A chegada não podia ter sido mais simples. O revisor ganancioso anunciou-me com pompa e circunstância aos taxistas que na plataforma esperavam quem pudesse necessitar dos seus serviços, o que não seria raro considerando que a estação de comboios de Sheki se encontra a uns 15 km da cidade.

Negociar foi rápido. De 10 Manats disse que lhe dava 5, o que provocou o seu humor, mas logo aceitou 6 Manat, o preço justo, que reforçou depois dando boleia a uma turista russa que também tinha vindo de comboio.

Um quarto com uma câmara privada, uma autêntica suite.

Foi então por cerca de 3 Euros que fui conduzido à homestay que tinha escolhido para passar a noite em Sheki, chegado bem vindo apesar de serem apenas oito horas da manhã. O anterior hóspede estava ainda por lá, a sair naquele momento e, imagine-se, era galego. O Bernardo, um tipo mais ou menos da minha idade, provavelmente mais do que menos. Conversámos bastante, dentro do que o tempo o permitiu, pois ele tinha um autocarro para apanhar. Tomámos juntos o pequeno-almoço, oferecido pela anfitriã, trocámos números de telefone e depois ele foi-se.

Quanto a mim, fui dormir. Como um anjo, durante duas horas. Ao acordar, pela uma da tarde, encontrei no quarto um mapa de Sheki, um achado precioso, provavelmente herdado do Bernardo. A anfitriã estava em casa, despedi-me dela e saí para explorar Sheki .

Ao princípio senti-me um bocado intimidado. Apesar de não parecer, sobressaio, sou notado, as pessoas olham, fitam, acompanham-me com o olhar, e isso é algo que sempre me incomoda bastante.

Fui subindo a rua principal, e senti-me de novo puxado para o passado soviético. Depois da minha viagem pela Geórgia e Arménia em 2010 estou de regresso à verdadeira Ladalândia, algo que não se aplica em Baku.

Fui andando, com uma ideia geral da direcção a tomar, colina acima, para o castelo, o núcleo histórico de Sheki. Um pouco mais longe do que imaginava, e ainda por cima era a subir e estava a aquecer. A marcha proporcionou-me algumas observações e descobertas.

A meio da subida encontrei o Caravansarai, hospedaria para viajantes, especialmente para os comerciante que se deslocavam em negócios, datado do século XVIII. Caiu em ruínas e foi recuperado recentemente sendo agora um hotel, podendo ser visitado livremente.

Depois, em vez de subir mais, atravessei a estrada principal e tomei um caminho para o outro lado. Sem razão aparente, fui apenas espreitar. E gostei. Um Azerbaijão urbano, porque afinal Sheki tem cerca de 100 mil habitantes,  mas com um claro perfume rural, de pessoas que se desvanecem naqueles caminhos que se vão internando nos campos.

Voltei para trás e cheguei lá acima. Para entrar no recinto muralhado não é preciso pagar nada, mas também não há muito para ver. Depois existem os museus. Um, de arte, no que me parece ser uma antiga igreja ortodoxa. Outro, de etnografia, num edifício desengraçado. E o palácio dos khan, relativamente pequeno, que visitei. O bilhete custa 2,5 Euro, o que é relativamente justo, tirando o facto de fotografia ser completamente interdita e de só se poder ver numa visita guiada que dura uns quinze minutos apenas.

O dia estava lindo, com muito sol. O espaço envolvente era muito verde, com prados de erva colorida. E foi naquele cenário que almocei, num restaurante vazio. A comida não era nada de especial, mas aqueles preços também não me podia queixar.

Vim depois por ali abaixo, pelo caminho que já tinha tomado para cima, decidido a encontrar os monumentos à Grande Guerra Patriótica, o nome que nos países da ex-URSS equivale a Segunda Guerra Mundial, e aos mortos do conflito contra a Arménia, que prossegue, em suspenso, com alguns mortos todos os anos em escaramuças de fronteira.

Tinha passado por um carro da polícia descaracterizado. E sei disso porque os agentes estavam fardados. E agora estavam ali, a mirar-me atentamente. Terão ido para aquele recanto para descansar às escondidas de Sheki ou para me vigiar, não estivesse o estranho estrangeiro a pensar desfigurar os seus monumentos?

Andei por ali um bocado, tirei umas fotos. O lugar não é tão fascinante assim. Mais engraçado, de certa forma, é uma trupe de amigos que brinca ao futebol no estádio, um pouco a seguir. Estão tão divertidos nas suas palhaçadas loucas que fico ali a ver, atrás da rede, e a rir-me sozinho, fazendo parte involuntária das brincadeiras.

De volta ao coração de Sheki paro num supermercado, agradável, e abasteço-me. Agora estou cansado. A tarde está a meio, mas estou cansado. Não dormi, tirando a soneca matinal, e já andei um pouco, com calor. E estou muito bem deitadinho na bela cama, a descontrair jogando xadrez, quando o meu hóspede do dia seguinte me manda uma mensagem a perguntar se nos podemos encontrar… como dizer que não… e além disso… quero dizer que não? Marco para daí a dez minutos, numa esplanada de chá que já conheço.

Ainda não cheguei ao pé dele e já me estão a chamar. “Ricardo!” São os amigos, que também vêm ao encontro. E num repente estamos todos os quatro a beber chá, numa daquelas esplanadas que nesta parte do mundo são do género “menina não entra”.

Ficámos por ali a conversar até à noite começar a cair. Um dos amigos, o Yusuf, teve que ir. Não percebi exactamente o que ele faz mas está relacionado com segurança de Estado, controla situações de potencial perigo no âmbito religioso, actividades radicais e coisas assim.

O Jalal e o outro convidaram-me a ir a um local de onde se têm grandes vistas de Sheki, passando pelos monumentos onde tinha estado. Foi excelente. Trepámos ao piso superior de uma espécie de castelo fantasiado que tinha sido construído para ser hotel, que entretanto nunca foi acabado. E ficámos a ver a cidade by night.

Pouco depois estávamos de volta ao centro e despedíamo-nos. Já era relativamente tarde. Recolhi aos aposentos e dormi extraordinariamente bem.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui