Ontem, com a boa ajuda de incontáveis copos de cerveja, adormeci como um anjo. Mas dá-me a ideia que a noite não foi assim tão boa… acho que tive frio, e o colchão de ar também não ajudou. Mas nada bateu o violento acordar. De repente, parecia que tinha a música do inferno dentro da minha cabeça. E depois, abri os olhos e percebo que não tinha morrido e não estava a dar entrada na recepção do Purgatório. Era um casamento! Às 9 da manhã, no prédio da frente. Três sujeitos tocam os seus instrumentos musicais como se não houvesse amanhã e vão escada acima. Pouco depois, silêncio. Uma meia-hora mais tarde, já com toda a guarnição da nossa casa acordada, recomeça o chinfrim. Não sei como de um apartamento sairam umas 40 pessoas. E ai foi o climax, quando o noivo iniciou um passinho de dança, seguido por boa parte da comitiva. Tudo documentado aqui por este que vos escreve, não só em fotografia mas também em video.

O pessoal aqui da casa levantou-se com a inércia que se segue a uma noite bem bebida. Mas eu não tenho esse sindroma. E comecei a ganhar nervoso miudinho, até porque no céu o sol brilhava, um bem que se tornou raro na última semana, e queria aproveitar cada minuto. Mas lá me aguentei para o pequeno-almoço, preparado pelos búlgaros do grupo: de novo aquela espécie de fatias douradas não doces, mas que se o tornam depois de barradas com os extras. E desta vez uma novidade: doce de rosa. Sim senhora! Doce de rosa. Não fosse a vizinha zona de Kazanlak a fornecedora de produtos derivados de rosa para meio mundo. E que coisa deliciosa. Mas tive que experimentar as outras compotas em cima da mesa, todas divinais, incluindo um mel de… pinheiro!

Como a coisa ainda estava para durar e, por outro lado, estava doidinho por ter um bocadinho comigo próprio, tomei um duche e fui até lá abaixo ao centro. Veliko Turnovo é uma cidade toda ela construida em socalcos nos montes envolventes do estreito vale do estreito rio que aqui passa. E o Hristo vive num bom apartamento, num bloco novo, bem no topo. Resultado: cada saida e retorno a casa implica lidar com umas centenas valentes de degraus,  interrompidos apenas onde pássa uma das ruas que trepam a colina em zig-zag.

Até então tinha visto apenas uma face de Veliko Turnovo, e a impressão adquirida era a de uma pequena cidade comum. Mas andando pelo centro, dobro uma esquina e vejo a sua outra face: a da cidade antiga (na realidade, foi a capital da segunda nação búlgara, conquistada pelos turcos) construida montanha acima, pictoresca, romântica. Foi um momento de fascínio. Entretanto, estava empenhado no circuito de uma multi-cache, que me levou de seguida a um monumento majestoso, erigido num cotovelo do rio, junto a um parque e ao centro de cultura. Trata-se de uma homenagem à dinastia Asen, que dominou a cena política búlgara nesse segundo império.
Uns momentos antes, ao atravessar a ponte que leva a este cantinho, uma senhora que caminhava em sentido oposto dirigiu-se-me: “Where are you from?”. E quando alguém nos fala assim num local estranho para nós, a primeira coisa que fazemos é equacionar o que se passa. O que quer de nós? Será meio-louca? Pedinte? Qual é o esquema? Bem, pedinte não parecia, e quanto à loucura tentei apalpar terreno, respondendo-lhe e ficando expectante. E afinal, era apenas uma senhora simpática. Bizarra sem dúvida, mas sem mais do que amabilidade. Tudo o que queria era dizer-me que eu era bem vindo e explicar-me algumas coisas, dizer-me de onde se tinha as melhores perspectivas da cidade, chamar-me a atenção para a boa fotografia que se obtinha dos reflexos da cidade velha nas águas do rio. Agradeci, depois desta breve conversa, e segui caminho.

Sentei-me um pouco a ler junto ao monumento, até que recebi o toque no telemóvel que significava que os meus parceiros estavam despachados e nos iriamos encontrar no café determinado. Cheguei mais cedo, entrei, pedi uma cerveja a uma jovem empregada bonita de morrer e com uma simpatia impecável. Tive que acabar a minha bebida à pressa porque entretanto topei a trupe à minha espera, todos encostadinhos a um muro lá fora.

