Nos dias que antecederam o início desta viagem, as condições metereológicas foram um elemento de preocupação. Já sabia que a Dinamarca, como de resto toda a Europa Central e do Norte, tinha conhecido um dos Invernos mais rigorosos das últimas décadas, e aparentemente o frio e a neve, já feita chuva pela chegada da Primavera,  não estavam com vontade de se ir embora. Até á última da hora equacionou-se a hipótese de cancelar tudo, como já tinha sucedido com uma incursão planeada a Oslo umas semanas antes. Mas as previsões melhoraram um pouco, e, apesar de não serem sorridentes, decidimos arriscar, cientes de que no que toca a condições de tempo, tudo poderia vir a acontecer.

Assim, foi com curiosidade que acordámos na primeira manhã em Holte. O céu estava algo cinzento, mas nada de chuva. Menos mal. Saímos para a rua com aquela ânsia sempre presente nas primeiras horas de um país novo. Da casa da Aase até à estação de comboios vão uns meros 400 metros, ultrapassados com boa disposição, apesar de algum frio matinal, que se foi dissipando com o avançar do dia.

 


 

Primeiro a indescritível dor de pagar o que nesta terra custam os comboios. Depois, a vaga compensação de obter qualidade em troca. É simples operar com a máquina de venda de bilhetes – apesar do mesmo não se poder dizer com o sistema de tarifas, desenhado num momento de loucura de um qualquer tecnocrata e que leva á loucura todo o estrangeiro que visita o país – e os comboios são agradáveis, rápidos, silenciosos e frequentes. Achámos um piadão às carruagens de silêncio! Isso mesmo! Carruagens de silêncio, significando aquilo que parece. Assim como noutros locais há carruagens para fumadores e não fumadores, em Copenhaga há carruagens para barulhentos e para silenciosos. Na segunda categoria, não se pode fazer algazarra e pronto! Nada de telemóveis a tocar e falar só se for a sussurrar. Estou para aqui a gozar, porque a ideia a nós nos parece bizarra, mas a verdade é que é excelente. Tomara a mim ter carruagens destas em Itália e sobretudo em Espanha!

Independentemente desta peculiar característica, há carruagens onde se podem transportar bicicletas, devidamente equipadas com o espaço para acomodar os veículos, e em toda a composição existe Internet Wi-Fi gratuita, apesar de ser necessário um registo como utilizador.

 

 

Saímos em Oesterport, uma das estações centrais, onde quatro linhas se cruzam. O objectivo imediato era explorar a área portuária, para depois passar ao chamado Kastellet. A primeira, é uma zona moderna, ampla e limpa, a fazer lembrar a nossa Expo, mas com espaços ainda mais arejados e sem os indícios de envelhecimento precoce que já se fazem sentir naquela zona ribeirinha de Lisboa. Foi um passeio agradável, com a frescura proveniente do mar a envolver-nos. Vimos uma outra versão da famosa “pequena sereia”, até porque a original  não estava no seu pouso. A cidade, tal prostituta barata, acedeu ao envio do ícone máximo de Copenhaga para o pavilhão da Dinamarca  na Expo 2010 de Xangai. O dinheiro tudo compra, e não é preciso ser-se uma mulher boliviana ou mongol sem alimento para dar de comer aos filhos para se cair na malha da venda do corpo. Copenhaga alugou um pedaço da sua carne que nunca devia ter sido traficado para o exterior. Assim, a opção, que vemos no topo deste artigo, é uma excelente imagem de toda a situação uma caricatura, por assim dizer. No mesmo recinto, uma série de esculturas de Bjørn Nørgaards. Ao conjunto, que inclui a versão alternativa da sereia, chama-se   Det Genmodificeret Paradis, ou seja, O Paraíso Geneticamente Modificado, que foi criado em para a Expo 2000 em Hannover, e colocado onde agora o podemos observar em 2006. Polémico.

 

 

A segunda etapa da manhã seria o Kastellet. Trata-se de uma área fortificada, com uma série de bastiões, construida na primeira parte do século XVII. Para a zona existiam grandes planos, que passavam pela criação de um majestoso castelo onde o rei pudesse abrigar-se em caso de perigo. Mas limitações orçamentais reduziram o projecto inicial a um mero forte que passou a integrar-se no plano de defesa da cidade. Actualmente é ainda administrado pelo Exército, que mantém uma série de organismos sedeados no local, mas está aberto ao público, funcionando como um parque. E foi nele que passeámos durante algum tempo, apreciando especialmente o moinho de vento que lá pode ser encontrado. Devo reconhecer que o Kastellet é mais atraente visto do céu (ou seja, no Google Earth). Uma vez lá, a perspectiva geral, com os bastiões desenhados de forma clara, perde-se, e torna-se apenas num parque com muitos espaços relvados e algumas árvores.

 

O resto do dia não teve grande história. Limitámo-nos a andar pela parte mais nobre da cidade. Sem destino, sem guia turístico na mão. Lá longe, no horizonte, vimos outras fortificações, apenas acessíveis através de barco, que defendiam a entrada para as águas interiores de Copenhaga. Chegámos à praça onde se encontra o palácio real, com a sua vistosa guarda de honra, a rondar. O centro está aberto ao público, mas todos os edifícios em redor pertencem à Coroa, e todos têm o seu guarda. E com isto o céu sorria, punha-se azul.

 




 

Acabámos por chegar a Nyhaven, uma das imagens características desta cidade. Ali, no centro, um canal, com barcos atracados em ambas as margens, e, dos lados, ruas. Uma delas, repleta de restaurantes e esplanadas, representa a face cosmopolita de Copenhaga. E todo o cenário é preenchido por cores e tonalidades sem fins. Este era um dos locais por cuja visita mais ansiava, vistas que tinham sido fotografias dali. E não decepcionou. Aquilo, numa tarde quente de Verão deve ser a loucura, mas mesmo num mais modesto fim de dia de fria Primavera estava repleto de pessoas interessantes. Só pela observação da malha humana, mais não houvesse, já a deslocação a Nyhaven teria valido a pena. Mas há muito mais. Num barco, uma jovem lê um livro; aparentemente vive ali, ou estará talvez de visita à residência flutuante do namorado; do outro lado, na rua mais discreta, uma bicicleta vermelha com um cesto de onde espreitam flores recorda-nos que ali a cor é rainha. É de Nyhaven que saem as embarcações carregadas de turistas, para uma volta pelos canais e braços de mar que envolvem a parte antiga de Copenhaga. Não tivemos oportunidade (ou talvez, dinheiro) para ir numa destas passeatas, mas dizem que vale a pena, e de facto os barcos têm bom aspecto e os preços não são assim tão elevados.

 

 

No topo da rua há uma paragem de “autocarro aquático”. Chamo-lhe assim porque o sistema de barcos de passageiros que cobre aquelas águas é complexo e chega a todo o lado. Andam, atarefados, de um lado para o outro. Chegam a uma das paragens, descarregam gente, carregam outros. Partem rapidamente para a próximo, como abelhas cirandando em prado florido.

Acabámos o dia num daqueles passeios com água por todo o lado. Há por ali cadeiras de aspecto confortável, para usufruto dos cidadãos. Todo o cenário transpira um ambiente de enorme calma. Deve ser por esta e por outras que os dinamarqueses são geralmente considerado o povo mais “cool” da Europa.


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