Esta foi uma viagem atípica: tendo como foco a práctica do Geocaching, a passeata turística ficou para segundo plano, reduzindo substancialmente o que há para contar sobre estes quatro dias na área de Girona. O trajecto iniciou-se em Faro, de onde partimos no nosso próprio carro, que ficou a repousar em Sevilha. Esta cidade tem fama de ser perigosa, sobretudo para viaturas parqueadas. Assim, usei o Couchsurfing para receber alguns conselhos sobre o melhor local para deixar a Strakar, e o resultado não se fez esperar: recebi um relatório detalhado… aonde parquear, que autocarro apanhar para fazer a ligação do trajecto para o aeroporto… e mesmo uma possibilidade de boleia expresso, uma espécie de taxi gratuito, em nome do bom espírito do Couchsurfing.

A boleia acabou por não acontecer. Maldito patrão que marcou uma reunião à última da hora com o meu contacto. Mas graças à sua preciosa ajuda correu tudo bem e poucas horas depois aterrávamos em Girona. Ali, tinha alugado um carro. O processo de levantamento decorreu também sem incidentes, apesar de não ter ficado nada satisfeito por ter de pagar um depósito de gasolina… se não a usar toda… paciência… reverte para a empresa de aluguer.



Esta viagem esteve em suspenso até à última da hora, porque só faria sentido com boas condições climatéricas. E neste primeiro dia não poderiam ser melhores. Céu azul, temperatura amena, grande visibilidade. O cenário ideal para a práctica de Geocaching, que aliás se repetiu diariamente, com excepção do Domingo, marcado por longos aguaceiros. Ali perto do aeroporto iniciámos um percurso, metade de carro, metade a pé. A paisagem cativou desde logo. Os campos verdejantes e a arquitectura dominante fariam pensar que estávamos na Provença francesa. A Andaluzia e a região de Madrid, áridas, secas, amareladas pela vegetação que disputa cada gota de água, são coisas de uma outra Espanha que não esta. Chegar e tomar contacto com um bucólico cenário campestre foi um choque positivo, um aperitivo para os dias que se seguiriam.

Terminado o agradável trajecto, já com a luz do dia a esgotar-se, foi tempo de iniciar a viagem de cerca de 60 km até Roses, onde nos esperava o nosso primeiro anfitrião. Estradas agradáveis, com piso muito bom e condutores calmos, permitiram uma deslocação relaxante, interrompida apenas por uma breve paragem num Carrefour. É que tinha-me comprometido a cozinhar uma boa feijoada logo à chegada, e para além disso eram necessários víveres para o longo dia seguinte.

Em Roses fomos encontrar o Quim, professor de catalão para crianças e adultos, vivendo num belo apartamento, bem central. Cozinhar e conversar, comer e conversar, ocuparam as duas horas seguintes. Quando os pratos aterraram na máquina de lavar já era tarde, mas ainda conseguimos extrair de nós a energia necessária para um passeio à beira-mar. Estava frio, reforçado por uma leve brisa marítima, mas a beleza da baía compensava o incómodo do ar gélido que flagelava as superfícies de pele a descoberto. Foi um excelente final para o primeiro dia que tão bem correu.

Saimos bem cedo, ao nascer do sol. Tinhamos pela frente um longo percurso em redor de Empuriabrava. Este local é uma cidade entre canais, uma marina gigantesca, que faz da região uma espécie de capital do barco. Já no dia anterior tinhamos recebido um cheirinho, quando na aproximação a Roses nos surpreendemos com um sem parar de armazéns e lojas de barcos. Ao ver Empuriabrava compreendemos porquê. O projecto iniciou-se em 1964, e contava com sete mil fogos, e uma população estimada de cerca de 20.000 pessoas. O mercado alvo seria sobretudo a Alemanha, mas também a França, Holanda e Bélgica. Em 1967 foi dada luz verde para o início dos trabalhos, com uma segunda fase de construção a ter lugar a partir de 1975 (para mais detalhes consultar www.empuriabravaonline.com).


Na realidade pouco contacto tivémos com o coração de Empuriabrava no decorrer do dia. Andámos pelos arredores, pelo parque natural, enfrentando a lama e os pantânos. Foram muitos quilómetros, divididos entre o carro e a caminhada. Passámos junto às praias, apreciámos trilhos rurais, casas isoladas… com o ponto alto a chegar já ao cair da noite, quando iniciámos uma incursão em mais um trilho… a magia do pôr-do-sol caiu sobre nós… e sobre as vacas e outros animais que fomos encontrando nesse último segmento. Regressámos ao carro noite feita, com a ajuda de uma lanterna. Ao serão ficámos por nossa conta. Foi tempo de repousar, tratar dos e-mails e dessas coisas virtuais, e, para acabar em grande, assistir a um grande Barcelona – Villareal que passou na TV..

Segundo dia completo. Cheio de diversidade. Iriamos despedir-nos da hospitalidade do Quim e conhecer o Ruso, em Sils, a meio caminho entre Girona e o mar. Mas antes, uma jornada repleta de aventuras. Primeira paragem em Banyoles, uma simpática cidadezinha com um magnífico lago. A paisagem é deslumbrante. Houvesse tempo e teriamos contornado todo o lago a pé, como o faziam centenas, para não dizer milhares, de habitantes locais, neste Sábado cheio de sol. Seria uma volta para 6 km e com tanto a fazer neste dia, não nos pudemos dar a tal luxo. Restou-nos apreciar segmentos dos muitos trilhos preparados para deleite da população, em breves paragens para “cachar”. O que, nesse aspecto particular, não foi especialmente gratificante. O Geocaching nesta área é de qualidade altamente duvidosa. Valeu o que vimos, e foi muito. Já a deixar Banyoles para trás, interrompida a jornada a meio já sem paciência para mais caches “manhosas”, tive a sorte de decidir fazer um pequeno desvio até ao Puig Santa Martiria. A cache, esta devidamente colocada, foi encontrada, e pudémos deliciar-nos com as ruínas existentes no local e com a vista deslumbrante, sobre o lago, lá em baixo, e sobre toda a área envolvente. Sem dúvida um dos momentos altos do dia.


