20 de Dezembro

 O autocarro era bem cedo, sobretudo considerando que com a Viazul é preciso fazer um checkin o que requer uma presença antecipada dos passageiros. Acordámos ainda de noite, o Miguel, tal como tinha prometido apesar dos nossos protestos, levantou-se também para se despedir, para nos entregar o pequeno-almoço embalado e para nos oferecer umas pulseiras de recordação. A caminhada até à estação foi rápida, os procedimentos foram executados com facilidade e pouco depois iamos a caminho.

Para chegar a Santa Clara tivemos que passar por Cienfuegos, o que foi um pouco frustrante. A única vantagem: satisfazer a curiosidade de ver com luz do dia as praias que tinha vislumbrado sob o luar à vinda para cá. Essa parte da viagem foi bonita, quase sempre à beira do oceano, passando por aldeias e parques de campismo, um expediente muito popular para as férias dos cubanos.

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Depois de Cienfuegos o panorama mudou, entrámos na auto-estrada e o cenário perdeu encanto. Mesmo assim houve muito para ver: os slogans revolucionários, as pessoas a pedir boleia, os veículos bizarros, cavaleiros que circulam à margem do asfalto, camponeses que trabalham nos campos. Por vezes há funcionários da Viazul debaixo de pontes que mandam parar o autocarro… acredito que são acções de fiscalização.

Chegamos por fim a Santa Clara. É uma cidade grande para os padrões cubanos. Na estação uma enorme pintura de Che Guevara adorna uma parede. Afinal estamos na sua cidade, não porque tenha aqui nascido – como sabemos o homem era argentino – ou porque se tenha ligado a Santa Clara de alguma forma… simplesmente liderou aqui uma unidade do exército revolucionário numa batalha decisiva que venceu e isso iniciou um culto de personalidade especialmente intenso nesta localidade.

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À saída, a horda de taxistas, mais ambiciosos, oferecendo ligações para paragens distantes, como Varadero ou Cuba. Agora há que caminhar até ao centro, ainda são 2 ou 3 km. Ou aceitar uma proposta razoável de transporte. Um cocheiro sugere 1 CUC pelo percurso. Hum. Gostava de experimentar estes carros puxados por um cavalo, a que os cubamos chamam “carretón”. Então está bem, mas em vez da praça Vidal – que é o centro da cidade – quero ficar apenas na Praça da Revolução. 1 CUC são 0,83 Eur. Não é muito, mas para mim já é dinheiro. Ora com esta experiência perdi duas vezes: primeiro porque a Praça da Revolução é muito perto e poderia perfeitamente ter caminhado ou discutido um desconto; segundo porque era 1 CUC para dois e paguei-lhe, por disparate meu, 1 CUC por cada um.

Mas pronto, ficámos onde queria, no famoso complexo de homenagem ao Che. Existe uma estátua de consideráveis dimensões, um museu e um mausoléu. Dispensei os últimos dois, que não esperava especialmente interessantes e são muito procurados pelos turistas (além disso não se pode fotografar e isso aborrece-me sempre) e simplesmente cirandei em redor da enorme estátua.  E quando acabei, iniciámos o caminho para a praça Vidal, desta vez sem a ajuda de cocheiros.

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Aquela parte de Santa Clara é feia e a moral foi descendo. Passámos junto à estação de autocarros regionais e entrámos para recolher informações sobre a ligação para Remedios, uma aldeia a cerca de 30 km que era bastante recomendada pelos guias. Sim, havia um autocarro de manhã. Seguimos caminho.

À chegada ao centro começaram a aparecer jineteros com propostas de casas particulares. Já sabiamos que se fossemos conduzidos até uma iriamos pagar mais – a comissão do tipo. Mas não compreendemos que consequências poderiam advir de aceitar um cartão com uma morada… como é que as pessoas poderiam saber que alguém nos tinha enviado e quem era esse alguém. Assim, depois de recusar um par deles, aceitámos um cartão e começamos a procurar o endereço.

