1 de Novembro

A cena repete-se. Do dia cheio de sol prometido pela metereologia vejo apenas aquele cinzento omnipresente, que esmaga, oprime, entranha-se nos ossos. Já estou seriamente saturado daquele cenário, e não tenho nada para fazer em Banja Luka. Os meus amigos tinham-me sugerido um passeio até Krupa na Vrbasu. O que, traduzindo à letra significa algo como “onde o rio Krupa encontra o rio Vrbas”. Disseram-me que o local é de uma beleza singular, com um complexo sistema de pequenas quedas de água que proporcionam força motriz a uma série de moinhos. E eu, cá para os meus botões, disse que ia sim senhor, mas só se o sol me acompanhasse. Ora ao acordar não havia vestígios de tal parceiro.

Deixei-me estar na cama. Li, vi um episódio de Lie to Me, processei fotografias. E lá fora o tempo mantinha-se. Depois de duas horas desta ronha acabei por me aborrecer e sai sem destino. Passei por um pequeno mercado de rua, olhei para o telemóvel e vi que estava rodeado de redes wi-fi abertas. Entrei num café, instalei-me, e passei mais um par de horas entretido. Com isto eram umas duas. E lá fora, para grande surpresa, senti que o sol despontava, rompia aquele manto de nuvens baixas que há tantos dias não me davam tréguas.

Comecei a caminhar em direcção à paragem de atocarro que o Ilija me tinha indicado e de repente vejo aquela cara conhecida: a Alex! Depois de Dubrovnik e de Sarajevo tornamo-nos a encontrar casualmente. Pensando no assunto, só me espanta que não tivéssemos esbarrado em Jajce, onde ela acabou por chegar um dia depois de eu partir. Bem, se estava ainda com agumas dúvidas sobre Krupa na Vrbasu, com dupla companhia (a Alex e o sol) a coisa ficou decidida. Parámos no posto de informação turística que eu, já um veterano de Banja Luka, bem sabia onde ficava. E chegámos à paragem, onde confirmei com os locais que era a certa. O autocarro nº12 acabou por passar e fomos a caminho.

Agora, isto é importante: se um dia o leitor passar por Banja Luka, esqueça a cidade. A cidade não é nada, comparada com a beleza que se estende na estrada que conduz a Krupa na Vrbas. E de tais dimensões que não encontro palavras que sirvam a esta descrição. Nesta altura do ano, com o sol a penetrar naquele vale de declives altos e abruptos, criando espectros de luz fabulosos, que, incidindo sobre as árvores ainda agasalhadas com as folhas que em breve perderão, a beleza chega aos píncaros. Pensei duas vezes antes de escrever o que segue, temente que esteja a cair num exagero movido pela experiência a quente, mas não, é mesmo verdade: aquele troço é dos locais mais formosos que já vi… em toda a vida, em todo o mundo. Mesmo junto à estrada, o Vrbas corre, perdendo a natureza pachorrenta que revela no interior da cidade, ganhando nova alma, rebelde, alterosa, com as águas a apressarem-se criando cristas de espuma, à medida que se transfigura numa série de rápidos. Ali existem percursos de “rafting” de carácter mítico. De repente dou por mim a lamentar não ter mais um dia por aquelas paragens para fazer pelo menos parte deste trajecto a pé. Uma das frustrações que ficará inscrita nos anais desta viagem.


Chegamos à aldeia, de onde provém a parte materna da família do Ilija. A primeira impressão é de decepção. Depois de um banho de beleza pura é natural. Olhamos em redor. O rio sente-se mas não se vê dali. Estamos no coração da localidade, que daquela perspectiva não tem nada de especial. Depois vimos uma indicação para as cascatas e seguimos nesse direcção.

O local é lindo, mas de novo torna-se vítima do que fui vendo de dentro do autocarro. Agrada mas não impressiona. As cascatas são na realidade insignificantes, ganhando na multiplicidade aquilo que não têm em dimensões. Por ali acima existem pequenas cabanas que são afinal moinhos de água, movidos pelo caudal da água, que é canalizada para o seu engenho, que move com velocidade acrescida. Entramos por um trilho de “hiking” que acompanha o rio. Andamos um pouco por ali, atravessamos uma pequena ponte, mas começa a por-se escuro e decidimos voltar para trás. Contudo há ainda um caminho que sobe, monte acima, e não conseguimos resistir-lhe. Pouco depois chegamos a um mosteiro sobre o qual tinha lido algumas linhas; parece que foi arrasado durante a guerra e reconstruido. Cheira de facto a novo.

O autocarro de volta a Banja Luka fez-se rogado. Com a noite a cair e o frio a apertar tornou-se uma espera algo desagradável. Cinco da tarde e escuro como breu. Decididamente a adaptação à hora de Inverno custa sempre um pouco. Paramos para comer qualquer coisa e para que eu dê à Alex alguns detalhes sobre Kotor e sobre a Albânia, onde eu já estive e para onde ela se dirige. Depois, supermercado. Hoje vou cozinhar um caril.

Despedimo-nos. Vou para casa, relaxo um pouco e subo para tratar do jantar, que, tal como na véspera, nos proporciona momentos de agradável convívio. O meu último dia em Banja Luka. Passou num instante, mas a cidade foi decepcionante. Não há nada que atraia o visitante. A experiência tornou-se positiva pelos amigos que ali fiz, mas isso é algo que não é possivel para o comum dos viajantes.


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