Era Inverno, não me recordo do ano ou do mês. Em minha casa recebia um viajante português que considerava mudar-se para Praga e queria ver a cidade nas suas condições mais difíceis, quando as temperaturas vão abaixo de zero, as ruas estão sujas, há gelo nos passeios, lama pelas esquinas. Naquele par de dias que passámos juntos, dei o meu contributo para a sua decisão final: seria apenas uma questão de regressar a Lisboa para reunir uns quantos haveres e voltaria para encontrar um lar naquela bela cidade.

Quando ele chegou, eu vivia em Letna, e depois de lhe oferecer um chá perguntei-lhe se queria ir dar uma volta. Caminhámos pelo parque, de onde se usufrui uma das muitas boas vistas sobre a cidade antiga. Estariam uns quantos graus negativos, mas as pessoas não prescindiam dos seus momentos de lazer. Chamei-lhe a atenção para isso, para a forma como os habitantes de Praga sorriam para a vida nas condições mais adversas. Junto ao pêndulo que hoje se encontra onde antes esteve uma enorme estátua de Estaline uma série de “putos” faziam acrobacias com skates. Nos trilhos relativamente limpos de neve, casais passeavam de mãos dadas, homens e mulheres solitárias passeavam os seus cães. Havia mesmo quem passasse de bicicleta, desafiando o rigoroso gelo, arriscando uma queda a qualquer momento, apenas evitada pelos muitos anos de prática.

Aproximámo-nos do castelo de Praga, e foi então que as vi. Duas senhoras já com uma certa idade, sentadas com um ar muito digno, num banco de jardim, um verdadeiro “banco com vista”. Aos seus pés, a cidade, no seu melhor. O rio Vltava, estendendo-se para sul, atravessado pelas velhas pontes. Dali vê-se Starometska, o bairro velho, e, como do rio é sempre a subir pelas colinas acima, avistam-se diversos níveis de Praga, até às modernas torres de Vysehrad.

Tudo aquilo eu já tinha visto, vezes sem conta, nunca perdendo a magia do momento. Por isso, naquela fria tarde de Inverno, o que verdadeiramente me ficou marcado na memória foram as velhotas, descontraidamente sentadas à conversa sobre a vida, como se estivessem a usufruir dos doces raios de sol de Primavera. Felizmente que levava a câmara comigo. Como me sinto sempre bastante tenso a fotografar pessoas desconhecidas, levantei-a, esperei pelo sinal de focagem, e disparei. O enquadramento foi instintivo. Assim como o foi o ajuste dos outros parâmetros (white balance, velocidade e abertura do obturador, ISO) que sempre regulo manualmente. Por isso o resultado final não está grande coisa. Existem elementos que não deviam fazer parte da imagem, como o candeiro que se eleva em frente à cara da senhora do lado esquerdo ou o caixote de lixo do lado direito da chapa. Além disso, o foco está curto, e as duas mulheres não estão propriamente nítidas. Mas mesmo com todas estas imperfeições é uma fotografia de que gosto muito.

4 COMENTÁRIOS

  1. As fotografias não têm que ser perfeitas para serem magníficas. Esta prova-o! Parabéns pela clara sensação de “estar ali” que esta imagem consegue transmitir. Está soberba!

    Lynx Pardinus

  2. Então esta fotografia terá sido tirada em Fevereiro de 2010.

    Quase 4 anos depois da dita, um abraço (diretamente de Letna) do tal viajante português.

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