Depois de três anos basicamente a viver em Praga, é de certa forma surpreendente que nunca tivesse visitado a segunda cidade Checa, Brno. Essa palavra misteriosa que tanto me confundiu em criança pela quase ausência de vogais. Então, não sabia como pronunciá-la. Hoje, exposto á cultura e à língua checa, não me oferece quaisquer dificuldades.

Ora necessitando de me deslocar a Praga para rever amigos e recolher alguns dos meus tarecos, aproveitei os preços baixos da ligação Faro-Stansted-Brno (Ryanair) para por fim dar uma vista de olhos a essa cidade onde tenho aliás alguns conhecimentos. Fiquei duas noites com o meu amigo Jan, esse espantoso jovem que passou um ano em peregrinação pelo Extremo Oriente, aprendendo a sua querida arte do chá, em todas as suas dimensões.

 

 

Depois de um dia passado nos arredores do aeroporto de Stansted, onde explorei os bosques envolventes em busca de “caches”, cheguei a Brno já de noite. Fui uma sensação arrepiante voltar a pisar o meu país adoptivo. Sair do avião e receber a carícia gelada do ar de Inverno, frio mas seco, com os seus -5 graus a incomodarem muito pouco. Para meu deleite a neve caia, de forma estável, mantendo um manto branco todo em redor. Esperei pelo autocarro que me conduziria à cidade ainda em estado de puro prazer, aceitando os flocos de neve que me iam cobrindo. A viagem dura cerca de 30 minutos. Dei por mim no centro de Brno. A neve continuava a cair, e fingi não ver o eléctrico número 1 que passava à minha frente. “Apanha o 1”, tinha-me dito o Jan. Mas não consegui. Precisava de andar e absorver cada instante daquele serão mágico. Percorri uma boa parte da cidade antiga, até chegar à morada indicada. Não se via ninguém nas ruas. Ora isso foi um contraste inesperado com o bulício de Praga. Para já, tanto melhor. Trouxe um sabor adicional à experiência. Mas ficou marcado como um ponto negativo da cidade. Apesar dos muitos estudantes que vivem em Brno, o ritmo de vida parece ser muito pausado. Viver aqui não seria para mim.

 

 

O Jan acolheu-me com carinho, apesar de ter uma tese de mestrado para defender no dia seguinte e exames finais dentro de dois dias. Nessa primeira noite ficámos por casa, cada um no seu canto a tratar de coisa pessoais. Dormi bem.

Pela manhã, fomos dar uma volta pela cidade antiga, com direito a cicerone privado. Aqui e ali o meu amigo abria-se em explicações, apesar de ser bem evidente a tensão pela aproximação de um momento importante. Por fim dispensei-o, ciente do esforço que estava a fazer para ser um bom anfitrião. Sem necessidade.

 

 

Dei corda aos sapatos e caminhei sem destino. Percorri uma distância enorme, em direcção aos subúrbios, e depois, de regresso, em busca do centro da cidade. Foram mais de 20 km. Nevou por momentos apenas, e o frio era perfeitamente suportável. Foi uma jornada por Brno que aproveitei intensamente. Num dia e meio consegui adquirir uma ideia razoável do que é aquela cidade. O espírito moravo é bem diferente do que se sente em Praga. As pessoas, menos habituadas a estrangeiros, não revelam a antipatia em que se tropeça a cada passo na capital.

Já de noite cheguei a casa. Hoje tinhamos um pequeno encontro de Couchsurfers. Entre o chega e o sai fui conversando com a companheira de apartamento do Jan. Jovem médica eslovaca, a exercer no hospital público de Brno. Caminhámos os três até ao local de encontro. Brno tem um centro pequeno, e apesar da casa deles se encontrar na periferia da parte antiga, não leva mais do que 20 minutos a pé a chegar a qualquer ponto das zonas nobres da cidade. O serão foi agradável. Um dos presentes, iniciados no Couchsurfing, era também Geocaching, e quando descobriu que esse era um dos meus hobbies já não descansou, entre convites para regressar e ficar com a sua família e descrições das melhores “caches” de Brno.

 

 

 

No dia seguinte pela manhã caminhei até à estação de camionagem. Esperava-me o amarelinho, como chamo aos autocarros da Student Agency. Por 8 Euros compra-se o bilhete para um deles. Asseguram a ligação entre as duas principais cidades do país a cada meia-hora. E o serviço, como sempre, é de luxo: wi-fi gratuita durante a viagem, oferta de uma bebida, projecção de filmes.

Se a neve chegou comigo a Brno, sucedeu a mesma coisa em Praga. E tornaria a aparecer sete dias mais tarde para se despedir de mim, no momento em que partia para apanhar o autocarro de regresso.

Voltar a Praga não me trouxe o caudal de emoções negativas que antecipara. Nada de nostalgia ou da impressão que a cidade que amei jão não é a que encontrava ali. Pelo contrário, a convicção de que voltarei, para já como um filho que visita a casa de família, e depois, mais tarde, quem sabe, para uma permanência mais prolongada, como no passado.

 

 

Sobre os dias em Praga não entrarei em detalhes, até porque tal tema teria apenas cabimento no meu blog Um Português em Praga. De qualquer modo, não haveria muito a dizer fora do âmbito pessoal. Os amigos que mantenho na cidade não me deixaram tempo para um comportamento de visitante. Foi um desfile sem fim de encontros e reencontros, de pequenas e grandes festas, de almoços e jantares. Apenas num par de ocasiões consegui oportunidade para rever algumas partes da cidade mágica. Mas deu para sentir alguams diferenças desde que parti, há oito meses: os preços continuam a subir e o custo dos bens no supermercado é agora mais elevado do que em Portugal. As pessoas estão mais civilizadas, o que aliás ouvi repetidamente da boca dos meus amigos. Se isso, apesar de “per se” ser algo positivo, me agrada, não sei. Gostava da Praga que conheci, hostil e genuína. Não me importaria que assim permanecesse. Não é normal caminhar no enorme parque de Stromovka e ao cruzar-me com dois agentes de polícia a cavalo eles me desejarem um bom-dia com um enorme sorriso; não é normal dirigir-me à Vodafone para resolver um problema com o SIM e ser atendido por um jovem com fluente inglês e um sorriso permamente do tamanho do mundo; não é normal que um homem de meia-idade, ao ver-me um pouco confundido com a máquina de bilhetes do metro me pergunte em inglês se preciso de ajuda. Tudo isto pode parecer positivo, mas não faz parte da Praga por que me apaixonei.

 

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