O primeiro dia em Harare foi passado um bocado a medo. Pelo menos as primeiras horas. Não sabia o que esperar desta cidade, tão afastada dos circuitos turísticos etíopes, onde não se vêem estrangeiros e onde tanta gente se concentra. O céu manteve-se carregado ao longo do dia, algo que me afecta a psique quase invariavelmente. Talvez não ali. Mas por alguma razão as fotografias não saíam, e o número de fotografias que tiro num dia de viagem é uma espécie de barómetro da minha disposição e de como estou a sentir o interesse do destino onde me encontro.

Tomou-se o pequeno-almoço no hotel do Daniel, depois, de tuc tuc, para o centro da cidade, onde as coisas não correram logo muito bem, com umas quantas personagens de reputação muito duvidosa avistadas assim que saí da viatura. Um deles abordou, moeu um bocadinho, mas pronto… nada de complicado, apenas uma primeira má impressão.

A cidade muralhada é uma espécie de medina, com condições de vida precárias, ruas antigas, ruelas ainda mais antigas. É um postal, um encontro perfeito entre o imaginário de viajante e a realidade. É a materialização da ideia romântica do Corno de África, com almas de tez escuras, envolvidos em panos de cores garridas, que parecem flutuar pelas vielas, desaparecendo num piscar de olhos.

Acabei por encontrar uma das portas antigas da cidade, onde o movimento de gentes se faz com poucas diferenças do que seria há séculos atrás. Passam os animais e as pessoas, num fluir constante, sob um céu carregado que ameaça tempestade e que sublinha o dramatismo daquele momento meu, um momento que para aqueles etíopes será mais um da rotina diária, mas que para mim…

Regresso ao centro, embrenhado em estreitas vielas e acabo por dar com aquilo que sinto ser a praça principal, uma rotunda com algum trânsito. Num dos edifícios que a rodeiam encontro um café, excelente posto para observar sem ser visto. Fico ali o que me parecem ser horas, mas que terão sido certamente menos de sessenta minutos. Vejo as mulheres ali mesmo por debaixo a vender bananas, dois putos de rua que maltratam um outro até que um adulto resolve colocar ordem na situação, e viaturas bizarras que passam. Vejo estrangeiros que passam, como um exemplo do que está a mais na paisagem urbana. Vejo um mar de tuc tuc azuis que flui sem parar. E peço outro chá. Continuo a ver.

Está na hora de começar a voltar para casa. A pé, pela cidade antiga, até à porta principal. O ambiente está agora um pouco melhor. Nenhum cromo para me assediar. Depois, avenida acima. A ver. Há para aqui um café recomendado em todos os guias turísticos, assim uma coisa para estrangeiros, mas afinal não me pareceu nada disso. Não senti ganas de entrar. Tinha também lido que ali defronte, num primeiro andar, se bebiam os melhores batidos de frutas de Harar. Não sei se encontrei. Acabei por me sentar com um batido soberbo, mas não era defronte, não era um primeiro andar e o nome do estabelecimento também não conferia.

Tal como no café da praça, este era um ponto ideal para observar. Mesmo ali por debaixo, na minha vertical, um mercado dedicado daquela coisa que os etíopes mascam a toda a hora, aquela droga suave que é tão popular no país. Sem parar param carros, motas e tuc tuc. Todos se querem abastecer. Molhos daquelas folhas passam de mãos.

Estou cansado mas não quero ir já recolher-me, afinal ainda é cedo. De forma que passo um bom bocado naquela mesa do segundo andar de uma espécie de centro comercial vazio, onde as “lojas” ocupadas abrigam sobretudo gabinetes de costureiros. Um bom consenso que me permite retemperar energias, de forma ainda mais fácil com ajuda daqueles batidos estupendos que não se bebem, antes comendo-se com uma colher, de tão espessos que são.

Passa um grupo de militares, de AK-47 às costas, rumo a qualquer parte, de forma descontraída. Um velho cruza uma rotunda cheia de trânsito puxando um burrico carregado de lenha. Uma mulher polícia tenta disciplinar a multidão de tuc tuc azuis que entope a frente do mercado, largando passageiros e procurando-os.

Enfim, vou-me juntar à confusão, preciso de transporte para o hotelzinho. Como sempre o preço justo é negociado sem grande esforço, e ainda bem, porque começa a chover. Aquela chuva que se fazia anunciar ao longo do dia chegou finalmente, e em força. O rapaz, super simpático, deixa-nos mesmo encostados à porta.

O jantar é de novo massa, mas sabe tão bem… e o Daniel, como quem não quer a coisa, vai oferecendo tudo. Como ficamos três noites, diz ele, podemos comer, está incluído. Foi do melhor que aconteceu em Harar, este Daniel e o seu pessoal.

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