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Arriscaria afirmar que hoje foi o dia mais preenchido desta estadia que já leva quase uma semana. E as operações nem se iniciaram muito cedo. Era dez da manhã e ainda me debatia com umas belas torradas com compota de morango, esparramado no sofá depois de mais uma noite mal dormida, naquela cama desagradável, com aquela almofada enorme e aquele “edredon” tão leve que acaba invariavelmente no chão. Depois, quando finalmente me apanhei na rua, foi daqui até ao topo da cidadela de um só fôlego. Aquilo parece perto, quando visto da varanda; dá a ideia que é só estender uma mão que agarramos toda a colina, num singelo movimento. Mas não. Que a coisa é a subir e a bom subir. Ao fim de seis dias de marchas forçadas a escalada ainda se torna mais penosa, mas seja como for, faz-se.

Tinhamos deixado a visita ao interior da cidadela para trás, porque já era tarde quando aqui passámos a primeira vez. Hoje, ainda oscilei. 1200 florins!? Eh lá! Está certo que o preço era o mesmo há seis dias atrás, mas agora que já tomei o pulso aos valores justos desta cidade, e que até já levo uma folha de despesas alongada, hesito. Mas pronto. Seja. Vamos lá ver o que está lá para dentro. Paga-se o bilhete, entra-se, dá-se a volta completa ao recinto  e sente-se o cheiro a banhada. Contudo, era um falso alarme. O melhor estava para vir. Quando se descem as escadas que se encontram por baixo da placa que anuncia o “bunker” a fé não é muita. Provavelmente uma salita com alguns detalhes carnavelescos, e pronto. Mas não! A coisa impressiona mesmo! Aquela claustrofobia que ataca as pessoas normais quando se encontram em espaços apertados debaixo do solo faz rolar as primeiras gotas de adrenalina. E depois, há o ambiente recriado. Cada sala, um tema. Até que para as últimas, esgotadas as ideias, já só se acumulam fotografias, mesmo assim de forte interesse. Uma visita em grande, a surpreender pela positiva. Ah! Já me esquecia: no hotel da Cidadela estava exposta uma colecção de fotografias subordinada ao tema “As Crianças e a Guerra”. Extensa, e de grande qualidade artística, mas o tema não me desperta o interessa, por isso não conclui o circuito. Uma coisa que chateia é a mania dos húngaros de levar os carros para os locais mais improváveis. Não é de hoje, mas mais uma vez fui encontrar o coração da cidadela ocupada por umas quantas viaturas. É muito desagradável e creio que é algo que não se veria noutros países. Parece ser uma particularidade nacional.

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Terminada a visita, descemos por Taban, um bairro que se estende a norte de Géllert, e que encerra um esplêndido parque. Ali, somos surpreendidos com uma vista da cidade não tão ampla como a que usufruimos lá no alto, mas com um perspectiva que compensa a perda em altitude. Parece ser o melhor local para apreciar o complexo do Castelo, e há um brinde extra. O arranjo escultural que representa a união entre Buda e Peste é algo a não perder, como se pode ver pela imagem recolhida.

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O dia 1 de Maio, dia do Trabalhador, é um dos feriados com maior impacto na Hungria. Um pouco por todo o lado as pessoas saem à rua e disfrutam do dia em animados festejos; há palcos onde a música ao vivo anima os convivas, barraquinhas de comes e bebes, actividades desportivas. Assistimos a um sem número destas situações durante o dia de hoje, talvez porque tenhamos percorrido uma quantidade apreciável de quilómetros. Simplesmente andámos pela cidade, sem um destino lógico. Descobrimos os encantos de uma das grandes estações ferroviárias de Budapeste; atravessámos o complexo sistema de linhas através de um longo túnel, e, um bom bocado mais à frente, voltámos a atravessar o caminho-de-ferro, desta feita através de uma peculiar sucessão de passagens de nível. Pelo caminho ficámos impressionado com o estado de abandono em que se encontram muitos dos belos edíficios que observámos; alguns, apresentam ainda os vestígios de combates passados, provavelmente em 1956, com as marcas dos projécteis a não deixarem dúvida sobre a natureza dos estragos nas fachadas. Por outro lado, entrámos na mais bela loja da cadeia McDonalds que conhecemos até hoje.  Passámos perto de um velho complexo militar, cujo auge terá pertencido a outros tempos, mas que serve ainda para abrigar viaturas utilizadas nas missões da Hungria no campo da manutenção de paz da ONU.

