17 de Maio

Ainda estou desesperado para sair de Kiev. A opção de Kharkov é colocada de lado. É algo dispendiosa, e se é para lidar com os caminhos de ferro, prefiro algo que me leve de vez para longe. A primeira coisa que faço quando abro os olhos é estudar os comboios para Sevastopol. Tinha afastado a ideia de ir à Crimeia, fora de mão, implicando uma viagem de 17 horas. Mas agora, sem saber o que fazer a estes dias que não quero passar em Kiev, torno a equacionar essa opção.

Saio do hostel direitinho para a estação, decidido a sacrificar o couro e a manter-me durante todas essas horas num comboio. A fila da bilheteira é relativamente longa e levo 40 minutos a ser atendido. E quando isso sucede, uma enorme barreira linguistica se ergue. Consigo perceber que para o dia seguinte já não ha bilhetes… mas quando chega à altura de comprar para dois dias depois, a dama coloca-me tantas questões em russo que desisto… desorientado viro as costas, e, o mais trágico, é que dois segundos depois processo a sua pergunta e percebo que podia ter respondido. Pondero brevemente regressar à fila mas afasto a ideia. Cada vez estou mais frustrado com a sensação de estar encurralado nesta cidade desagradável.

Passo pelo hostel, preparo as coisas para sair. Mais tarde, pelas 19:30, tenho um encontro com uma couchsurfer. Tinha-lhe pedido inicialmente hospitalidade, mas, por uma boa razão, não lhe foi possível aceitar. Na véspera, no auge da minha “azia”, mandei-lhe uma mensagem propondo irmos tomar qualquer coisa, pensando que me faria bem falar um pouco com alguém que me compreendesse, e a coisa ficou agendada. Entretanto, tomei a decisão drástica: vou ter uma despesa excêntrica, mas terá que valer a pena. Comprei um bilhete de avião que me custou 80 Eur, e agora sei que dentro de três dias estarei a voar para bem longe de Kiev. Esta sensação de problema resolvido levanta-me o moral. Vou para a Crimeia, mas em vez de 17 horas de comboio, estarei 1 hora no ar. E a minha nova amiga vai-me trazer o cartão de embarque impresso.

Saio para a rua, com o objectivo de visitar a área da “Mãe Ucrânia”, no ponto mais afastado a que planeio ir. Ando, ando e ando, sem nada de notável a assinalar. Passo pela avenida principal da cidade, atravesso o seu núcleo fervilhante, enfrento o trânsito caótico. Vão caindo aguaceiros.

Quando finalmente chego, o céu está negro. Finalmente encontro algo que me interessa em Kiev. O monumento é espectacular, assim como o é a área envolvente, onde existe o Museu da Grande Guerra Patriótica, o nome que na ex-URSS se dá à Segunda Guerra Mundial. Tinha planeado uma visita a este museu, mas à porta está um papel com uma nota que não entendo, e quando a abro sou confrontado com um olhar hostil das duas funcionárias no interior. Volto a sair pensando que o papel deve dizer que o museu se encontra fechado, mas, mais de uma hora depois, quando regresso pelo mesmo caminho, vejo gente a entrar alegremente.

Existem tanques e blindados em exposição no espaço envolvente, e esses aprecio-os demoradamente. Mais à frente existe outro espaço com aviões e diverso material bélico, mas para lá entrar é preciso pagar. A quantia é simbólica, mas entretanto começa a chover e de qualquer modo consigo ver de cá de fora e não vale a pena estar a comprar o bilhete. A chuva intensifica-se. Caminho para a enorme estátua “Mãe Ucrânia”, atravessando um túnel ladeado de gloriosas representações de soldados e populares, ao bom estilo socialista. A chuva torna-se insuprtável e abrigo-me no telheiro da entrada para o monumento. Aos poucos vou tendo mais companhia, à medida que os últimos visitantes vão saindo. A coisa funciona como o nosso Cristo-Rei: mediante um pagamento tem-se acesso a um ascensor que possibilita chegar-se a dois patamares de onde se tem uma bela vista.


A chuva torna-se torrencial e vou-me entretendo a fotografar os meus companheiros de infortúnio e os dois carros de combate colocados ali defronte, pintados com cores garridas. A precipitação abranda e os mais corajosos começam a abandonar o local. Deixo-me ficar para o fim, esperando que a chuva páre por completo. E quando isso sucede o sol começa a brilhar e o céu torna-se magnífico, predominantemente azul.

Vou regressando, deixando aquela área para trás pelo mesmo caminho de onde vim. Meto o nariz no enorme complexo religioso que ali existe, e que inclui um mosteiro e muitos edíficios administrativos. É obviamente o centro nevrálgico da Igreja ucraniana. Mas não vejo nada de espantoso, compro uma merenda num quiosque e volto a sair. Reparo num monumento aos combatentes da Guerra do Afeganistão, admiro a entrada para o Museu Nacional, considero comprar o bilhete mas é demasiado caro e ponho-me a caminho, em direcção ao centro.

Chego ao local de encontro, mas não consigo comunicar com ela. A rede de telemóvel vai e vem, e o SMS que lhe envio não chega ao destino. Já passam vinte minutos da hora combinada e continuo à espera. Por fim ela aparece. Parece que me mandou uma mensagem, que não recebi, e não leu a minha, que lhe chegará duas horas mais tarde. Caminhamos, e se o passeio me fez bem, vou-me sentindo agora ainda mais animado com a boa conversa. Entre indecisões, acabámos por chegar à praça principal de Kiev, que ainda não tinha descoberto. O ambiente é positivo, com muita vida, muita dinâmica. O restaurante onde nos dirigimos é ali perto. E é adorável. Um ambiente revivalista soviético, bons preços, comida excelente, com muita variedade e menus em inglês disponíveis. Janto muito bem, aproveitando os bons conselhos da minha amiga e ficamos ali à conversa até tarde.


Quando saimos já é bem de noite mas o ambiente na praça é fervilhante. Como em Lviv as alusões ao Euro 2012 são bem evidentes. Despedimo-nos pouco depois e inicio a marcha de regresso ao hostel. Vou cansado mas animado. Chegado lá, adormeço rapidamente.

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