A cena passa-se em São Tomé, perto do final da estrada que contorna a ilha quase na totalidade. Quem vai para norte encontrará a aldeia de Santa Catarina antes que o caminho se fine, engolido pela selva. E perto da povoação, monte acima, esconde-se o antigo hospital, também ele preste a render-se aos avanços da natureza. O meu amigo e guia improvisado José António mostrou-me o caminho até ali e depois algo de estranho aconteceu.

Por um lado ele começou a comportar-se de forma pouco comum, afastando-se até que basicamente o perdemos. Tenho algumas ideias da razão disto… ficou claramente nervoso quando pouco antes vimos alguns polícias a subir a ladeira… não sei o que se passou ali, mas também não importa. O que interessa é que de repente ficámos sem guia. Sem problema. Simplesmente intrigante. Mas por outro lado, vindo do nada, apareceu um rapaz que nos começou a seguir.

Nada de inquietante, até porque não parecia perigoso apesar da catana que trazia nas mãos. Claramente um apanhador da seiva com que se faz o vinho de palma, uma das actividades mais perigosas por aquelas paragens, com bastantes acidentes mortais todos os anos.

Neste momento deixei-me temporariamente subjugar por algo que detesto: receio e desconfiança. O tipo continuava a seguir-nos, sem dizer palavra. Parecia uma sombra. Lá estava ele, a cada canto. Sempre atrás. Até que, nas explorações da ruina, as minhas companheiras se afastaram um pouco e o rapaz ganhou coragem para me abordar. Perguntou se queria que lhe mostrasse a igreja, que era um pouco mais afastada. Não me agradou inteiramente a ideia de me internar na selva com um desconhecido com uma catana nas mãos num país que não conheçia inteiramente, mas não ia deixar escapar a oportunidade de fazer de um estranho um amigo e de espreitar a tal igreja perdida.

E com os minutos a passar o rapaz tornou-se mais comunicativo. Explicou-me do que se lembrava ou do que tinha ouvido falar daquele local. Lá chegámos à igreja e voltámos. Afastada que estava a possibilidade do apanhador de seiva ser um psicopata restava a hipótese de se estar a candidatar a uma gratificação pelos serviços prestados. Mas não, oh que vergonha… outra vez a desconfiança. Quando chegou a hora de partir e começámos a afastar-mo-nos do hospital, ele veio também, seguia-nos e esperava a qualquer momento a abordagem com um pedido. Só que nunca aconteceu. Simplesmente despediu-se e desapareceu na selva. Sem mais. Era apenas um rapaz que queria conhecer estes viajantes, ser útil, fazer algo de diferente naquele dia.

Na fotografia, tirada num dos corredores do que um dia foi um moderno hospital nos confins da África tropical, apanhei a nossa sombra quando me tropeçava mais uma vez ao caminho, e, em segundo plano, o José António que se tinha deixado tornar a ver depois do desaparecimento enigmático. Na mão do rapaz, a tal catana, e às costas o cabo para trepar às palmeiras. As ruínas eram um pouco ameaçadoras mas o rapaz garantiu-me que não era território da cobra negra, e deixei de recear pisar aqueles corredores.

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