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Por esta altura do dia, depois de seguirmos por caminhos desconhecidos e perdermos, de alguma forma, a noção do espaço, procurávamos chegar até ao Parque da Cidade. Após consulta aos meios auxiliares de navegação, chegou a informação que estariamos a cerca de dois quilómetros do ponto desejado. Ora a fadiga apossava-se de nós, e a perspectiva desse esforço adicional era verdadeiramente dolorosa. Então, em 5 minutos, tudo mudou. Um “trolley” passou por nós, e deteve-se numa paragem próxima; quase sem pensar corremos para ele, desconhecendo por completo rota e destino. Mas queriamos experimentar a sensação de viajar num destes estranhos autocarros, presos para sempre numa rede energética, tal eléctricos calçados de borracha, e emancipados dos carris. Apostámos e ganhámos. Logo estávamos a descer em frente a uma estação de metro e passados mais alguns minutos saiamos justamente no interior do parque. Ali, as comemorações do 1º de Maio estavam no seu expoente máximo. Uma enorme feira estendia-se pelos caminhos de terra batida, até perder de vista, repleta de pessoas que formigavam por entre as barraquinhas, numa marcha lenta que procurámos evitar. Múltiplos palcos encontravam-se montados, e os espaços relvados eram preenchidos por famílias e pares de namorados que procuravam a melhor posição para usufruir dos espectáculos. Gentes de todo o tipo misturavam-se naquela incrível amálgama que bem poderia servir de tubo de ensaio para o estudo do povo húngaro. E assim fomos andando, observando, sentido o pulsar daquelas gentes, tentando chegar a um veredicto final entre as vantagens e desvantagens de visitarmos aquela importante área da cidade num dia tão especial. Por fim, ultrapassado o coração da festividades, a multidão foi-se diluindo, Quando saímos do espaço ocupado pelo parque, no lado oposto, já éramos acompanhados apenas por uma ou outra pessoa.

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Todo aquele calor humano renovou-nos as forças; ainda há pouco pensávamos que seria impossível dar mais um passo, mas depois de passarmos pela vida intensa que fervilhava naquele parque, como que nos revigorámos, e, ao invés de simplesmente apanharmos o metro de regresso a casa, continuámos a andar, com os olhos postos no último destino do dia: o cemitério  do 8º Distrito . Foi uma marcha tramada, com um caminho mais longo do que parecia no mapa, e uma série de contrariedades, na forma de estradas bloqueadas, obras que nos dificultavam o avanço e um par de pequenos enganos na navegação. Mas chegámos. Havia ainda o receio de que todo aquele esforço poderia ser em vão, uma vez que já passava das seis da tarde, e o cemitério podia até já estar encerrado aos vivos. Mas não. Mesmo ontem, poderiamos ter ficado durante cerca de uma hora. Mas a partir de Maio o fecho seria às 20:00. E hoje era dia 1. E que bom foi. Aquela hora, a luz adquire uma magia única, torna-se alaranjada, dourada. Um elemento perfeito para embelezar os magníficos túmulos que visitámos. Alguns, são verdadeiros monumentos históricos. Outros, emocionam pela sua simplicidade, como foi o caso da cruz de madeira que encontrámos isolada num vasto campo de erva baixa. Visitámos uma zona dedicada aos que tombaram em vã defesa da liberdade, no ano negro de 1956; depois, encontrámos um espaço que pelo seu envolvimento e estilo decorativo parece ter sido preparado pelo regime comunista, talvez para os seus heróis. Mas, tratando-se apenas de uma suposição, ficámos apenas com uma certeza: um dia inteiro não seria suficiente para disfrutar da calmaria que emana deste espaço, para visitar todos os recantos e observar com a atenção merecida os mausoléus que se escondem atrás das árvores. Sem dúvida um momento alto desta estadia em Budapeste, que seria enriquecido com um guia conhecedor da História e gentes locais.

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Quando passámos o portão do cemitério, exaustos, famintos e já com algum frio, passa o eléctrico defronte de nós, e detém-se angelicamente na paragem, precisamente do lado oposto de uma estrada repleta de carros que passam sem interrupção. Frustração. Dez minutos de espera. Depois de uma curta viagem pelos carris de superfície, é a vez de descermos às profundezas, para finalmente atingirmos o nosso destino: a Déak ter, onde as três linhas de metro se cruzam e onde tinhamos deixado um restaurante Pizza Hut de bom aspecto e preços agradáveis debaixo de olho. Lá estava ele. Fomos bem recebidos, por pessoal simpático e de comunicação fácil. Foi um jantar memorável, com aquela salada fresca e a pizza “Pepperoni Lovers” para duas pessoas. Ali sentado consegui ligar o meu PDA à Internet, vez os eMails e ainda alguns websites. Milagres da tecnologia.

Já de regresso a casa, pensando que o dia estava acabado, com uma reconfortante sensação de tempo bem passado, fomos ainda brindados com algumas notas de jazz à saida da estação do metropolitano. Caminhando em direcção à origem do som, descobrimos um palco montado naquilo que ainda ontem era uma agitada avenida, mas que hoje, dia 1 de Maio, se encontrava interrompida para as festas; longos bancos proporcionavam aos transeuntes meios de descanso, enquanto uma pequena multidão se acumulava mais perto do espectáculo. Não fosse o jazz um prazer que associo a meios mais intimistas, teria ficado ali pela noite dentro, escutando aquelas variações na companhia do Danúbio que corria, não certamente azul, mas mesmo assim muito simpático, sob o olhar atento de um Castelo ricamente iluminado. Ainda se ensaiaram pequenos fogos-de-artíficio, mas eram tímidos, e passado um pouco o chamamento doméstico fez-se sentir com mais intensidade. Era o fim de um dia aproveitado até à última gota.

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