A cena passa-se em Praga, num mês de Maio anormalmente sombrio e chuvoso. Naquele final de tarde, com o sol a dominar os céus da capital checa, toda a gente andava pela rua. Junto ao rio, no passeio a que os locais chamam de “náplavka” a animação vai alta. Há ali uma série de embarcações mais ou menos fixas, transformadas em bares e restaurantes. Mas existe uma especial que não é nem uma coisa nem outra: trata-se do barco teatro, maior que os outros, cheio de detalhes deliciosos. Ali, faz-se teatro ao longo do verão, e quando não se faz, adapta-se para algo ainda mais bizarro: vai-se ali à sauna.

Naquele dia preparava-se a época, a esplanada estava armada na popa, e as pessoas lutavam contra o vento frio que varria o convés. Ninguém queria dar a tarde como acabada, porque afinal de contas o tímido sol ainda sorria por aquelas paragens. Encontrei-me ali com uma mão cheia de amigos, e conheci outros que eventualmente se tornariam, também eles, amigos. Na realidade, era a minha primeira vez no barco-teatro, e talvez por isso tinha bem desperta a capacidade de observação. A D90 estava em cima da mesa, lado a lado com a incontornável caneca de cerveja. E então vi-a, a desconhecida. Foi uma sensação estranha, soube logo que tinha que retirar aquele retrato e tudo se passou num par de segundos… senti a riqueza do fundo azul, o detallhe do jarro e dos copos de vinho em cima da mesa, os olhos dela quase tão azuis como a madeira pintada, o meu amigo Ruben em primeiro plano, que queria desfocado para conferir uma atmosfera ainda mais misteriosa à composição, como que se a objectiva estivesse a espreitar, icógnita, a bela desconhecida. E foi assim que naquela tarde de Primavera pintei a luz.

 

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