A cena passa-se nas derradeiras horas de um périplo de quase três semanas pelo Médio Oriente e o cenário é a baixa de Amman, capital da Jordânia, numa calma tarde de Sexta-feira. Como quase sempre sucede no último dia de uma viagem, é tempo de descomprimir. Andávamos pela parte antiga da cidade e reparámos numa acolhedora varanda de primeiro andar. Pertencia a um café já nosso conhecido e sobre ela incidia um sol tentador. Trocámos olhares indecisos. É que o Limana, pouso de todos os serões passados em Amman, ficava mesmo em frente. Mas estava um certo frio e a sombra que cobria a esplanada do nosso velho amigo era tudo menos convidativa. Ainda entrámos, mas não avistámos nenhum dos amigos que tínhamos feito entre o pessoal da casa. A bem dizer, não vimos ninguém. As salas estavam na penumbra, como se o café estivesse fechado sem o estar. Foi o pretexto que procurávamos para dar uma oportunidade à concorrência.

Cruzámos o asfalto e entrámos no café da máquina de projectar. Tinhamos-lhe dado aquele nome por causa da máquina de projecção de filmes que desde o primeiro dia notámos à sua porta. Também este estabelecimento estava vazio, mas, surgindo do nada,  um empregado convidou-nos a tomar o lugar que desejássemos. Caminhámos até à varanda, escolhendo uma das mesas ali alinhadas. Um chá para cada um e computadores em cima da mesa para fazer as contas com o mundo moderno.

Enquanto os raios de sol nos acariciavam a pele, os olhos vagueavam pelas cenas da vida quotidiana que dali se podiam avistar. Como alguns leitores saberão, a Sexta-feira é dia santo nos países muçulmanos. Cumpridas as matutinas obrigações, é altura de não se fazer nada. Chega o almoço e inicia-se um período dedicado à família que se estende pelo resto do dia. As ruas esvaziam-se e apenas os mais ávaros comerciantes abrem os seus botequins após a refeição. Um manto de tranquilidade cai sobre a cidade. A avenida diante de nós, geralmente tão cheia de vida e pejada de trânsito, está quase deserta.

Não é portanto de estranhar que um par de mulheres-polícias que por ali cirandam capte a nossa atenção. É desde logo interessante que num país muçulmano relativamente conservador (por exemplo, bastante mais do que a vizinha Síria) exista uma força de mulheres-polícias, com o poder sobre os cidadãos varões que a sua farda implica. As duas figuras movem-se pelo passeio da avenida, cabeças cobertas com um lenço branco no topo do qual assenta o elegante chapéu do uniforme. Mas, como que zombando da austeridade imposta ao cabelo, as ancas das agentes meneiam-se sensualmente enquanto elas verificam os carros alinhados. Nádegas bamboleantes, bem torneadas, desafiando a austeridade islâmica ou talvez, pelo contrário, acentuando os contrastes  incompreendidos desta sociedade.

O cheiro a menta que emana do meu chá fumegante distrai-me por um momento. Enquanto pego na chávena e sorvo mais um pouco da aromática bebida, uma mensagem aterra no meu Facebook. Quando levanto os olhos, estes procuram instintivamente as minhas amigas polícias. E nem quero acreditar no que vejo: um cidadão tenta parquear o seu carro entre duas outras viaturas, e a boa da agente acorre a dar uma ajuda. É simpático que assim seja. Ter uma bonita polícia como auxiliar de manobra em vez dos famigerados arrumadores que enxameiam as nossas cidades já é um sonho. Mas a surpresa advém de algo bem mais espantoso: vigiando toda a cena encontra-se um enorme e inequívoco sinal de trânsito – proibido parar e estacionar. Um pormenor de somenos importância para as gentes de boa vontade de Amman… mesmo para as que são a voz da autoridade.

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