Seguimos para Celrà, já à beira de Girona. Trata-se de uma pequena comunidade rural, estabelecida numa localidade com dimensões de vila. As caches que ali iriamos encontrar tinham a qualidade que faltou em Banyoles. Levaram-nos por um percurso repleto de detalhes encantadores, metade na vila, metade na área envolvente. Vimos grandes árvores, fontes antigas, percursos lindos, casas de influência provençal. Enfim, um tesouro a não perder, que nos foi proporcionado pela existência do Geocaching e pelas pessoas que lhe dão vida.

Era agora a vez de Girona. Parqueámos o carro facilmente, numa periferia que conferia fácil acesso ao centro. Explorámos as ruazinhas da cidade antiga, onde, apesar de ainda não serem quatro da tarde, a luz já escasseava. Visitámos alguns segmentos das muralhas, atravessámos as pontes, calcorreámos meia cidade, cientes de que o plano para o dia se esgotava ali e tínhamos todo o tempo do mundo. De novo enfrentámos Geocaching de fraca qualidade, com caches colocadas de forma descuidada, coordenadas mal tiradas e outras chagas do género. Mas esses revezes não nos afectaram o humor. No fim, ficámos com uma ideia razoável do que é Girona. Numa outra ocasião poderemos visitar de novo, para ver a cidade com outros olhos, talvez com mais luz, talvez através de umas lentes melhores (para esta pequena viagem trouxemos apenas a compacta Coolpix). Depois de encontrar o Ruso na estação de caminhos de ferro de Sils, fomos para casa. E depois, dormir.

O último dia desta expedição seria dedicado à área de Lloret de Mar, uma afamada zona balnear, algo descaracterizada. O Ruso ficou algo agastado quando soube que iamos andar por lá… “com tantos sítios bonitos na Catalunha…” dizia ele. Mas a verdade é que o dia foi bem preenchido. A localidade em si ocupou uma pequena parte das nossas explorações, servindo como eixo para diversas incursões nas montanhas adjacentes. Percorremos as ruas de sossegados bairros pejados de vivendas, vimos o mar. Mas os pontos altos foram os percursos nas montanhas, a fazer lembrar a nossa serra do Caldeirão, com mar lá longe, a servir de pano de fundo. Tudo isto foi abundantemente regado com aguaceiros. De resto já esperávamos alguma chuva para Domingo. Foi uma justa taxa para os momentos bem passados.

O VW Polo alugado portou-se bem nestes trajectos mais acidentados. Por uma vez ou outro achámos prudente deixá-lo repousar e atacar certos trechos mais mal tratados a pé, mas por regra as vias de montanha estavam em bom estado, com estradões de piso bem compactado. Demos por nós no meio de nada, com a civilização muito distante. E em redor, a natureza, húmida naquele dia, mas mesmo assim muito convidativa. Foram cerca de 14 horas de descoberta, recheadas de detalhes e pequenos momentos, que pela sua quantidade não poderão aqui ser narrados. De repente, alguns exemplos marcantes: subir por um rego criado pela água um cerro quase a pique para apreciar a mais bela das perspectivas lá do topo; entrar por um estradão rodeado da mais bela natureza, num percurso que nem estava no plano mas que apareceu como que por acaso à nossa frente, e nos abriu as portas para as zonas montanhosas mais remotas; a casa semi abandonada, muitos quilómetros afastada da localidade mais próxima, que nos surgiu como que num sonho; o passeio junto a uma das praias de Lloret, deixado o carro facilmente parqueado ali mesmo, a anteceder a exploração geocachiana das (péssimas) caches urbanas da localidade.

Chegámos a casa cansados, antevendo um serão curto e relaxante. Não podíamos estar mais enganados. Abrimos a porta e, sem aviso, tinhamos dez olhos fixos em nós: o bom do Ruso tinha aceite o pedido de mais couchsurfers, dois casais de lituanos, e um animado serão vinha a caminho. Eles estavam a preparar o jantar, para o qual prontamente nos convidaram. Nós, um pouco envergonhados com a parca ração que tínhamos para oferecer (comprámos coisas para preparar o tradicional pão com tomate, para nós e para o Ruso) , lá aceitámos. E aconteceu Couchsurfing. Sete pessoas, parcialmente desconhecidas, sentadas à mesa, a comer, a beber, a falar sobre diferentes locais e culturas, a transmitir conhecimentos e conselhos, a trocar convites de posteriores visitas, a aprender um pouco uns sobre os outros. E a hora prevista de ir dormir passou sem ninguém dar por ela, com a conversa a entrar pela noite dentro até que os mais resistentes se renderam.

P.S. – Já me esquecia do momento hilariante da jornada: a polícia por ali não se chama só polícia. São os “mossos de esquadra”. “Moço! Ò moço, escuta lá, como é que vou para o centro?” Mas que barrigada de rir à custa dos “mossos”. E isto complementado pela empresa que opera o aeroporto de Girona. Caramba, como é que um aeroporto há-de funcionar bem quando só lá trabalham “lesmas”? Isso mesmo… no colete reflector, uma clara denominação do indíviduo: “Lesma”. Das lesmas não consegui imagens; bem que tentei mas eles ficaram zangados, vá-se lá perceber porquê. Mas os “mossos” não escaparam à objectiva.

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