Depois de uma segunda noite muito bem dormida em Saumur, estava na hora de seguir viagem, rumar mais para sul, com um dia que prometia ser bem preenchido até chegar a Limoges, onde teria duas noites de Couchsurfing. Lá fora, mais dia sorridente, com um imenso céu azul, um sol brilhante e uma temperatura… digamos… quentinha.

A caminho. Para trás fica Saumur. Há aqueles locais que não deixam saudades… este, é o contrário. Deixa e muitas.

Rapidamente chegamos a Laudun, que seria apenas mais um ponto no mapa, não fosse o caso de, como tantas vezes aconteceu nesta road trip, me ter surpreendido sem aviso. Quem vai a viajar sabe apenas que em mais uma pequena cidade pela frente, mas quando chega e se prepara para passar por ela, nota que é irresistível, que tem de parar por momentos para ver melhor, para explorar um pouco.

A autarquia fez ali um excelente trabalho, colocando painéis explicativos nos pontos de interesse da localidade. Muitas fotografias de antigamente, para serem comparadas com a realidade. Especialmente dos dias da guerra, quando Laudun sofreu a sua quota-parte.

Um passeio rápido pelas vias principais, umas quantas fotografias e depressa para o carro, que o dia é longo e isto de Laudon nem estava no programa. Ainda agora deixámos Saumur para trás e já estamos a parar!

Passamos ao largo de Poitiers – engraçado, este ano, nas Filipinas, conheci uma francesa de Poitiers – para parar mais à frente, no objectivo agendado, a Abadia de Saint-Sauvin, espantosamente um local Património Mundial da Humanidade da UNESCO. E digo “espantosamente” porque não tem nenhum merecimento especial. É mais um exemplo a contribuir para a desconfiança com que comecei a olhar para esta distinção.

Mas atenção, no contexto deste passeio por França Saint-Sauvin é uma rica paragem. À abadia, não fui. É preciso pagar e apesar de não andar nestes dias tão forreta como noutros tempos, simplesmente não me pareceu que era uma boa ideia. Mas andei à volta do complexo religioso, atravessei a ponte medieval, e a outra, voltando ao centro, vi o pequeno chateau, e ruas atmosféricas ladeadas de bonitas casas à francesa. Para terminar, no imenso largo central, onde há um parque de estacionamento muito bem enquadrado e vazio, há uma mão cheia de motivos de interesse, para além da entrada na própria abadia.

Gostei de Saint-Sauvin!

Pela frente tinha ainda um longo caminho. Vista esta página do diário da viagem por França neste início de Verão de 2018 até pode parecer que neste dia não se fez muito. Mas de estrada também se faz um dia e viram-se coisas, naturais e humanas, que sem merecerem um espaço na memória ou neste artigo, tiveram o seu mérito de momento. Contribuíram para a formação da ideia de uma grande semana em França!

Ia para Limoges. Mas entre mim e Limoges encontrava-se uma das razões principais da minha vinda a França, e se bem que a ideia era visitá-la no dia seguinte a verdade é que os astros se alinharam para antecipar a ida a Oradour-Sur-Glane. Ouvi falar neste nome pela primeira vez para aí em 1971. Tinha seis anos e estava a ver um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial. Um documentário em muitos episódios que me marcou muito. O tempo voa e não damos por isso. Em 1971 não se tinham passado assim tantos anos desde o final do grande conflicto. 26 anos. Há quase esse tempo estou eu a viver no Algarve e parece que foi ontem. Mas dizia eu, porque 1971 foi 26 anos depois da guerra, muitos dos intervenientes estavam vivos e davam entrevistas fantásticas para o programa. Mais tarde comprei os DVD’s, que guardo religiosamente. Chama-se The World at War.

Portanto, de forma simplificada, Oradour-Sur-Glane foi arrasada por uma unidade de SS alemães em meados de Junho de 1944. As razões e circunstâncias da devastação e do assassinato colectivo da sua população nunca foram completamente esclarecidos, mas se quiser ler mais sobre o assunto, há uma excelente página inteiramente dedicada a Oradour-Sur-Glane.

Há um par de anos esta minha memória foi reavivada, já nem me lembro como, e este local, a par com o Museu de Blindados de Saumur e as bases de submarinos da costa atlântica, foram as três razões para esta viagem.

O local é atmosférico, mesmo que o seja de uma forma negra. É o tipo de ambiente que me interessa, até para fotografar. Admito que para este tipo de ambientes prefiro ter um clima diferente, cinzento, pesado. Mas não podia desdenhar o belo céu azul e foi mesmo assim. Ainda pensei em fotografar a preto e branco. Talvez faça uma galeria assim mais tarde, para já foi só mesmo a cores.

Os parqueamentos são amplos e gratuitos. A entrada na aldeia, que nunca foi reconstruída, apesar de se ter criado uma nova Oradour-sur-Glane, é feito exclusivamente pelo centro interpretativo. Todo o perímetro está vedado, apesar de ser relativamente simples ultrapassar o obstáculo. A visita é gratuita, mas existe um horário a cumprir. Só é pedido um bilhete para a exposição especial patente ao público no centro interpretativo.

À entrada estava ainda bastante gente. Só vi franceses. Nada de viajantes estrangeiros. Uma pauta que se repetiu de forma geral nesta viagem. Tinha a ideia que a França fosse mais turística, mas deve funcionar por concentração em locais específicos.

Passado um bocado já não se via quase ninguém. A maioria dispersou-se ou foi-se embora. Explorei o local com toda a calma, muito devagar. Afinal este era um dos pratos principais do menu. Há pormenores bestiais, traços do passado extinto subitamente. Não gostei muito das placas explicativas, mas respeito a opção. É fabuloso ver os carris e postes de electricidade para um sistema de comboios eléctricos que nos anos 40 já existia na região. E os carros dos habitantes, poucos, todos queimados. Detalhe aqui e acolá. Pequenas chapas de publicidade. Os restos de uma garagem. O Café Central.

Para quem tem interesse neste tipo de locais, com “fantasmas” e um passado negro, é de facto imperdível. Acabámos a visita na hora certa de encerramento: 19:30. Mas foi o tempo adequado, não demoraria lá muito mais tempo.

Oradour-sur-Glane é nos arredores de Limoges e não demorou muito a chegar à cidade. Muito maior do que estava à espera. Ainda um longo caminho na urbe para chegar a casa dos anfitriões, já próximo do centro. Depois, pronto, já se sabe como é o Couchsurfing. Uma cerveja para a mão, comer, conversar, conversar, comer. E isto até à hora de dormir. O dia seguinte será para explorar a própria Limoges.

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