Com um barco para apanhar para Santo Antão a meio da tarde a ideia era acordar muito cedo para usufruir ao máximo do dia e foi isso que aconteceu. À hora do nascer do sol, fora da cama. As ruas estavam calmas, quase desertas. Apenas os mais madrugadores caminhavam naquele passo que é adoptado em todo o lado do mundo quando se vai para o trabalho ou para as aulas. Foi uma excelente ideia, esta de sair tão cedo. A luz está boa, difusa, e o céu prenuncia um belo dia de sol.

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Descobrimos o antigo palácio do governador, uma casa cheia de charme, pintada no seu rosa muito pálido, que nos deixa a imaginar as festas que ali se terão dado, as pessoas que terão transposto estes portões, com a cabeça ocupada com problemas de outras eras, expectativas, fúrias, preocupações.

Passamos junto à universidade, onde vão chegando os primeiros alunos da manhã. E vejo uma Casa do Benfica. Uma estátua bonita, em bronze, rodeada de flores, representando uma mulher retirando água de um poço. Cheiro, antes de ver, uma padaria.

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Desembocámos na praça Estrela, onde se faz o mercado. É uma praça ampla, de onde partem os alugueres para quase todo o lado. O mercado é algo de espontâneo, as vendedeiras vão colocando os seus produtos onde podem. No centro da praça existem bancas, mas parecem ser reservadas a produtos de artesanato, uma tentativa de ganhar animação turística que parece não ter pegado.

O mercado do peixe é ali ao lado, junto ao mar. Parece mortiço, quase vazio. Mas no pontão ali perto há agitação. São barcos que chegam e uma legião de homens com baldes de plástico acorrem. É uma espécie de lota, todos procuram obter um pouco de pescado, imagino que para revenderem às peixeiras ou para eles próprios o negociarem com os clientes finais.

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Seguimos depois pela pequena praia de pescadores que ali há, muito suja, claro, com restos do ofício, cães que dormem na areia, detritos trazidos pela maré. Ali no meio, testemunhando o correr dos tempos, a estátua de um navegador português, que parece saído da réplica liberal da Torre de Belém que ali está, antiga capitania, hoje um pequeno museu marítimo.

Já foi uma bela volta e o dia ainda mal começou. É tempo de regressar ao hotel para usufruir do pequeno-almoço. E que bem soube! Uma sala agradável onde apenas um hóspede se encontrava, uma refeição variada tomada calmamente, apreciada com todo o vagar.

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E agora, para o outro lado da cidade, com o objectivo vago de atingir as fortificações que identifiquei no Google Earth, bem lá na ponta, a cerca de 3 km em linha recta. Nunca aconteceu. Aquilo para lá se chegar era só voltas e ia levar o resto do dia ou mais.

Sem problemas. Primeiro comprámos o bilhete para o ferry. 800 Escudos. Trata-se disso no terminal. Depois, fomos até à praia do Mindelo, onde a água fica de um azul maravilhoso sobre a areia branca que me parece artificial. Algumas pessoas estão no areal, outras banham-se. Estrangeiros e locais. Um senhor faz fisioterapia, ao ar livre, com um técnico dedicado.

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Não vale a pena prosseguir o passeio mais para a frente. Vamos ver o forte do Mindelo, altaneiro, com vista para o porto e para a cidade. Chegando lá, está encerrado. Aliás, todos os terrenos envolventes estão vedados, mas há bons buracos na rede. Lá em cima, junto às ruínas, vejo um homem, guarda da obra que há-de começar. Há grandes projectos para o local, um casino, um hotel… talvez avancem, talvez não. Atrevo-me a entrar por uma aberta na vedação, quero ver melhor. A vista é fabulosa, todos aqueles veleiros ancorados, a baía, o centro histórico da cidade, e para o outro lado, apesar de meio encoberta por alguns prédios recentes, a bonita praia onde ainda há pouco tinha estado.

Vamos agora por outras ruas, mais modernas, por detrás da zona antiga. Vamos ao hotel receber boas notícias: podemos manter o quarto até mais tarde, e assim sair directo para o ferry com as mochilas. Mas para já temos mais um pouco para cirandar. Olha, vamos ver o museu marítimo, porque não…. é apenas 1 Eur, nem tanto, e quanto mais não seja podemos subir à torre, ver aquilo por dentro.

