O acordar foi muito, mas mesmo muito cedo. Ainda de noite, para um pequeno-almoço agendado para as seis e meia. É uma hora que me parece exagerada mas a proprietária da casa disse que era o melhor, que depois do pequeno-almoço estaria alguém para nos levar a Porto Novo lá em baixo na estrada. O que me pareceu também um exagero de hora, considerando que o barco parte às onze. Mas tudo bem, um pequeno sacrifício ao acordar mas teremos tempo de espreitar um pouco essa localidade que só tínhamos conhecido de passagem aquando da chegada à ilha.

O pequeno-almoço foi mais uma vez o mesmo. É um menu porreiro. Mas ao fim de quatro vezes já não sabe muito bem. Mas a comida dada não se franze o nariz e é melhor atestar bem o depósito para mais uma longa jornada. Descemos a ladeira até à estrada com a primeira luz do dia. Esperámos um pouco e chegou o nosso transporte, um colectivo que já trazia alguns passageiros, gente que provavelmente vive mais acima e hoje vai dar um salto ao Mindelo.

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E a caminho, deixando para trás o Santo Antão verde, passando aos poucos para a paisagem triste da costa que encara São Vicente, desértica, acastanhada. Chegamos a Porto Novo e encontramos ali um caos controlado, se é que tal existe. Há dezenas de outras carrinhas a chegar e a largar os seus passageiros e cargas. Logo acorrem os bagageiros, que devem ter uma autorização das autoridades, porque vestem um colete verde que os distingue.

Seguimos a comprar os bilhetes, o que se faz mesmo no terminal, no primeiro andar. Compro uns postais e selos na loja que vende artigos para turistas lá mais em baixo. Agora que está tudo tratado temos tempo livre para meter o nariz em Porto Novo, que não tem um aspecto especialmente convidativo. Simplesmente parece ser uma localidade desprovida de atractivos.

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Ali em redor do terminal, não vou estar com rodeios, aquilo é mesmo desinteressante. Mas andando um pouco ganha-se qualquer coisa. Há uma estátua que me tocou, uma homenagem em bronze à mulher cabo-verdiana. Não está lá assinalado, mas é evidente que é também dedicada aos emigrantes. A figura feminina traz uma criança ao colo e acena com um lenço em direcção ao horizonte, ao Mindelo, que será inevitavelmente tocado por todos os que saem de Santo Antão.

Logo a seguir fica à vista a praia, mais utilizada como base de pescadores do que para fins balneares, apesar da majestosa cadeira de nadador-salvador que lá se encontra colocada. Esqueci-me de referir algo: o dia estava estranho, com uma névoa amarelada que retirava tudo da paisagem. Ia-se a visibilidade e iam-se as cores. Diria mesmo, depressivo. E foi com esta luz que olhei o que se via dali de cima. A praia, já disse, mesmo ali, e também uma parte da povoação que parece ser o núcleo histórico.

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Caminhámos, estrada abaixo, demos um giro por ali, vimos as casas, cruzámo-nos com pessoas que vinham ao terminal, ao acontecimento notável que é a chegada (e partida) do ferry.

Os bocadinhos que ficaram na memória: o homem que tirava uma soneca esponjado no interior de uma embarcação de pesca, uma igreja construída com os mais bizarros materiais, a venda de peixe montada no chão, com balança e produtos mas sem vendedora, a conversa com os pescadores que amanhavam peixe. Foi isto.

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Regressámos ao terminal. A confusão era enorme. O barco estava quase a chegar e os condutores dos “colectivos” e “alugueres” que tinham chegado mais cedo com os passageiros que partirão hoje procuram as melhores posições para conquistar os que chegam.

O barco surge do nevoeiro, como um Dom Sebastião náutico, desejado, o elo de ligação de Santo Antão com o mundo exterior. A manobra de atracagem leva imenso tempo. Depois começam a sair os veículos, sempre primeiro, com os passageiros à espera. As viaturas vêm carregadas de bens. Máquinas de lavar, caixas e caixotes, produtos gerados em fábrica, que se cruzaram algures com os que saem sempre de Santo Antão, vindos da terra, filhos da faina agrícola que é aqui tão intensa.

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Vamos indo para baixo. À porta do terminal os condutores formam um bloco. Parecem um coro, alinhados, em diversos níveis de degraus. E o maestro não falta, o agente policial encarregue de manter a ordem, ou seja, de os manter afastados do interior do edifício. É ali que podem estar e de lá não passam.

Passamos pelo meio da confusão, vamos para a zona de embarque. Há ali um café restaurante com preços razoáveis e uma boa oferta de produtos que pode ser uma boa opção para uma refeição mas ainda estou bem com o pequeno-almoço.

O barco partiu à hora prevista, uma travessia de uma hora e no Mindelo o dia estava tão depressivo como em Santo Antão. Vamos ficar numa guesthouse que fica a uns 600 metros, mas parecem muito mais, porque para lá chegar é preciso mudar de rua uma série de vezes e nunca mais chegamos. Ficar ali foi um grande erro. Enorme. Nem me apetece voltar a sair. A casa em si é muito agradável, assim como o quarto e o gerente. Mas aquela distância estraga tudo.

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Acabámos por sair para uma volta. A névoa continua no ar. Os junkies e pedintes do Mindelo mantêm-se por lá. Vistas as coisas, este foi sem dúvida o dia mais chocho de todos. O melhor terá sido regressar ao quiosque onde na primeira passagem pelo Mindelo bebi um delicioso ponche de côco. Desta vez bebi isso e mais uma cerveja, e duas tostas mistas que estavam uma delícia. E ainda um segundo ponche. Tudo isto por uma ninharia, se calhar 3 ou 4 Euros.

Contra as recomendações do gerente fomos a pé para o alojamento já a uma hora um bocado arriscada. Ele estava sozinho a ver o Benfica jogar com a Académica e sentei-me a ver o jogo. Não se passou mais nada.

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