Terceiro e último dia em Brasov. A metereologia não estava optimista, mas por esta altura já deu para entender que, ao contrário do que sucedeu na primeira parte da viagem por terras búlgaras, as previsões para a Roménia não são de fiar. Até então tinha sido pela positiva, com aguaceiros quando se falava em chuva, com céu parcialmente quando se dizia virem a cair aguaceiros (no dia seguinte, adianto desde já, a situação inverteu-se, e do prometido céu pouco nebulado vi apenas um tecto cinzentão que despejou aguaceiros). Portanto, dizia eu, ao contrário do dia desagradável anunciado, fui brindado com condições ideais para viajar, com uma temperatura amena e céu basicamente pouco nebulado.

 

 

Foi com este cenário que me dirigi ao primeiro ponto do percurso, onde deveria encontrar duas caches. Desci um pouco em direcção à cidade antiga, mas contornei o monte que separa o bairro do Mihail do grupo de casas seguintes. Iniciei a exploração de um bonito trilho, atravessei o riacho que corria paralelo por duas vezes, e acabei por chegar ao objectivo. Uma das caches não foi encontrada, depois de demasiado tempo a resvalar em terreno lamacento que deixou marcas nas botas e nas calças. A outra sim, encontrada com sucesso, aligeirando o amargo de boca que ficou do banho castanho, oferecendo-me um ambiente fantástico de natureza.

Depois, segui para a cidade antiga, onde fotografei alguns pontos que me tinham ficado debaixo de olho durante as andanças nocturnas. A porta Schei foi um deles. Por aqui passavam e pagavam a respectiva portagem os romenos que, sob o jugo saxónico, queriam entrar na citadela, na maioria das vezes para vender os seus produtos. Antes disso, usei algum tempo para visitar demoradamente o complexo da igreja que se ergue ali por perto, assim como o interessante cemitério adjacente. Estava eu a fotografar o arco de entrada do recinto, quando um homem vestido com o característico fato macaco azul escuro de quem trabalha nas obras, me diz, meio pergunta meio afirmação: “Arkitectura”. E eu, que sim, que era muito bonita, ilustrando com gesto quase universal de unir o polegar com o indicador num círculo. E ele não desarma, começa a explicar o que eu estava a ver… primeiro em romeno, depois, percebendo que eu era estrangeiro num rudimentar inglês: “Church…” e depois aponta para o palácio do lado, e eu compreendo e ajudo: “ah… persona from the church, there?”. Acena que sim, entusiasmado com o sucesso comunicacional. E é assim, que nas ruas de Brasov um trabalhador das obras ensina a um turista que aquela casa linda era a sede do patriarcado.

 

 

Explorei as ruas de Brasov antiga, procurando novas perspectivas e novos trajectos, tendo em mente que ali todos os edíficios merecem uma observação. Tinha até marcado no GPS alguns pontos onde queria regressar para fotografar, e todos foram alcançados nesta peregrinação matutina.

No sopé do monte caminho por um caminho coberto de folhas caidas, num universo todo ele castanho alaranjado. Até os bancos de jardim ali são pintados nessas cores. Ali mesmo, há dois anos, um homem foi morto por um urso. Foi a gota de água que concluiu uma série de incidentes entre estes poderosos mamíferos e os humanos de Brasov. A cidade reuniu os meios necessários para mover para outras paragens todos os ursos que até então habitavam no monte de Tampa.

Enquanto andava, uma dúvida, que já vinha de véspera, bailava na minha mente: ir a Sinaia ou não, eis a questão. Por um lado, nenhum dos três locais dos arredores de Brasov que tinha agendado tinham ainda sido visitados, e Sinaia podia ainda vir a concretizar-se; por outro lado, seria dinheiro gasto (8 Eur) e estava-me a sentir bem em Brasov, tendo em mente a possibilidade de subir ao topo do monte Tempa, a 950 m de altitude, ali mesmo ao lado. O acaso acabou por tomar conta da decisão: ao procurar uma cache que por coincidência se achava no trilho que desde a cidade iniciava a ascensão, demorei muito mais tempo que o normal, fez-se tarde. Entre a frustração de não ter encontrado a caixinha e a constatação do avançar do relógio, decidi tentar salvar o dia continuando a “trepar”. E em boa hora o fiz! A subida, com certo grau de dificuldade, é lindissima, e as vistas do topo são indescritiveis; é como se estivesse a sobrevoar Brasov de helicóptero. Para ajudar à melhoria da moral, o tempo abriu quase por completo, e dei por mim lá no alto, todo suado, a tirar (quase) todas as roupas e a apanhar banhos de sol.

