Há sítios assim. Mal nos aproximamos e sentimos o peso de um passado glorioso, daqueles tempos idos, de um apogeu que já foi e não volta mais. O Baron Hotel – também conhecido por Hotel Baron ou, simplesmente, Le Baron – é um destes locais.

Tudo começou nos finais do século XIX. Corria a década de 70 desse século quando um arménio de nome Mazloumian, que viajava em peregrinação para Jerusálem, chegou a Aleppo. Já nessa altura a cidade palpitava, plena de energia cosmopolita, atraindo viajantes e excêntricos turistas ocidentais. Mas por mais bizarros que fossem tais aventureiros, como muito bem notou Mazloumian, tinham dificuldade em adaptar-se às condições de vida nos comuns caravensarais, que então eram o alojamento por excelência por esta parte do mundo.

O arménio apaixonou-se pela cidade e por um projecto: construir o primeiro hotel de Aleppo. Nasceu o Ararat, que poucos anos mais tarde viu o seu nome alterado para Baron Hotel.

Mas este hotel tem muito mais do que um passado cronológico. Foi aqui que Agatha Christie escreveu uma grande parte de uma das suas obras maiores, “Crime no Expresso do Oriente”, e nos seus quartos pernoitaram personalidades como Kemal Ataturk, que fundou a actual Turquia após as cinzas do Império Otomano, que até ao final da Primeira Guerra Mundial dominava o que é hoje a Síria. Lawrence da Arabia dormiu no quarto 202, que abandonou sem pagar a conta; a factura por liquidar encontra-se ainda afixada em lugar de honra, para que todos os visitantes a possam ver. Mas há mais: foi da varanda da suite 215 que o rei Faisal declarou a independência da Síria após a Segunda Guerra Mundial. E se o visitante quiser fechar os olhos e soltar a imaginação, poderá sentir as fragrâncias que rodearam as visitas de Charles de Gaulle, do rei Gustavo VI da Suécia, do presidente egípcio Nasser, do multimilionário David Rockfeller, Freya Start, Julie Christie, o presidente dos EUA Theodore Roosevelt, o pioneiro da aviação Charles Lindbergh, o primeiro homem no Espaço que foi Yuri Gagarin….

Hoje, ali está ele. Numa cidade semi-destruida pela guerra civil que há um par de anos consome a Síria. Numa situação ainda pior do que a que lhe fui encontrar em Novembro de 2011. Lembro-me como se fosse hoje. Da excitação de ali estar, de recitar para os meus botões a lista de ilustres personagens que ali tinham estado, pisando as mesmas pedras onde agora assentava as solas das minhas modestas sapatilhas, olhando para as mesmas fachadas, saindo para a rua em que caminhava. Como seria, se pudesse viajar no tempo, ali sentado, à porta do Baron Hotel. Ver a face real daquele oficial subalterno do Exército Britânico, apenas glorificado post-mortem, a não tão bela Agatha Christie, e todos os outros mencionados, num desfile digno de um museu Tusseau?

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Mas nenhum me apareceu. E assim, abri a porta a medo. O interior estava na penumbra, cheirava a mofo e não se via vivalma. Espreitei uma sala de refeições. Vazia, quase abandonada, janelas adornadas com cortinados caducos. Atrás do balcão da recepção, uma velhota, decidida a não reagir à minha presença. Logo apareceu um senhor, já pela casa dos 70, a quem perguntei se podia dar uma vista de olhos. Encolheu os ombros, como quem espera ver chegar um monarca, e, na sua falta, se recusa dignar dirigir a palavra a um plebeu. Mais tarde, já de volta a Portugal, disse-me uma amiga australiana que vivia em Aleppo, que foram precisos meses a ir diariamente ao café do Baron Hotel, numa rotina que passava por sorrir e cumprimentar a recepcionista, para finalmente obter de volta uma vaga expressão amigável.

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