Creio que este foi o dia mais chuvoso dos que passámos na região de Copenhaga, senão o único verdadeiramente chuvoso. Felizmente a precipitação limitou-se à parte da manhã, o que mesmo assim nos arruinou parcialmente os planos para visitar uma série de locais históricos da cidade.

 


 

Passeámos pelas ruas de Copenhaga antiga entre aguaceiros, e fomo-nos gradualmente afastando do centro até que, sem saber, penetrámos em terrenos de Christiania. Esta comunidade tem particularismos muito curiosos, e constituiu um dos pontos mais altos da viagem, de tal forma que no dia seguinte regressámos para explorar outras partes do “bairro”. Christiania começou nos anos 70, quando um grupo de “squaters” ocupou algumas casernas deixadas livres pelo exército dinamarquês. Durante anos assistiu-se a um braço de ferro entre o Governo e os ocupantes, com algumas tentativas por parte da polícia em desalojar os teimosos invasores. Entretanto a comunidade cresceu, e à medida que isto sucedia, as dificuldades para as autoridades aumentavam. Já não se tratava apenas de meia dúzia de “malucos”, mas sim de um autêntico bairro. Depois de muitas peripécias, foi aprovada uma revolucionária lei, que consagrava o direito de permanência aos ocupantes, assente nas premissas de uma “experiência social”. Contudo, a posição do Governo oscilou, à medida que a tendência dos sucessivos executivos variava entre a Esquerda e a Direita. Os primeiros, aceitando de bom grado a legislação anterior, os segundos procurando revogá-la. Actualmente o processo parece ser irreversível, mas as autoridades mantêm Christiania debaixo de olho. Uma das razões de disputa é o comércio de drogas leves, feito às claras numa das ruas principais do bairro (Pusher’s street). As drogas pesadas são tabú em Christiania, e os próprios residentes seguem uma política  dura em relação a estas. Mas ao longo de uma dezenas de metros, os visitantes e os locais podem visitar uma série de bancadas vendendo todo o tipo e variedades de drogas leves, que desaparecem rapidamente quando a polícia inicia mais uma operação de rusga. De resto, se visitar, não se atreva a tirar fotografias nesta rua. Há sinais gigantescos por todo o lado, assinalando a proibição de recolher imagens, e o pessoal de lá não é muito amigável quando alguém tenta contornar a regra.

 



 

Mas por agora chega de Christiania, até porque a visita, neste dia, foi algo superficial. Simplesmente demos de cara com uma das ruas marginais, em terra batida, que se estende na margem oposta à que é ocupada pelo grosso da comunidade. Apenas nos apercebemos de que estávamos a entrar numa das ramificaçoes de Christiania porque já tinhamos lido sobre o local e o que viamos era inequívoco: casas construidas de forma artesanal, com enormes artes de improviso, com uma fantasia própria de quem, enfim… é caso para perguntar que drogas andavam estes tipos a tomar quando construiram as suas residências.

Actualmente é já uma segunda geração que por ali vive. Alguns casais de mais idade serão os ocupantes originais, mas vê-se muita juventude, obviamente rebentos dos visionários que criaram o espaço. A proximidade da água e muita vegetação conferem um tom ainda mais agradável ao local. É um passeio maravilhoso, altamente recomendado, para o qual é essencial uma boa máquina fotográfica com muito espaço disponível no cartão de memória. Cada um dos edíficios é único, e todos são repletos de detalhes que merecem um “click”.

 

 

A um dos melhores bocadinhos da visita, seguiu-se o pior. Atraídos pelo “cheiro” de um cacho de geocaches que se espalhavam por aquilo que parecia uma interessante área portuária, fomos andando, internando-nos numa zona de ninguém, quase tenebrosa. Lá em cima o céu ameaçava chuva a qualquer momento, e demos por nós a milhas da “civilização”, a procurar caches que teimavam em não aparecer, com ruas que pareciam abertas nos mapas mas que no terreno cruzavam terrenos privados devidamente vedados. Enfim, um verdadeiro pesadelo, apimentado por um carro carregado de criaturas sinistras, com aspecto de emigrantes de Leste dedicados a actividades ilícitas, que se cruzou conosco  algumas vezes, abrandando a cada passagem. Felizmente a carga de água não caiu, e, bastante cansados pelos quilómetros inesperados, conseguimos sair dali intactos e prontos para mais aventuras… e outra havia de suceder antes do dia acabar.

 

 

A visita à fragata Peder Skram, que serviu a marinha dinamarquesa entre 1966 e 1990, tendo-se posterior transformado num museu flutante, era um dos objectivos da viagem. Já na véspera a tinha avistado, à distância, do outro lado da superfície de água, enquanto passeava no Kastellet. Mas, para tristeza minha, descobri que se encontrava encerrada ao público. Contudo, no regresso da expedição negra à zona portuária, passámos junto aos portões da base naval onde a Peder Skram se encontra. Abertos de par em par. Ninguém à vista. Um cartaz em dinamarquês e inglês dizia que era proibida a entrada. Mas.. olha… é para a desgraça. Vamos embora lá para dentro, e se houver azar, não vimos ou não percebemos o que estava no cartaz. Como se dizia quando era gaiato, “bater não batem, e ralhar não dói”. E foi assim que nos infiltrámos numa base naval dinamarquesa, tudo porque queria ver de perto a Peder Skram. E se valeu a pena! Lá dentro, não se avistava vivalma, e quando finalmente alguém passou por nós de carro, não pareceu minimamente preocupado pela presença dos intrusos. Até ao fim da incursão avistamos ainda mais uns poucos militares, à distância, mas tal como o primeiro, nenhum nos prestou atenção. E assim fomos até à beira do navio, vendo bem de perto outras preciosidades, como o submarino Saelen (ou seja, “a foca”), que tal como a fragata foi convertido em museu, e, também ele, encerrado ao público na época baixa. O Saelen foi lançado à água em 1965, acabando a sua carreira em 2003, depois de participar em operações de apoio à Segunda Guerra do Golfo. Teve uma vida atribulado, que envolveu um afundamento total (1990) e posterior recuperação. E agora estava ali, completamente exposto, à nossa frente. Que fenomenal massa metálica!

 


 

Mais à frente, outro vaso de guerra, o P547 Sehested, um pequeno lançador de mísseis teleguiados, construído em 1976 e em estado operacional até ao ano 2000. A sua pintura verde escura, pouco habitual em navios militares, impressiona. Assim como o seu aspecto, ainda operacional. Também ele é agora um museu flutuante, apenas na época de Verão. Houve ainda oportunidade de passar junto a um fantasmagórico navio hidrográfico, cujo constante ranger, enquanto era embalado pela ondulação, e a iluminação ligada sem contuso se avistar alguém, conferiam-lhe um aspecto arrepiante, assombrado. Já a retirar da base, demos uma olhadela ao navio-escola da marinha dinamarquesa, imponente, ufano, como todos os da sua categoria.

 

 

Antes de regressar a casa, visitámos o revolucionário edifício da ópera de Copenhaga, integrado num bairro de vastos espaços, com muito mar em redor, e, já agora, também muito vento. Parámos ali por um instante, num dos cais dos tais “autocarros marítimos”, vazio aquela hora. De resto, toda a área estava deserta. Foi um momento mágico, ao final do dia, com a imensidão do mar e daquele imponente estrutura. Depois, foi prosseguir a retirada, por entre canais, até chegar à estação de comboios mais próxima. Fechou-se assim um dia pleno de aventuras e marchas prolongadas.

 

 

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