Nisto aparece outro tipo, que se apresenta como Michael. A conversa do costume, uma série de sugestões, bem discretas. Um verdadeiro faz-tudo. O paleio era agradável, iamos falando de coisas interessantes, e aproximávamo-nos da casa. O Michael colocado como uma lapa. E eu, ingénuo por uma vez, só percebi demasiado tarde o truque: chegar à casa conosco e recolher o mérito e respectiva comissão. Quando entendi  já era tarde… já lhe tinha sugerido que “muito obrigado pela conversa e até à próxima” mas o tipo não desgrudava. Tocou à campainha e depois de duas cabeças se assomarem a janelas diferentes o trinco da porta abriu-se. Uma senhora disse-lhe para subir. Mas por essa altura eu já estava com a mostarda no nariz e decidi retribuir-lhe a marcação. Podia ter-me estragado um preço melhor, mas agora ia eu estragar-lhe os planos. A senhora estava de má cara, houve ali um momento estranho, em que eu lhe dizia que nos tinham indicado a casa na rua e falado em 15 CUC e ela a dizer que isso nem pensar, e eu , va então 20 CUC… e ela torcia o nariz e não dizia que não nem que sim até que fez um ar conformado de quem diz “então vá lá, por esta vez”. O outro ficou para trás, talvez se tenha ido embora, mas provavelmente ficou a aguardar uma oportunidade de uma conversa a sós… já nos tinha queimado 5 CUC mas 20 CUC já não era mau.

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Mais tarde ela perguntou-nos tudo sobre a situação e eu disse-lhe claramente que o tipo era uma cola que não tinha qualuer mérito na concretização do negócio, que a casa nos tinha sido indicado por outro rapaz, branco, mais longe. Não me recordo mas acho que lhe disse sem mais que não devia pagar nada aquele tipo, e assim deve ter ficado. Melhor para ela, que subiu 5 CUC o preço e lucrou-os. Antes isso. Mais tarde mereceu-os, tratou-nos muito bem, deu-nos todas as informações, pôs-nos debaixo da sua asa como uma mãe-galinha.

O quarto era piroso, mas como sempre imaculadamente limpo. Dava para um páteo interior, talvez fosse calmo à noite. Não tivemos problemas. A localização era boa, foi uma boa escolha.

Saimos para a rua com um primeiro objectivo: visitar o museu ou monumento do comboio blindado, um dos principais atractivos de Santa Clara. Sabia a direcção geral, mais à frente perguntámos a uma senhora que nos confirmou o caminho a tomar. Ali o Che e a sua rapaziada destruiram um comboio armado do Exército. Segundo parece usaram uma bulldozer para arrancar os carris e depois seguiu-se uma troca de tiros que resultou na derrota total dos militares fieis a Fulgêncio Baptista. Sinceramente, não sei se aquilo que se vê no local é genuino ou foi ali colocada para o desenvolvimento do culto. São vagões, imaculadamente pintados, e a tal bulldozer. No interior das carruagens existem exposições, mas isso é pago por isso não as vi.

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Um senhor que vende coisas para turistas indica-nos uma outra estátua do Che. Foi uma dica preciosa. Diz que é para cima, em frente à sede distrital do Partido. E de facto é algo digno de ser visto. A escultura é baseada numa fotografia do Che com uma criança ao colo, mas é adornada com pormenores fantásticos, pequenas figurinhas que habitam a estátua, como a multidão que sai do cinto do herói, a representação da Poderosa, a mota Norton usada por Che na sua primeira viagem pela América Latina, e muitos outros detalhes que podemos descobrir se olharmos com atenção.

Estava calor, cada vez mais. A cada dia em Cuba as temperaturas subiram. Mesmo assim fomos andando junto aos carris, a estação de Santa Clara era ali em frete a umas centenas de metros e estava curioso, queria-a visitar. Afinal a cidade é muito mais interessante e simpática do que aquilo que vimos à chegada e na marcha para o centro. Sentia-a como genuina, a menos turística das que visitámos, com uma personalidade própria, muito urbana – no bom sentido. Não senti aqui as privações na população que se vêem em Havana. Há muito comércio, e as lojas estão bem recheadas. Há restaurantes em pesos cubanos em que podemos tomar refeições, sem os malabarismos e truques de Cienfuegos.

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A estação é como tudo o resto: sem ser um espectáculo é genuina, tem vida, dá umas boas fotografias. Há uma ou duas máquinas diesel estacionadas. Há uma passagem de nível, atravessada por carros, muitos deles clássicos. Estou mesmo a gostar de Santa Clara.

