A casa do filme Summer Lovers

Se a véspera revelou uma Santorini resplandecente, para Domingo estava guardado o bocado maior: Oia, o centro da acção de Summer Lovers, o filme que me falou sobre a ilha durante estes anos todos. Não acordámos cedo, e servimo-nos de forma abundante do pequeno-almoço servido pelo Popi. Eram umas onze horas quando chegámos à estação de autocarros, bem próxima do nosso alojamento. Como de resto tudo em Thira. A localização do Popi é uma das suas grandes vantagens. Dali, é um salto até à central de táxis, aos autocarros, à praça central que na realidade não tem nada de praça, e, claro, à orla, onde tudo acontece.


O recinto é pequeno. Estão alinhadas quatro ou cinco das grandes viaturas, pintadas de verde. Uma destaca-se: enquanto as outras parecem adormecidas, esta tem alguma vida, e na sua fronte pode-se ver os caracteres luminosos que indicam que o seu destino é aqueles que nos interessa. Oia, que os gregos dizem Ia. Ainda no exterior um funcionário pede-nos 1,60 Eur por cada bilhete. Vamos quase sozinhos. Os autocarros de Santorini são relativamente modernos e muito confortáveis. Não têm uma configuração características dos suburbanos, com os seus espaços abertos e as pegas suspensas. São autocarros habituais nos percursos de médio curso, com as cadeiras dispostas em linhas de duas mais duas.


A viagem até à ponta mais próxima da ilha demora cerca de 20 minutos. Enganados pela disposição no mapa tomamos lugares do lado esquerdo do autocarro, porque ali o mapa estaria mais próximo, mas afinal é do lado direito que se vê a mancha azul em toda a sua extensão, muito lá em baixo, porque a estrada se eleva a uma imponente altura.

Chegamos e hesitamos na direcção a seguir. Por fim entramos por uma das ruelas. Encontramos um par de jovens mulheres que não só partilharam o mesmo autocarro que nós, como também estão hospedadas no Popi. Naquele dia em Oia iremos vê-las mais umas quantas vezes, e mais tarde saberemos, através do nosso amigo da recepção que são chilenas.

Aquela hora ainda há relativamente poucos turistas na mais pictoresca aldeia de Santorini. Começamos pelo lado Este e ai, porque o mar com vista para o vulcão se econtra a Oeste, há ainda muita casa por recuperar. Em 1956, aquando do grande terramoto, Oia foi totalmente desvastada e grande parte dos seus habitantes partiram para não mais voltarem. Apenas com a chegada em força do turismo a aldeia recuperou o esplendor de outros tempos, mas mesmo assim existem ruínas e casas a aguardar recuperação.

Se as vielas das encostas de Thira encantaram, o que dizer de Oia… ali os contrastes são ainda mais claros: o branco omnipresente que choca com o azul escuro do Mediterrâneo. As casas são mais naturais e na maioria dos casos não passam aquela ideia de terem sido construídas (ou reconstruídas) para servir o turista. Ao contrário de Thira, não é fácil o acesso aos diversos patamares, que são mais reservados. A rua principal está repleta de lojas de recordações e cafés, mas os estabelecimentos são plenos de bom gosto, uma alegria de se ver só por si. Em Oia observam-se estilos de construção bem díspares: há as habitações escavadas na rocha, as casas-caverna, muito frescas, que oferecem um abrigo de grande qualidade térmica no Verão; depois, os edíficios de contornos caracteristicamente gregos; por fim, umas poucas casas que poderiam ser algarvias, mas que foram provavelmente construidas por italianos ou pelo menos por sua inspiração.

No vértice, onde as costas da ilha se encontram, há um complexo histórico com toques de fortaleza, cujos edíficios não estão pintados de branco. É ali que se inicia a extensa escadaria que desce para o porto local. Para a frente já não há muito mais, Oia acaba mas acaba em glória: os seus famosos moinhos, local muito popular para a observação do pôr-do-sol, erguem-se sobre a última secção da aldeia, que inclui muita acomodação turística, de aspecto exclusivo e total respeito pelo meio urbano envolvente. É ali que fomos encontrar a casa de “Summer Lovers”. Segundo os mais recentes relatos que encontrei na Internet, o edíficio era agora uma loja de recordações e arte, mas fomos encontrá-la fechada mas com sinais evidentes de presença humana. Enquanto confirmava que tinha perdido o pára-sol de uma das minhas lentes, vimos chegar um senhor carregado de sacos, que se dirigiu à casa e nela desapareceu. Talvez fosse o artista. Tinha aspecto de homem de belas-artes, mas fosse como fosse invejei-lhe a sorte.

Descemos até ao porto, pela estrada sinuosa que desce de forma menos abrupta do que as escadas e rampas pedonais. É a mesma que, divindindo-se, dá acesso a uma praia local que não tivémos oportunidade de visitar. Já sobre o porto posso dizer que vale a pena dar uma vista de olhos. Uns três ou quatro restaurantes com as mesas colocadas a centímetros da água aprontam-se para receber os turistas que por ali apareçam. Umas poucas casas dão abrigo a gentes locais e na pequena enseada um par de embarcações de pesca estão activas, com os seus patrões nas lides costumeiras. É dali que sai a ligação para Thirassia, uma ilha menor que se ergue das águas do outro lado do vulcão, e, fazendo parte do nosso roteiro, esse assunto interessa-nos. Deu para recolher informações sobre horários e preços.

