Hesitei bastante na hora de incluir Hoi An no meu roteiro desta viagem por terras da Indochina. Considerado pelos leitores da Lonely Planet o melhor destino do mundo em 2013, citado e referenciado em tudo o que é revista e blog de viagem, era por tudo isto suspeito de ser apenas mais um local arruinado pela afluência em massa de turistas de todo o mundo e, portanto, a evitar. Foram horas a ver fotografias, a ler testemunhos, naquela indecisão lancinante, que fazia balançar do “não, então, mas isto está cheio de turistas, deve ser mesmo horrível” para o “bom, nesta e naquela imagem parece até encantador”.

Por fim ganhou o “sim” e de tal forma que acabei por atribuir a Hoi An quatro noites, fazendo desta cidadezinha vietnamita um pólo de repouso a meio do mês que haveria de durar a travessia da região.

Foi quase amor à primeira vista. Quase todos entram em Hoi An vindos de Danang e por essa altura o charme da zona antiga está longe da vista. O que se vê são umas quantas ruas cheias de pequenos hotéis e comércio para turistas e a coisa assusta. Medo! Mas depois tudo mudou. O hostel encantou, com a sua dormida a 7 Eur num quarto privado com casa de banho e ar condicionado, piscina interior e pequeno-almoço incluído. Com logo um mega-hamburguer regado com um copázio de sumos naturais de tantas frutas que nem sei. E depois, forças retemparadas, foi partir à descoberta da verdadeira Hoi An.

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Encontrar o quarteirão antigo foi simples, bastou seguir o fluxo de pessoas. E ao cruzar aquela derradeira rua que define a fronteira entre a velha e a nova Hoi An, entra-se numa outra dimensão, onde a palavra magia – com tudo o que tem de cliché – não pode deixar de me vir ao pensamento.

No fundo são meia dúzia de ruas, umas centenas de metros no total, mas cada palmo daquele bairro é único. Deixem-me colocar as coisas deste modo: nunca em lugar algum fotografei tanto como em Hoi An. Cada casa pisca o olho ao fotógrafo e o obturado não pára. São edifícios mantidos num equilíbrio miraculoso entre decadência e charme, traços de uma presença colonial ida, uma pegada de França na Indochina, com as suas fachadas pintadas de cores pastéis onde apenas as motorizadas e os obesos turistas norte-americanos nos despertam para a realidade do século XXI.

Não me perguntem como é que a fórmula funciona, como é alcançada esta coabitação mas é assim mesmo: em Hoi An verificou-se uma invasão turística, ainda em curso, absorvida harmoniosamente pela estilo de vida local. Há milhares de visitantes, mas existe algo no ar que serve como um antídoto, que preserva a alma do local, que mantém os vietnamitas ali, vivendo as suas vidas enquanto comunidade, em vez de serem arrastados para a periferia por força de terceiros ou por vontade própria.

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Anda-se ao longo daquela rua marginal, cheia de bares e cafés, e nem uns nem outros parecem ser uma imposição da globalização. É como sempre ali tivessem estado, e os franceses, alemães e norte-americanos sentados às mesas diluem-se no espírito de Hoi An. É assim com naturalidade que a seguir a uma esplanada um grupo de velhotes jogue às cartas, sentados em cepos de madeira, com um bidão como mesa. Não importa que um grupo de europeus entre para um museu quando na esquina seguinte começa o mercado onde os habitantes locais se abastecem de todo o tipo de frutas e legumes, de peixe e marisco, daquelas pequenas coisas que fazem falta em casa e de tudo e mais alguma coisa, numa imensa nuvem de som, cor e aromas.

De Hoi An guardo na memória as populares ruas de um centro que faz da cidadezinha um local classificado como Património Mundial da UNESCO, mas também os campos de arroz dos arredores onde se dão passeios divinais, cumprimentando aqui e acolá pescadores que de linha esticada tentam a sua sorte, camponeses que passam por nós de bicicleta e patos que com a boa disposição de todos os habitantes por ali andam na sua vida. E os sabores, os sumos fantásticos, o rapaz com a camisola da Selecção Nacional, a simpatia e o bom-humor, a força positiva que anda no ar, o serão no barco a ouvir um cantor local a interpretar John Lennon no ambiente mais intimista que se possa imaginar, quase familiar, nós, a dona do estabelecimento, e quatro vietnamitas na mesa do canto.

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Lembrar-me-ei do regatear de um corte de barba que resultou em tortura requintada durante a qual pensei ir perder toda a pele da face, do anjo que apareceu da multidão propondo por um dólar arranjar-me as unhas dos pés quando uma se me cravava já na carne do dedo, das velas lançadas ao rio, vendidas por um par de gémeos ainda meninos, dos lentos pôr-de-sol, da pizza picantissima como nunca provei acompanhada por uma deliciosa cerveja nacional, da inglesa tresloucada que cismou em ajudar um vendedor ambulante a despachar a sua mercadoria, da estranha festa – semi bailarico, semi-baile – que decorria mesmo no centro, e onde apenas as pessoas da comunidade percebiam o que se passava perante o olhar curioso de menos de mão cheia de turistas. Ai aquela feira nocturna com as lamparinas coloridas, num festival para os olhos apenas vagamente igualado pelos tons e padrões das tigelas de arroz à venda sobre tapetes esticados no solo…

E havia as pessoas, os noivos que se passeavam placidamente em barcos a remos sulcando as águas calmas do rio, as barqueiras que asseguravam a travessia do curso de água, o “gasolina” carregado de bicicletas e motorizadas, as pontes decoradas com dragões feitos de talha dourada, os templos misteriosos, os céus azuis e a temperatura perfeita.

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Tudo isto foi Hoi An. Umas das memórias mais doces de um mês errante pela Indochina que já foi francesa. Faz-me sorrir.

Poderá ler a narrativa diária da passagem pelo Vietnam nas crónicas do Cruzamundos de Hanoi e Can Tho. Mais detalhes com Hoi An no Wikipedia, Hoi An no Wikitravel e Hoi An no Lonely Planet.

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