pergunta ele em uzbeque. E eu, sim, isso, sabes quanto custa? Ele não sabe. Mas noto que me vai levar lá. Jóia, não? Transporte privado até à porta do terminal. Em vez de 3.000 SOM dou-lhe 10.000 SOM. Um Euro. Ficou satisfeito e eu mais ainda.

E pronto, tenho agora umas seis horas para gastar no aeroporto. Leio, vejo as operações. Há voos, vão cheios de japoneses. Japoneses e mais japoneses. O café abre. Trabalha lá uma senhora que me faz lembrar a minha mãe há muitas décadas atrás. E o filho está com ela, têm uma relação harmoniosa, é enternecedor. São os dois muito simpáticos, de forma genuína, sente-se ali a energia positiva.

Faço o check-in, antes que os japoneses me mandem para um overbooking. E cá estou, a escrever estas linhas, prestes a fechar o computador e a acabar de ler o meu livro, uma obra interessante, uma autobiografia dos tempos passados em Khiva por um voluntário inglês que veio para um pequeno projecto e ficou anos, tendo-se tornado parte da comunidade até se ter tornado persona non grata pelas autoridades.

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