23 de Maio

Acordar num comboio pela manhã é uma nova experiência. Dormi tão bem que terei sido talvez o último passageiro a despertar, com a composição já relativamente perto do destino: Odessa. Foi o tempo certo para enrolar o saco-cama, agrupar os tarecos, esticar um pouco as pernas e sentar-me, já com as tarefas cumpridas, a olhar pela janela. E em menos de nada estávamos a chegar.

O dia está cheio de sol e apesar de serem apenas sete e meia da manhã a estação está cheia de gente. Pessoas que chegam, que se aprestam para partir ou que simplesmente aguardam amigos e família que desembarcam dos comboios que rolam tranquilamente até ao último carril da linha.

Sei que vou apanhar uma seca. Não espero que o meu anfitrião, um velho contacto dos tempos de Praga, esteja acordado a estas horas. De resto, a comunicação é complicada. O meu telemóvel continua sem funcionar bem na Ucrânia. Não tenho a morada, de forma que estou um bocado nervoso. Tenho que arranjar forma de estabelecer comunicação, mas decididamente não será aquela hora. Na véspera tinha-lhe enviado um e-mail dizendo que estaria na estação de hora a hora, ao bater da hora certa.  E assim deixo-me estar por ali até às 8, primeiro… e depois até às 9.

Não me apetece nada prosseguir com a rotina da hora certa, até porque não tenho garantias que o Edward leu a minha mensagem. Decido caminhar em direcção ao centro, depois de considerar  vagamente divertir-me a encontrar uma “cache”, a apenas 1 km, mas num outro quadrante da cidade.

Aquela avenida tem uma certa magia. As árvores que ladeiam o asfalto são tão altas e frondosas que lançam todas as casas numa eterna sombra. As fachadas são diferentes, pintadas de cores que foram garridas e que hoje estão algo desbotadas, com varandas fechadas de madeira, como tantas vi na Geórgia. O trânsito é intenso. É hora de ponta em Odessa e procuro um ponto de acesso à Internet.

Ando para trás e para a frente. No meu telemóvel verifico que existem imensas redes wi-fi, mas ao contrário do que sucedia em Kiev e Sevastopol, aqui estão bem trancadas. Num bar de estatuto indefinido vejo um autocolante “WiFi” mas quando entro o homem no seu interior diz-me que não, com ar de profundo pesar, “no Internet”. Bem, acabo por achar um café pretencioso onde me sento, encomendo uma Pepsi  (que remédio, não havia Coca-Cola) e acedo finalmente à rede. A coisa compõe-se. O Edward já me tinha respondido entretanto. Hilariante! A cache que eu tinha considerado procurar indica a casa dele, está colocada debaixo da sua janela. Problemas resolvidos! Agora sei exactamente onde me dirigir. O rapaz do café vem impingir-me uma segunda Pepsi e quando chega a hora de pagar deixa bem claro que a gorjeta não está incluida na conta. “Little prick”!

Chego ao meu lar para os próximos dias, toco à porta mas… ninguém atende. Estranho. Sento-me cá fora a pensar na vida, descontraido agora, que sei que estou em porto seguro. Pego mesmo no meu livrito electrónico, despacho umas quantas páginas antes de chegar à conclusão que tenho que fazer algo relativamente à situação. Pego no telefone, ligo ao Edward e deixo tocar duas ou três vezes. Não sucede nada. Passado uns minutos insisto, e desta vez ele atende. Caraças, bastava ter vindo à janela. A brincadeira deve-me ter custado mais de 1 Euro. Afinal estava em casa e por razões indefinidas não tinha ouvido nem a campainha, nem os meus murros na porta, nem o meu primeiro telefonema. Mas o que importa é que agora estou instalado e pronto para a descoberta das maravilhas de Odessa.

Sentamo-nos brevemente na mesa da cozinha a pôr a conversa em dia, e dali passamos para o simpático café Buffet, ali nas imediações, que me faz lembrar as minhas tardes de café em Praga. Depois de muitas histórias contadas de parte a parte, pagamos a conta e voltamos a casa. O Edward tem as suas coisas para fazer e eu quero começar a bater a zona.

Ando um par de quilómetros por uma longa avenida, até a deixar, inflectindo para a esquerda, aproximando-me da costa e da zona balnear. O meu dia vai-se resumir a isto, a caminhar junto à praia de Odessa e aos parques adjacentes, que parecem fervilhar já de antecipação com a aproximação do Verão.

Vejo famílias a preparar churrascadas na zona campestre, vejo zonas de areal já cheias de banhistas, vejo gente que passa por mim, a correr, de patins, de bicicleta. As muitas esplanadas estão basicamente vazias, mas já vão contando com alguns clientes pontuais. Um comboiozinho turístico ultrapassa-me, silencioso, quase cheio. E há os polícias de velocípede, os ciganitos que andam por ali, os nudistas no seu canto.

A tarde é basicamente isto, a longa caminhada ao longo da costa e, depois, o regresso, com mais do mesmo. O dia está tépido com um céu azul e sol forte. Mal imaginava eu que seria o último que assim veria durante esta viagem.

Uma enorme torre está a ser construida mesmo sob a falésia. Bravo! Mas as gentes de Odessa que arruinem a seu bel-prazer a costa do pedaço de Mar Negro que é seu. Não me diz respeito. O que eu quero encontrar agora é o que o Edward chama “Lost Soviet resort”, uma área abandonada, que me parece mais um sanatório ou hospital. Os mesmos ciganitos que vi anteriormente andam por ali. Chateiam-me um bocado, e sinto-me algo ameaçado naquele local. Sinto a presença de um acampamento algures mais para a frente. A exploração dos diversos pavilhões que consigo alcançar sem me aproximar demasiado da comunidade ali instalada é feita com bastante adrenalina.

Como disse o regresso é feito basicamente da mesma forma, mas agora vou quase até casa junto ao mar. Na realidade, o apartamento do Edward fica a 5 minutos da praia. E chegado relaxo um pouco. Eventualmente saímos para umas cervejas num bar demasiado requintado para o meu gosto, adequado para jovens ucranianos em busca de afirmação social e expats desenquadrados.

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