Finalmente em Goa. Calor, trópicos, humidade. Para alguns um imenso incómodo, tudo isto. Para mim, um tónico. Olhar pela janela e ver aquele jardim de palmeiras, ouvir as cigarras, sentir a primeira gota de suor a escorrer pelas costas. Gostei de viajar pela Índia mas nesta manhã sinto que agora é que vai começar, agora é que vai ser. E foi. Como o leitor que tiver a paciência para seguir estes escritos regularmente descobrirá nos próximos dias.

Este alojamento, prático pela proximidade ao aeroporto e pela possibilidade de nos transportarmos até Panjim de autocarro, ofereceu-me uma noite agradável, tranquila, bem dormida. Não tem pequeno-almoço mas o preço é justo e além disso, como viria a descobrir, existem opções magníficas para a refeição da manhã.

Saímos então de mochilas já às costas, e vou-me relembrando das maravilhosas vantagens de viajar leve. 5 kg numa mochila de 20 litros é como se não fosse carga. Dá para nos movimentarmos e apreciar as coisas sem quase dar pela carga. E assim foi. Depois de nos despedirmos da anfitriã e lhe devolvermos a chave, pernas ao caminho, até ao centro da pequena povoação de Bogdalo.

Não foi preciso andar mais de 100 metros para encontrar o primeiro vestígio da presença portuguesa. Um grupo de casas de clara traça colonial, daquelas que me fazem fechar os olhos e imaginar tudo o que terão já visto. Os risos que aquelas paredes terão escutado, as boas e más notícias que foram passadas ali dentro, as alegrias, tristezas, angústias. Tanta história a desfilar, mesmo para quem não a possa ouvir, pelo menos para quem a consiga imaginar.

Uma delas está abandonada. Trancada. Mas vê-se o interior desnudado. Numa das paredes, a única coisa que não foi levada, uma fotografia de um senhor, bem vestido. Vê-se mesmo ali que foi na casa que o retrato foi recolhido. Um olhar que mirava a câmara e que agora parece velar pelo seu lar. O que terá sido feito daquele homem e da sua família….? Em frente à casa, uma cruz cristã, com dois bancos. Depois de três semanas pela Índia isto é forte, é uma outra coisa, não é bem a tal Índia que preenche imaginários. Toca-me num outro compartimento, arranca-me memórias da minha educação primária, ainda talhada nos últimos anos de Estado Novo. Quando nasci, as tropas invasoras enviadas por Nehru tinham arrancado aquele bocadinho de Portugal há apenas quatro anos. Nos velhos manuais chegavam os ecos dessa província ultramarina e da violação do Direito Internacional cometida pela Índia. Não esqueci. E agora estou ali, para ver com os próprios olhos.

Segue-se o caminho até ao centro, que fica junto à praia. Há autocarros de 15 em 15 minutos, por isso dá perfeitamente para um passeio no areal. Vamos até à extremidade. Uma praia bonita sem ser fabulosa, localizada mesmo por detrás do aeroporto, de onde descolam aviões de combate indianos para alguns exercícios. Ali próximo existem alguns restaurantes de praia. Comemos num. Tanta escolha! Opto por um “porridge”, uma papa de cereais com leite. E o seu sabor era tão bom que nunca o esquecerei. A sério! De vez em quando vem-me à memória e causa-se um enorme desejo gustativo.

Foi fácil apanhar o autocarro para Vasco da Gama, uma cidade grande para a escala Goense, mas pequena para a Índia. Uma corrida rápida, talvez de vinte minutos, sempre a abrir, num pequeno autocarro decrépito. A bordo vinham três turistas indianos que também queriam ir para Panjim e que tiveram uma longa conversa com o motorista sobre onde apanhar o próximo autocarro. Foi só segui-los, tarefa fácil.

Esta outra viagem foi mais longa, sem nada de especial a dizer, olhos sempre bem abertos a observar aquele maravilhoso mundo novo. E de repente, a chegada  Panjim. Estação rodoviária cheia de animação, de cores, gentes em movimento, viaturas pitorescas a entrar e a sair, lojas com frutas exóticas e comidas desconhecidas, aromas misteriosos que se elevam nos ares, completando aquela tempestade sensorial.

