Este foi o dia em que mudámos de país. Na noite anterior, apesar de não me lembrar de nada, estou certo que houve festa da rija, como em todas as que se passaram em Tibilissi, sem excepção. Recordo-me de estarmos com o Koka, um couchsurfer local, e dele nos explicar detalhadamente como chegar à estação rodoviária onde as “mashtrukas” para Yerevan partiam. Como sempre, as suas indicações foram preciosas. O Koka ficará na nossa memória, entre outras coisas, como o único georgiano que conhecemos cujas informações eram invariavelmente correctas e actualizadas.

Portanto, para lá chegar, foi necessária uma viagem de metro. Quando se quer andar de metro, compra-se um disco plástico num “guichet”, parecidos com aqueles que se usavam nas pistas de carrinhos de choque. Depois, anda-se uns metros, e introduz-se a peça numa maquineta que nos deixa empurrar o braço metálico e entrar no sistema. Custa algo como 0,10 Eur. A viagem causou as angústias usuais… contar estações, contar com muita atenção, porque os nomes são opacos para nós, escritos no bonito mas ininteligível alfabeto georgiano. Conseguimos. Saímos na paragem correcta, e depois foi seguir as orientações dadas pelo Koka, confirmadas pela consulta permanente ao GPS.

 

 

Encontrar a “mashtruka” certa foi fácil. Assim que pusemos os pés na estação de autocarros, logo um homem nos gritou: “Yerevan?”. Fantástico. Adoro quando o que se adivinha complicado se torna simples como que por milagre. Portanto, paga a viagem ao condutor, havia tempo para comprar uns abastecimentos para a viagem que duraria cerca de sete horas.

A viatura deixou aos poucos a cidade para trás. Passámos junto à base aérea que os georgianos mantém nas imediações de Tiblissi, e pude observar algumas aeronaves na placa de estacionamento, apesar de não as conseguir identificar. E de repente estávamos no campo. Não foi possível termos dois lugares à janela, e assim dividimos o privilégio, cabendo-me nesta fase a cadeira interior. Vamos muito apertados, com a alta volumetria do Clabbe a não ajudar.

De repente, estamos na fronteira. Do lado georgiano, uma longa fila, que se estende pelo exterior do moderno edíficio. Os culpados? Sempre os malditos turcos! Dois autocarros cheios deles causaram este congestionamento. Para sair do país, há que esperar, depois mostrar o passaporte. Depois mostrar outra vez dentro da sala. E depois, mostrar outra vez quando, a pé, se passa pelo derradeiro posto de controle. Feita a caminhada pela terra de ninguém, chega-se ao caos. Mudam-se o país, muda-se a organização. De resto, quanto às semelhanças e parecenças entre Geórgia e Arménia, falaremos no último artigo desta série. Para já, porque se impõe, fica a diferença metodológica e de equipamento entre as duas fronteiras. Os georgianos foram treinados e equipados pelos americanos. Os arménios… não. Aliás, não sei se tal foi concretizado, mas já no início dos anos 90 a Geórgia ponderava entregar as suas fronteiras a uma empresa privada, ocidental, considerando essa medida como a única forma de limpar a corrupção deste sector. Mas privados ou estatais, os guardas fronteiriços georgianos têm uma postura de padrões ocidentais. Já do lado arménio, as coisas não são bem assim. Na janelinha onde se tiram os visas, um papel anuncia que é necessária moeda local para a obtenção do papelinho que dá direito a entrada. Mas não há ali casa de câmbio e muito menos multibanco. Chega logo a minha vez, e o guarda põe-me à vontade… podem ser Laris georgianos. Que aceita, com uma taxa de conversão muito generosa… para ele. Depois, porta ao lado. Carimbo. Já está. É caótico mas ao mesmo tempo simples.

 


 

Passada a fronteira, é a minha vez de me sentar à janela e exercitar a capacidade de disparar a Nikon em andamento. A paisagem não mudou, para já, desde as terras georgianas. As aldeias e cidades são igualmente miseráveis. E ali o risco de morte parece ser mais elevado, porque eu, pelo menos, vi-a passar a menos de um metro de mim: o condutor diabólico inicia mais uma das infindáveis ultrapassagens da viagem, o carro que seria ultrapassado e que fazia menção de sair para a berma volta à estrada sem aviso, e na faixa da esquerda já outro se aproxima, a velocidade igualmente alta. Simplesmente não há tempo nem espaço. Como se opera o milagre da sobrevivência? Simples… passando pela esquerda da faixa da esquerda e da viatura que de lá vinha… isto tudo a uns 90 ou 100 km/h.

 

 

Com o correr dos quilómetros a paisagem vai mudando. Os campos são muito verdes e planos, mas isso apenas junto à estrada. Mais longe as montanhas erguem-se, com cumes brancos. Por todo o lado avisto elementos merecedores de serem fotografados, tarefa que executo diligentemente, calculando os “settings” da câmara de cabeça, e com alguns bons resultados.

 

 

Chegamos a Yerevan. O trânsito na Arménia circula de forma mais civilizada do que na Geórgia, mas mesmo assim, um pouco selvagem. De tal forma que quando disse aos meus novos anfitriões que se não arriscavam a conduzir na Arménia deviam ver como era na Geórgia eles mal podiam acreditar que podia ser pior.

Saímos do nosso transporte e logo os galifões do costume nos saltaram em cima, ávidos de venderem os seus serviços de táxi ou outros. É uma regra universal que se devem evitar as propostas de transporte e alojamento à chegada a um local. Se existirem opções, claro. E ali existem. Olhámos em redor, procurando um terminal multibanco que nos pudesse dar dinheiro arménio. Não vimos nenhuma, mas logo se perguntou a alguém que  nos indicou um ponto logo ali à frente. Quer na Geórgia quer na Arménia, não achámos mais complicado encontrar pessoas que comunicassem em inglês do que em qualquer país europeu (exceptuando o Reino Unido, claro).

 

 

Já preparados com os nossos Drams, entrámos num café restaurante para comer qualquer coisa, e deliciámo-nos com um kebab faustoso acompanhado de coca-cola. Serviu-nos o almoço uma senhora de meia-idade, de cara bonita arruinada por uns dentes em péssimo estado, que nos atendeu como se ali tivesse, diante de si, o presidente do Império em pessoa. Todas as mordomias nos foram dispensadas, começando por uma limpeza cuidada da mesa, que já estava limpa antes, antes de nos deixar sentar.

De carteira e estômago cheios, apanhámos então um táxi para casa da Angela e do Jarred, um casal de americanos estabelecidos em Yerevan. Lá demos com a morada, depois, com a ajuda de um vizinho (de novo, capaz de falar um perfeito inglês), encontrámos o apartamento. A Angela tinha acabado de chegar, mostrou-nos a casa e os nossos aposentos, deu-nos umas dicas sobre a cidade. E saímos de imediato. Queríamos aproveitar cada segundo da estadia.

 


 

A tarde estava a chegar ao fim, e caminhámos por Yerevan, tendo como pano de fundo o omnipresente Ararat, o monte majestoso, já em território turco (mas que outrora fazia parte da Arménia) onde, segundo se diz, chegou a Arca de Noé em pleno diluvio. Depois deste esticar de pernas, bem merecido após as sete horas encarcerados na “mashtruka”, regressámos a casa para conhecer o Jared e o “puto”, filho do casal.

 

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