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Lá fora o clima não prometia. Que chatice. Tomo o pequeno-almoço com a minha anfitriã e vou recebendo sugestões para o dia que tenho pela frente. Onde ir, como ir, no que reparar… algumas ideias são descartadas de imediato… nem pensar em visitar o museu da cidade, por mais brilhante que seja… não me interesso especialmente por museus, muito menos de cidade, muito menos com bilhetes a preços exorbitantes. De novo o sentido de custos muito próprio da Estónia. E estamos nesta conversa quando olho pela janela, e que vejo eu… está a NEVAR! Sim, estamos em Maio. Mas está mesmo a nevar. Que raio de praxe.

Bom, com neve ou sem neve, tenho que me pôr a mexer, até porque a dona da casa tem que trabalhar. Na rua está frio, e a neve cai misturada com chuva. Como a temperatura está acima do zero, a neve não se forma no chão, derrete de imediato. A ideia é caminhar até dar com o cemitério, mas depois de andar um quilómetro ou algo assim decido mudar de plano. O tempo está desagradável de mais para uma longa caminhada e uma vez a andar quer-me parecer que o diabo do cemitério é mais longe do que parecia.

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Mudança de plano. Vou cirandar em direcção ao terminal de ferries e dali procurar a velha prisão abandonada que é agora uma espécie de museu. Mas já voltamos a este assunto. Para já passo por mais ruas a meu gosto, com casas de madeira, que dão um toque de cultura báltica a esta parte da cidade. Encontro duas enormes locomotivas, em exibição pública, em locais diferentes. Ainda ensaio umas explorações alternativas… vejo degraus de pedra danificados, como que uma escadaria monumental votada ao abandono e subo por ali acima… vou ter a um jardim fantasma, sem ninguém, com uma vista interessante sobre o núcleo histórico da cidade. Depois, tenho que voltar para trás, que aquilo só tem mesmo aquele acesso.

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A Gaili tinha-me falado num mongo urbano, um projecto de espaço de diversão deixado ao abandono, ao lado do terminal portuário. Encontro-o, mas não o acho interessante. E estando fechado e bem fechado, só posso ver de fora. Passo à frente… encontro sem dificuldade o caminho para a tal prisão, é simples, basta seguir junto à costa. E não é longe. Talvez pouco mais de 1 km.

A prisão de Patarei foi mandada construir pelo czar Nicolau I em 1828, ficando completa em 1840. Inicialmente era um quartel, mas depois da Revolução Comunista foi transformada em prisão e com essas funções se manteve desde 1920 até depois do colapso da União Soviética. Agora, o o local tem de extraordinário é a solução para o problema destes grandes edíficios que por razões diversas tiveram que se abandonados. Geralmente o destino de sítios assim é dramático: são saqueados por gente de poucos escrúpulos que os esventram retirando tudo o que possa ter algum valor, incluindo a cablagem de cobre de dentro das paredes. Ora existe um nicho de mercado formado por pessoas que se interessam pela exploração e visita de locais abandonados (a esta actividade chama-se Urban Exploration, ou, de forma abreviada, Urbex, e tenho um blog específico sobre isto, em inglês apenas, o Urbexzone). Quem anda nesta actividade sabe que uma vez um edíficio abandonado, há uma franja de tempo reduzida até os vândalos e larápios retirarem toda a alma do local, enchendo-o de lixo e graffittis, quem são deixados em troca pelo recheio original que possa ter sido deixado para trás.

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Ora o que fizeram com Patarei é algo que nunca tinha visto: mantendo a atmosfera de local abandonado é cobrado um bilhete (de 3 Eur à data da redação deste texto) que dá acesso a uma boa parte do complexo. Existem alguns confortos em pontos limitados, como luz eléctrica, mas basicamente o ambiente mantém-se. E quem está por detrás disto?  Creio ser uma associação de preservação da prisão. O que é certo é que os seguranças de serviço têm caras de poucos amigos e certamente são bem capazes de manter afastados das instalações as gentes com intenções menos nobres. E entretanto, quem vier por bem é bem-vindo a troca de 3 Eur.

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A experiência é incrível e naquele momento agradeci aos deuses do clima pelo tempo desagradável, porque é mesmo que se precisa para optimizar o ambiente… os corredores são escuros e frios, há correntes de ar. A personalidade triste da prisão é reforçada pelo cinzento envolvente. No interior dos edíficios nunca se sabe a surpresa que espera ao virar da esquina. Há salas do aparelho administrativo com papelada espalhada. Algumas teriam uma função que agora não é clara. Foi preciso um bom bocado a espreitar as infinitas divisões da prisão para dar com algumas celas. Individuais, provavelmente de castigo, frias, escuras, desagradáveis ao extremo… e também colectivas, com beliches alinhados. Vi cozinhas e latrinas, corredores enigmáticos, por vezes interrompidos por barreiras instransponíveis. Acabei por sair para o exterior, onde passei pelo que parecem ser celas ao ar livre, divididas por alvenaria e cobertas com arame. Subi às torres de vigia, passei em corredores metálicos suspensos sobre os páteos. Depois voltei a entrar, e, basicamente, conclui a visita em grande, no ponto mais espectacular: o hospital do presidio, ainda com mesas de operações e outro equipamente que hoje é de arrepiar. Em inglês há uma palavra muito adequada: creepy!

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Não quis descrever a exploração da prisão em grande detalhe para não castigar o leitor, mas foi uma visita muito detalhada. No total levei quase três horas, metendo o nariz em tudo o que consegui. Sem dúvida alguma, o momento mais alto da passagem pela Estónia e um dos melhores desta viagem. Por outro lado, uma das experiências mais interessantes de urbex que já tive. E pensar que esteve para não acontecer…. é que quando lá cheguei encontrei os portões fechados… vi o horário… faltavam 15 min para abrir… esperei 25 min e nada… e quando já estava para me vir embora, chega um carro, o portão abre-se pela mão de um segurança muito mal-encarado (natural, devia ser estónio) que depois da viatura passar vira as costas e deixa a abertura… entrei a medo, passeio pelo primeiro páteo e… de facto… estava aberto. Mais à frente comprei o bilhete numa roulotte e entrei para a área reservada aos portadores de ingresso.

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Mesmo ao lado da prisão fui encontrar o museu do porto de hidroaviões. Mais uma vez nem pensar em visitar… 10 Eur. Mas mesmo assim o local tem interesse e mesmo à sua beira existe uma exposição gratuita de material de transporte militar. Fora isso, em redor do hangar que agora é museu, estão expostas algumas embarcações que vale a pena visitar (subir a bordo parece ser reservado aos portadores de bilhete do museu, mas só me apercebi disso depois de ter entrado em dois navios-patrulha… e ninguém implicou comigo).

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 Acabei o dia percorrendo de novo as ruas da cidade antiga. Afinal de contas tinha que preencher o tempo com alguma coisa. A chuva continuava a cair, parando por vezes, e foi assim ao longo de todo o dia. Estava frio, desagradável, e por esta altura já não me apetecia muito estar em Tallinn. Mas ainda tinha um dia pela frente. Passei pelo supermercado antes de ir para casa. Neste serão cozinhei arroz doce e a Gaili fez uma quiche deliciosa.

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