 

A etapa seguinte foi igualmente simples. A vida em Goa foi-nos simples, quase sempre. Seguir o GPS até ao Abrigo do Botelho, uma pequena casa de hóspedes com uns seis ou oito quartos que, para mim, é simplesmente a única hipótese para se ficar em Panjim. Mesmo no centro histórico, no Bairro das Fontainhas, o núcleo da presença portuguesa, é gerida pelo simpático proprietário, o Roy. Uma casa colonial muito atractiva, com aquele ambiente especial que se procura em locais como Panjim. Foram dias incríveis, memórias ricas e uma promessa de regressar, talvez para ficar um mês… talvez no início de 2021. Fotografias do Abrigo do Botelho num outro dia. Não é uma casa fácil de fotografar.

Há a chegada, a conversa, a apresentação dos aposentos. Tudo agradável, tudo cinco estrelas. E depois, há aquela vontade incontornável de sair e partir à descoberta. O Roy é uma fonte inesgotável de conhecimento, sempre pronto a dar a informação costurada à medida do interlocutor.

Paragem para almoçar no Viva Panjim!, um restaurante que me conquistou. É do melhor que há em Goa e os preços, que maravilha, uma refeição completa, incluindo prato, uma grande garrafa de cerveja, sobremesa e uma aguardente de cajú a custar cerca de 7 Euros! Voltei e voltarei. E ali conheci o Dr. Menezes, um goense que se nos apresentou quando nos ouviu falar português. Um goense que fala a nossa língua como qualquer um de nós, um verdadeiro senhor com que foi um prazer conversar um pouco e que não seria a última vez que veria.

Falou-nos no Altinho, o ponto mais elevado da cidade, com amplo património arquitectónico, apesar de uma boa parte dele estar actualmente inacessível ao visitante. Deu-nos outras ideias, ouviu questões e problemas, apresentou as respostas e as soluções. E saímos. Em sintonia com esta imensa onda positiva, o dia estava lindíssimo. Um céu azul pleno e uma temperatura que apesar de elevada não era intolerável e permitia caminhar.

E lá fomos, para o tal Altinho, depois de nos fascinarmos com uma parte daquele Bairro das Fontainhas. Uma surpresa foi o número de pessoas que falam português. Ainda falam português, que desaparecerá com a partida das gerações mais idosas. O cenário é quase padrão: 1961. A invasão. Quem viveu esses momentos e ainda vive actualmente, fala a nossa língua. Os seus filhos percebem o idioma, falam pouco. Os netos, já estão noutra realidade, com algumas excepções.

Descobrir o caminho não foi fácil. Perguntámos aqui e acolá e sem a certeza que tomávamos o rumo certo fomos subindo. Não gostei especialmente do Altinho. Esperava umas vistas boas e nada, a vegetação tapa tudo. Encontrei foi cães que me assediaram e a situação só não foi pior porque algumas pessoas locais ajudaram com paus e jeito… os bichos não eram nada bons de assoar, mesmo a moça que veio em auxílio teve algumas dificuldades.

Por ali algumas casas mais ou menos interessantes e pouco mais. O melhor foi o regresso. À medida que se descia, agora pelo asfalto, sem atalhos, iam aparecendo residências de influência portuguesa. E a máquina, click, click, disparava sem parar. Cada casa era merecedora de retrato, todas tão coloridas, tão janotas. Chegámos ao centro, tentámos visitar a igreja da Imaculada Conceição mas um tipo mal encarado certificou-se que não entrávamos. Passavam 3 minutos da hora de encerramento para visitas.

Bem, em troca um tipo bem encarado veio-nos falar. Em português. Contou-nos a sua história e um pouco das suas memórias. Ali onde agora tinha uma lojinha que vendia insignificâncias como pacotinhos de sumo e pastilhas elásticas, trabalhara ele com o pai no tempo dos portugueses e por essa altura provinham as autoridades com uniformes produzidos na sua oficina de alfaite. Doces memórias.

Havia ainda tempo para uma volta pelo centro histórico de Panjim, observando aquelas casas lindíssimas. Reparei num bar interessante onde regressaria noutro dia, alguns locais onde comer. Letreiros em português, anunciando comércio e serviços. Não há muitas ruas, acabam por ser sempre as mesmas ao fim de alguns dias, mas que valor têm!

Na hora de recolher deu para descobrir um supermercado mesmo ao virar da esquina. Pouca escolha mas deu para trazer algumas coisitas para ter a certeza que não iria para a cama com fome. O serão foi passado no quarto, a relaxar e a descansar os músculos, até porque tinha sido um dia de muitas andanças, muito intenso, muito rico.

 

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