Nas ruas de Belchite reina um silêncio perturbador. Mas há há pouco mais de setenta e cinco anos as coisas eram bem diferentes. Por essa altura Espanha estava em plena guerra civil e a cidadezinha, localizada em Aragão, a uns 40 km a sudeste de Saragoça, tinha cerca de 3 mil habitantes. O exército Republicano tentava desesperadamente chegar à capital da região, e Belchite interpunha-se-lhe, defendida por unidades de Franco. Quando a batalha terminou, os atacantes puderam içar a sua bandeira nos destroços da cidade, que serviu de túmulo a mais de seis mil combatentes.

Terminada a guerra, o general Franco decidiu manter as ruínas intocadas, como testemunho da barbárie comunista. Uma nova Belchite foi-se erguendo ao lado do “pueblo viejo”, construída basicamente por prisioneiros políticos. Hoje, a cidade não é mais do que uma aldeia. Com o tempo perdeu importância. O encerramento da fábrica de cablagem que a Opel ali mantinha destruiu todos os postos de trabalho disponíveis para a comunidade. Saragoça é demasiado distante para uma viagem diária em busca do ganha-pão. Os jovens partiram, ficaram os velhos para trás, e isso sente-se nas ruas.

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Chegar a Belchite não é complicado. Todos os dias com excepção de Domingo existe um autocarro que às 10:30 sai da estação central de Delicias. O bilhete custa 4,60 Eur para cada lado, e se for um pouco mais cedo poderá passar pelo excelente posto de turismo e recolher alguma documentação sobre a aldeia e as suas imediações. Se tudo correr dentro da normalidade o visitante descerá no centro de Belchite uma hora depois, e não terá dificuldade em encontrar a “aldeia velha”.

Infelizmente, e desde Fevereiro de 2013, a autarquia vedou com uma barreira simbólica o perímetro à zona em ruínas, e espalhou profusamente cartazes em espanhol que avisam que o acesso sem a companhia de um guia local não está autorizado. Por isso, se planeia visitar será melhor proceder a uma reserva prévia através do e-mail [email protected]. Ou então, saltar o fio colocado à altura do joelho e esperar não ser avistado. Se o for, as consequências são nulas. Na melhor das hipóteses o pessoal não estará para se incomodar. No pior cenário, será simpaticamente convidado a sair da área, o que poderá fazer calmamente, aproveitando para completar a visita. Dica adicional: se chegar pelas 14 horas, em plena hora da siesta, é muito pouco provável que seja incomodado no decurso de uma visita “pirata”.

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A visita guiada tem algumas vantagens. É barata (6 Eur por pessoa) e esclarecedora. Aprendi onde era o casino da comunidade, a história da misteriosa cruz de ferro – construída pelos prisioneiros para repor uma outra, de madeira, que existia no mesmo local. Foi-me explicado como é que a batalha decorreu e o processo que conduziu à construção da nova Belchite. Foram quase duas horas de conversa despreocupada, durante a qual a guia transmitiu o seu profundo conhecimento do local. E depois, ou tive sorte ou o pessoal é sempre simpático e bem disposto, tornando a experiência mais próxima de um passeio com um amigo do que de uma formal “tour”.

Quanto às ruínas, as fotos falarão melhor do que quaisquer palavras, mas atrevo-me a escrevinhar algumas… a entrada principal na vila oferece logo um impacto fortíssimo, vendo-se a “calle mayor” para além do arco do antigo portão. Da maioria das casas restam apenas algumas paredes, e os escombros cobrem tudo em redor. Apenas os eixos principais foram limpos, para que os visitantes possam circular sem perigo de maior. Destacam-se as duas igrejas, a torre do relógio e a antiga fonte da qual só resta a base (o resto foi furtado pela calada da noite há um par de anos – os actos de vandalismo e os riscos de derrocada em vários pontos foram as razões que levaram a autarquia a interditar a área a visitantes). O ambiente é incrível. Conseguem-se sentir os fantasmas que por ali andam, “mortinhos” por contar as histórias de uma cidade que desapareceu. Tudo aconteceu há mais de 75 anos, mas podia ter sido ontem. O cenário remete para as imagens de cidades alemãs arrasadas pelos esquadrões de bombardeiros Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Aquelas paredes nuas, os escombros, a devastação.

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Após a visita pode-se sempre subir aos Calvários, num monte adjacente, onde os Falangistas escavaram posições de artilharia na rocha, que ainda hoje se mantêm. Para lá chegar, ao sair do “pueblo viejo”, contorne pela esquerda. No decorrer do agradável passeio usufruirá de uma vista geral das ruínas de belchite.

Depois, resta esperar pelas 15:35, quando o autocarro de regresso à cidade passa. Apanha-se no mesmo local onde se desceu. E assim se passa um belo dia, que complementará da melhor maneira uma deslocação de fim-de-semana prolongado a Saragoça, uma cidade agradável, com boa gente e muito “visitor friendly”. A Ryanair voa para lá.

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Poderá ver o artigo sobre Belchite que publiquei na Urbexzone, com mais imagens, ou ler a descrição da viagem a Saragoça e Belchite no blog.

3 COMENTÁRIOS

  1. Obrigado pela partilha. Não fazia ideia da existência deste lugar apesar de já ter passado tantas vezes por Saragoça.

  2. Gostei demais, pretendo visitar, gostaria de outras referências sobre os anarquistas espanhóis, pontos de encontro e memória.

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