Na volta para o centro passámos por uma igreja, sem personalidade, cuja torre sineira se vê bem ao longe mas que ao perto é algo decepcionante. É ladeada por um parquezinho bem tratado. Encontra-se na zona da fábrica de tabaco, cujo labor se pode vislumbrar pelas janelas abertas, mas cuja visita precisaria de ser arranjada com antecedência e mediante o pagamento de uma quantia.

A fome vai chegando, amezinada pro algumas bananas. É comprado um cacho, ou uma “mano” como aqui dizem, por 7 Pesos Cubanos. 0,21 Eur. São pequenas mas muito saborosas, umas 10 ou 12 bananas. Entramos numa rua onde existe muito comércio, muitas cafetarias. Em Santa Clara os gelados parecem ser ainda mais populares. Há imensos pontos de venda. Compro um copo com quatro bolas por 0,20 Eur, e é saboroso…. uma pena que não tenha conseguido dar de novo com esta lojinha durante os dias de Santa Clara. Com fome e com estes preços sinto-me como um leão deixado à solta entre uma manada de antílopes paraliticos. Bebo logo duas piñacoladas, preparadas à minha frente e que custam 0,15 Eur. Depois vamos à Coppelia. Sim, há uma Coppelia em Santa Clara, e o gelado ainda é melhor que em Havana… são cinco bolas enormes de gelado cobertas por uma calda de fruta cristalizada, que custa… 0,15 Eur.

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Depois, como já não estávamos longe, vamos desembocar na praça Vidal. Que vida. É uma praça vasta, rodeada de edíficios monumentais, com um parque no centro. Há tanta coisa e tanta gente para observar…. quase infinito. Passa-se sempre alguma coisa diferente aqui, há mais um detalhe que passou despercebido, e consoante as horas os elementos vão-se renovando. Foi também o local em Cuba onde encontrámos um serão mais animado.

Para já vejo os veículos para crianças, modelos dos carretón, puxados por cabras em vez de cavalos. Fabuloso. Um pequeno grupo de militares femininas, de meias de renda preta, salto alto e mini-saia. Já gosto do Exército Cubano!

Há uma pequena feirinha, que penso ser permanente. Vendem-se churros, gelados, claro. E outras iguarias. Por toda a praça estão espalhados vendedores, com sugestões diferentes. Numa das esquinas há um café-bar atractivo, mas que nunca chegarei a experimentar. Há o museu e o teatro. Tudo com muita côr. No centro do parque um coreto onde nas noites quentes de verão se faz música. Há sítios onde se vêem jovens, e de facto Santa Clara é uma cidade universitária.

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Quis beber o meu rum, procurei o bar que me ficou na memória, e encontro o meu “amigo” Michael que está obviamente chateado comigo mas que mesmo assim não vai perder uma possivel oportunidade de negócio. O que é que eu procuro… rum, mas nada de sitios para turistas com  bebida paga com moeda forte. Então só no bar do terraço. Soube logo do que ele falava, mas pela segunda vez não consegui que desgrudasse e lá me mostrou o caminho… claro que paguei por isto… mas tudo bem… 1 CUC por um rum.

Tinha comprado o jornal Granma, o órgão oficial do Partido, e sentei-me com a bebida, a ler o jornal… voltei ali no dia seguinte e mais tempo ficasse em Santa Clara mais vezes regressaria… que poderia querer mais, bebidas baratas, excelente vista sobre a praça e os clientes todos locais.

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Explorámos um pouco mais as ruas de Santa Clara. Há também um “paseo”, uma via pedestre que corre paralela à Praça Vidal, com muito comércio. Há restaurantes em CUC e em CUP, numa gama de propostas muito aceitáveis. E as cafetarias, que se tornaram a minha fonte de alimentação predilecta.

Descansámos um pouco no quarto até cair a noite e depois voltámos para ver como era a cidade depois do sol posto. Claramente melhor que Havana, por estranho que pareça. Andámos de volta dos restaurantes mas não me apetecia mesmo uma refeição normal. Já não estou habituado, sinto até que é algo contra o ambiente. Mas no fundo estava era cansado, não queria andar mais.

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Na Praça Vidal a animação prosseguia. Havia uma festa universitária. No Museu e no Teatro estavam anunciados concertos de música ao vivo para mais tarde. Os vendedores mantinham-se todos a postos. Acabámos a beber uma bebida num café sofisticado, muito jovem, com um toque académico. Coisa mesmo moderna, que surge como uma surpresa em Cuba. Barato, mas em CUC. Soube-me bem, o batido de chocolate.

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