Deixei-me por lá estar um bom bocado, a descansar os músculos enquanto mastigava uma das maçãs e observava os detalhes da vista. O céu azul, um bem tão raro nestes dias, deliciava-me, e os raios de sol quente que me permitiam estar em tronco nú, eram uma surpresa inesperada. Terminado o momento de relax, dei por ali umas voltas, encontrei uma cache nas imediações e espreitei as famosas letras da palavra B R A S O V que como em Hollywood vigiam a cidade lá do topo.

Para baixo usei outra alternativa, o que se revelou uma excelente opção. A paisagem envolvente diversificou-se, com alguns campos abertos; tratava-se do estradão para carros, apesar de ser díficil imaginar algo que não uma viatura TT fazer aquele percurso, e por isso a dificuldade da marcha aligeirou-se. Um pequeno desvio para beber água de uma bica que desviava um pouco do líquido de um pequeno ribeiro. Fresca, deliciosa. E, continuando a caminhar, dei comigo já em baixo, junto a três belos blocos de apartamentos, obviamente acabados de nascer tão perto daquele paraíso natural. Percebe-se que se tratam de prédios destinados a uma elite, adivinham-se caros, são belos, com uma vista esplêndida. Imagino por uns segundos os sonhos de vida dos jovens casais que começam a habitá-los, o entusiasmo de um começo de projecto à sua frente. Sorrio.

 

 

Ali perto, um parque de merendas estende-se de forma paralela a um tímido curso de água, num típico vale de montanha. Mesmo a um dia de semana, algumas pessoas usufruem do espaço. E, de certa forma, junto-me a elas, repousando mais um pouco e acabando com os abastecimentos que ainda restavam na mochila. É tempo de regressar à cidade. Exploro bairros marginais, vejo uma dimensão de Brasov que até então desconhecia: depois da cidade moderna, do vasto centro histórico, dos bairros periféricos de habitação térrea, vejo agora as zonas de influência comunista, os blocos cinzentos, mal acabados. Mesmo assim, comparando com zonas do seu género noutras cidades do Centro e Leste Europeu, apresentam padrões de qualidade melhorados.

 

 

O dia está a acabar, o sol vai baixo. É tempo de reencontrar o Mihail, não sem antes parar num Carrefour que surpreende pela positiva, no arranjo do espaço, na variedade de produtos, nas dimensões. Mesmo assim, notei claramente em Brasov a ausência de médio e grande comércio. Apesar de ter por esta altura já percorrido quase na totalidade a cidade, detectei a existência de um hipermercado de grandes dimensões, e agora, este, mais pequeno. Existem outros espaços temáticos, como uma loja Decathlon. Mas para a segunda cidade de um país de 40 milhões de habitantes é pouco, estranhamente pouco.

 

 

O meu amigo deixa-me à seca durante quase uma hora e o frio aperta. Quando finalmente aparece, vamos beber uma cerveja, e mais tarde juntam-se os amigos. O dia está quase a acabar. Todos parecem cansados. Sei que estiveram a pintar o salão de cabeleireiro da Vera. E assim, vamos para casa. Eles preparam o jantar, que não me agrada, e eu entretenho-me com umas fatias de pão e queijo. Mais tarde, aproveito para copiar uns materiais do computador do Mihail. E com isto, discretamente, são quase duas da manhã. E no dia seguinte terei que acordar pelas 7 horas para seguir para o meu próximo destino: Sighisoara.

 

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