21 de Outubro

Finalmente fui apanhado pelo mau tempo. A meio da noite acordo sucessivas vezes com os estrondos ameaçadoras da trovoda, que fazem estremecer o chão da casa. Quando chega a manhã a chuva cai sem parar e o céu não é tranquilizador. Receio que vá apanhar uma grande molha ao caminhar mais tarde para o autocarro. Resta-me a esperança de uma reviravolta metereológica. Não peço muito. Apenas que pare de chover torrencialmente e se passe para um regime de aguaceiros moderados. E o milagre sucedeu: à saída, abertas no céu, nada de chuva… almoçei com a Klair, e depois, apanhar o mini-bus para Mostar. Desta vez não vai vazio, bem pelo contrário. Reparo que é exactamente o mesmo que me trouxe no dia anterior de Dubrovnik para Trebinje, mas com outro condutor.

A paisagem é cativante, com uma atmosfera realçada pela luz que resulta da passagem dos raios solares através daquele emaranhado louco de nuvens. Místico. Os passageiros que entraram em Trebinje vão para aldeias nas redondezas. Depois entram outros, que saem mais à frente. No Kosovo tinha visto à beira da estrada uma ou outra casa em ruínas, vítimas da guerra entre sérvios e kosovars, mas agora os vestígios de destruição são quase constantes. Ora casas isoladas ora sectores inteiros de aldeias foram devastados. A pobreza é evidente por estas paragens. Estou a atravessar terras onde o ultra-nacionalismo sérvio domina. Aqui, as pessoas consideram Belgrado a sua capital. Mladic é considerado um herói épico, e numa destas aldeias existe um painel de proporções gigantes comemorando o criminoso de guerra. Durante os julgamentos da Haia, transmitidos pela TV local, as pessoas acorreram aos cafés, seguindo a evolução das audiências como se de um jogo de futebol se tratasse, aplaudindo os bons golpes da defesa, apupando as intervenções da acusação.

Entre Trebinje e Mostar vão 80 km. Vá, 100 km por estrada. Mas a viagem dura para sempre, No total serão três horas. Chegados a Capljina, toda a gente abandona o furgão. Olho interrogativamente para o condutor, que diz qualquer coisa que inclui a palavra “auto”. Está um carro parado ali ao lado. Parece que é hora de transbordo. Entretanto, chega o meu velho amigo, o tipo que na véspera me conduziu, quase que em exclusivo, até Trebinje. Reconhece-me, grande festa e sorrisos. Passa uma nota de 20 marcos ao motorista. É para a gasolina que o VW Golf tem o depósito seco. E lá vamos nós… eu, uma moça, e o condutor, de carro, para Mostar. Surreal. Ela sai antes, e os últimos 10 km ou coisa que o valha são feitos em regime de táxi privado. Não sei como é que a Bogdan – nome da empresa de transportes – pode ser viável assim. À entrada de Mostar um engarrafamento, daqueles que não se mexe nem para trás nem para a frente. Entretanto tinha começado a chover. Ao fim de uns vinte minutos, toda a gente para trás de nós tinha feito inversão de marcha, e há espaço para que possamos seguir o exemplo… entramos no centro por outra ponte, e como vejo no GPS que estamos apenas a 150 metros do hostel, peço para parar. E está feita a viagem, a mais bizarra destas férias.

Com o meu característico controle dos elementos metereológicos, ando até ao hostel sem chuva. E desta vez calhou-me a fava. O local de hostel não tem nada. É uma casa privada, decorada à antiga, de forma pirosa, e o quarto está atafulhado com dois beliches e dois sofás transformados em cama. A Internet não funciona, a não ser, quando calha, em casa do dono. Os sapatos ficam à porta. A lâmpada emite uma luz para mortos, e partilho o espaço com uma jovem japonesa. Entro em parafuso, saio para a rua decidido a encontrar uma alternativa para pelo menos as duas noites seguintes, e talvez mesmo já esta. Encontro o hostel que estava em segundo lugar na minha lista mas parece que fechou. E o terceiro é longe. Acabo por me conformar. Não é a pior coisa que pode suceder a um viajante, que se lixe. Faço uma visita ao pequeno supermercado de bairro e saio abastecido por 6 Eur, o que me levanta um pouco o moral.

Depois de confortar o estômago com umas bolachas barradas com compota e leite, saio para uma primeira exploração de Mostar. Chegar à famosa ponte velha é simples: sair do hostel, andar 50 m até à rua principal, virar à esquerda, e depois é sempre em frente, uns 800 metros. Apesar de não serem ainda 19 h as pessoas esvaiem-se das ruas. Muitas lojas e cafés estão já fechadas, e há alguma fauna estranha a cirandar. Está frio, muito frio para o que me habituei nos últimos 5 ou 6 meses. Mostar promete. Passo por duas mesquitas, iluminadas de forma agradável, e antevejo o seu potencial fotográfico. Depois, sem o esperar, chego à ponte, também ela iluminada de forma muito interessante, assim como o complexo de edíficios que lhe estão anexos. Quase ninguém anda por ali. Apenas uns quantos locais em trânsito e um pequeno grupo de turistas asiáticos. Estou cansado e com frio, e regresso a “casa”.

Sento-me a olhar para a parede e a ver a vida a andar para trás. Como é que vou passar os momentos de repouso nos próximos dois dias? Começo a ver um filme, que me entedia. Leio um pouco. Petisco qualquer coisa. O dono do hostel chega por fim. Portanto, Internet pode ser, mas em casa dele, até às 22 h. Bem, por esta altura esse cenário pouco agradável já sabe que nem ginjas. Lá vou eu, computador debaixo do braço, saindo para a rua, andando duas dezenas de metros e entrando noutro páteo. Sinto-me bem ao contactar com o mundo exterior, mesmo em condições assim, precárias. Faço o que tenho a fazer, chegam as dez horas e recebo ordem de despejo. Já estou emocionalmente mais equilibrado, depois do chofre que foi chegar aquele “hostel”. Preparo uma caminha quentinha, que estou farto de passar frio e hoje a temperatura desceu imenso. Coloco três cobertores na cama, e aconchego-me a ler, até que chega o sono.

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