Fomos almoçar. O que não me pareceu uma boa ideia, porque queria aproveitar mais do dia. Mas foi bom. A rapaziada conhece uma tasca, que estava totalmente vazia, excepção feita para a dona do estabelecimento, uma autêntica simpatia. Comeu-se mais comida da boa cozinha búlgara. Esperámos uma eternidade, o que me agrada, por estranho que pareça: é sinal que a comidinha está a ser feita no momento, e nós bem ouviamos a senhora a atarefar-se e a pedir desculpa e a explicar o que eu já tinha compreendido de cada vez que trazia alguma coisa à mesa. Comi uma “gôndola”, que aliás é o meu prato favorito no restaurante “Sofia” em Praga (uma mistura de legumes e pedaços de carne cozinhados no forno) e bebi o “sumo” de yogurte, desta vez sem sal. Na janela apareceu um gatinho, mas do lado de fora, o que deixou toda a gente espantada. A conversa corria boa, com a companhia agradável do Joe e da menina japonesa, do Hristo, do Ivan e do Nikolaj. O Ivan tem os pais a viver em Portugal e costuma passar lá o Verão. Gente boa, com ideias interessantes e a vida para viver.

Depois do almoço, os amigos búlgaros foram à sua vida e eu fui com os outros dois couchsurfers visitar a famosa fortaleza, imponente, lá no seu alto. É uma área considerável, que foi arrasada pelos turcos, mantendo mesmo assim a muralha e algumas paredes interiores, com a igreja no topo. Se estivesse sozinho talvez não tivesse pago os 3 Eur de bilhete, mas também não me fez grandes comichões. Introduzi o bichinho do Geocaching na menina japonesa, que vibrou sem parar com o jogo. Só dizia que queria comprar já um GPS para se divertir a encontrar caches no resto da viagem. No caminho para a fortaleza, e depois, para cá, explorámos os cantos à cidade antiga. Descobrimos parapeitos com vistas maravilhosas, misteriosas casas de aspecto abandonado, oficinas de artesões, agradáveis cafés. E entretanto fazia-se horas de regressar, até porque tinha prometido cozinhar uma feijoada para aquela gente.

Vencidos os milhentos degraus, chegámos a casa, onde fomos encontrar um Hristo com ar ensonado e preguiçoso. Custou-me fazê-lo levantar para irmos ao supermercado comprar o que era necessário para o cozinhado, mas quando os dois amigos telefonaram a dizer que já lá estavam à espera, não teve hiopótese. Eu já tinha marcado o supermercado, quando o Atanas me trouxe de carro cá acima. Mas desta vez entrei. E gostei. Que belo supermercado. Tudo limpo, bem arrumadinho com um toque de modernidade mas sem deixar de ser agradável. Os preços das coisas na Bulgária são de arrasar. Na maioria dos produtos os valores são sensivelmente pela metade a que estou habituado. Mas, por supremo azar, não é o caso do feijão encarnado, vendido a um preço escandaloso (por ser importado, e da Bonduelle): ora seis pessoas a comer feijão, quatro latas… a 2 Eur por lata. E o Ricardinho a pagar, o que não me estava no programa. Ei! Eu disse que cozinhava, não que pagava. Mas pronto… com 17 Eur alimentei toda a gente e ainda a mim próprio no dia seguinte. E a verdade é que a rapaziada não me tem deixado faltar nada. Depressa o rombo da conta no meu orçamento ficou esquecida. Em casa, chegou mais gente. Mais dois amigos. E havia um companheiro de apartamento do Hristo, belga, também ele Couchsurfer (o engraçado é que já o era antes do Hristo e nem um nem outro sabiam da façeta do amigo). E de repente, das seis pessoas para jantar fizeram-se nove. Mas pronto. A coisa fez-se, foi um sucesso. Comida muito apreciada e gabada. Como era Domingo, ainda se esteve ao serão mas a noitada acabou relativamente cedo.

Tabela de Despesas

01,00 Eur Cerveja
07,50 Eur Almoço
03,00 Eur Bilhete Fortaleza
17,50 Eur Supermercado

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