O bilhete custa… 1 Euro! Mas o que é isto? Nada na Grécia insular custa 1 Euro, nem uma pastilha elástica. Provavelmente o Estado financiará o serviço, e não pude deixar de pensar no caos financeiro em que o país se encontra. É por estas e por outras. Como o caso do nosso anfitrião de Rhodes, que neste fim-de-semana viajou até à ilha vizinha na sua qualidade de funcionário municipal para supervisionar os exames. A nadar não esperaria que fosse. Mas o barco é a forma normal e económica de se colocar lá. Contudo foi de avião, às expensas do Estado. Gastou-se 120 Eur em vez de 25 Eur. E se é assim que um funcionário intermédio se trata e é tratado, como será com o peixe graúdo? Não, a Grécia não tem qualquer similiaridade com Portugal, em coisa alguma.

Se descemos pela estrada, subimos pelos degraus, numa lenta ascensão, dolorosa, bem suada. Bem lá no topo, numa localização à margem dos principais percursos turísticos de Oia, esperava-nos um restaurante que tinhamos mentalmente marcado pela manhã, quando ainda estava fechado a sete chaves, mas do qual emanava já uma onda muito positiva: uma esplanada plena de côres quentes, madeira natural e detalhes deliciosos e um menu à grego com preços nada gregos – ou seja, muito aceitáveis. Encomendámos meio litro de branco de Santorini (4 Eur), servidos numa garrafa sem rótulo, com a condensação da água a acentuar a frescura do néctar, bebido em pequenos copos como manda a tradição local. Para comer, salada grega e pimento recheado com queijo (8,5 Eur). Saímos de barriga cheia, muito bem dispostos e felizes com a decisão de gastar um pouco de dinheiro para usufruir de uma refeição diferente.


O nosso restaurante favorito em Santorini

Regressados a Thira, mudámos de imediato de autocarro, em direcção a Kamari. Trata-se de uma aldeia que cresceu para o turismo, mercê da praia de pedrinhas escuras que ali se encontra. Ao contrário do que se vê nas costas de Portugal e Espanha, em Santorini estas localidades mantiveram um certo ordenamento, sem edíficios altos nem outros desvarios. Observo também um bom gosto pouco comum nos povos do sul da Europa. As esplanadas, os cafés e os restaurantes que se estendem ao longo da marginal que serve a praia são decorados com muita piada. Apetece parar e consumir, e creio que essa é a ideia. O asfalto termina, mas a praia continua, e assim continuamos nós, a explorar os cantos a Kamari, num final de tarde muito agradável. Na “areia” algumas pessoas gozam dos encantos balneares. Existe uma enorme serenidade no ar, apesar da pista do aeroporto de Santorini se iniciar logo após a praia.

Ali mesmo, à beira água, uma pequena igreja, com o seu branco e azul característicos. Damos uma vista de olhos e depois decidimos ceder ao chamamento da praia e ficamos ali a ler, à sombra de uma árvore, a uma meia dúzia de metros da água. Calmaria. Practicamente ninguém em redor. Só o calor, o som das pequenas ondas a enrolarem-se nos infinitos seixos de reduzidas dimensões. Um gato sai da linha de árvores, a medo, com os olhos fixos em nós; aventura-se na praia para logo depois correr para a segurança de onde veio: terá sentido a aproximação de um cão que pouco depois por ali passou.

Antes de regressar a Thira subi o trilho de montanha, encosta acima, com um ângulo de progressão extraordinário, quase fazendo da caminhada uma escalada. A meio do percurso, uma capelinha saúda uma fenda na rocha. No interior, algo de raro: uma fonte natural, o som da água que escorre, pelas entranhas da terra. Ignoro o homem que no exterior vai executando uns exercícios de artes marciais, refugiado naquele ermo que claramente o inspira, e prossigo a ascensão. Mais tarde venho a saber que esta capela tem uma história trágica: ali foi encontrado o corpo de uma das duas pessoas assassinadas em Santorini desde que há memória. Dizem os rumores que a sua família esteve envolvida no desaparecimento de umas peças de arte sacra de valor incalculável, subtraidas da primeira igreja do Império Bizantino, ali mesmo, em Santorini.

Lá de cima a vista é incrível. Kamari parece observada do ar. Mas é tempo de regressar, que o sol já vai baixo, e se o seu deitar será já observado em Thira, a verdade é que a sombra tinha caído sobre meia praia, com o promontório a fazer valer a sua cortina para tapar os raios do astro-rei.

2 COMENTÁRIOS

  1. Boa noite. Estou indo para Santorini na proxima semana, e estava lendo seu relato e achei muito interessante. Preciso de dicas onde comer em Santorini, pois sei que a Ilha e cara. Tem o nome do restaurante que voces foram e que tinha precos honestos?
    Obrigado.

    • Ooops, esqueci-me de responder a esta questão. O problema é que o restaurante tem o nome em grego. Isso importa porque o alfabeto é diferente e é complicado tomar notas e reproduzi-las.

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