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A colecção é limitada, mas está exposta de forma agradável, vê-se que foi tudo montado há pouco tempo. O melhor é mesmo subir ao último andar e ter uma perspectiva diferente das imediações. E é bom para fotografar gente de forma discreta, ninguém olha para cima.

De dia o Mindelo é menos ameaçador, mas mesmo assim há demasiada gente estranha para meu conforto. Impressão minha? Até uma senhora de lá, emigrada em Portugal, me diz que ela própria sente o mesmo.

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Agora já não há assim tantos objectivos, é só passear um pouco. Talvez dê para encontrar algo de interessante, de surpresa. Tentámos ir ao quiosque onde na véspera o ponche de côco soube tão bem mas estava fechado. Descobrimos o mercado municipal, que antes estava encerrado. Estava um pouco morto, aliás, em todo o lado em Cabo Verde senti isso, talvez tenha a ver com taxas que afastam os vendedores.

E pronto, já se vão fazendo horas de partir. Passar pelo hotel para recolher mochilas, comprar qualquer coisa no supermercado e ir até ao porto. Não há atrasos, o barco parte à hora prevista. É uma travessia de cerca de uma hora. O mar está pouco agitado, mas pelo sim pelo não tinha tomado um comprimido para o enjoo. Só para ter a certeza.

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A embarcação vai avançando e sigo descontraído, com o quentinho do sol sobre mim. À minha frente uma alemã vem de visita com uma amiga que deve ser cabo-verdeana vivendo por lá. Há muitos estrangeiros no tombadilho. Santo Antão atrai gente, sobretudo turistas de meia-idade ou mesmo mais, interessados na natureza e nas caminhadas.

O Mindelo fica para trás passamos por um ilhéu que tem uma pequena casa… ou será um farol… é um ilhéu onde quem quer que lá vivesse não teria mais de 100 metros para esticar as pernas.

Que dia bonito está, ideal para chegar a Santo Antão. Vamos ver se corre tudo bem para encontrar a casa.

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À chegada o capitão precisa de longos minutos para colocar o barco na posição final. Logo saem os veículos, pela rampa da boca, carregados até ao limite, os pneus quase explodindo, o metal da roda a ameaçar tocar o asfalto. Aquilo são pessoas que vão ao Mindelo buscar o que não há aqui. E de manhã, calhando, foram no sentido oposto carregados de vegetais e frutos. Santo Antão é a horta de Cabo Verde, a ilha com mais aproveitamento agrícola, de longe.

O terminal de ferries é totalmente moderno, parece pertencer a um outro país. Tem escadas rolantes, talvez as únicas de Cabo Verde, e se calhar por isso metade delas já está inoperacional. Lá fora os condutores de alugueres procuram avidamente clientes. Agora é encontrar uma solução para chegar à Casa das Ilhas.

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La chegamos a acordo com um senhor. Pede um pouco mais do que é o preço justo, mas apenas um pouco. Tudo bem. Pede-nos para esperarmos enquanto procura outros clientes para encher o carro, mas a coisa está negra… encostados à viatura vemos que cada vez há menos gente por ali e percebemos que não teríamos companheiros de viagem. E se ele nos deixar ali agarrados, recusando a viagem só com dois e já sem outras opções?

Não aconteceu assim. Nunca aconteceu nada assim. Tantas vezes depois, dezenas de alugueres e táxis tomados em Cabo Verde, nunca ninguém foi incorrecto. No final, simplesmente pediu desculpa, explicou a situação e pediu-nos para passar para outro carro que nos levaria pelo mesmo valor.

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E lá fomos, ainda é uma viagem jeitosa. No mapa parece curta, mas não é. Daí os 400 Escudos por pessoa. O condutor foi-nos logo avisando que para onde íamos era preciso caminhar a pé, monte acima, uns quinze minutos. Eu sabia.

Correu tudo bem. Deixou-nos frente ao trilho e… up we go. Chegámos na hora certa. Aos últimos minutos de luz do dia. O alojamento é espartano, mas o local compensa tudo. Parece o paraíso.

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