12 de Novembro

 

 

 

Hoje foi o dia que deveria ter sido ontem. A véspera foi uma aberração, uma nódoa no plano.  A ideia era explorar Amman com as sobras, um bocadinho aqui, outro acolá, e afinal ficámos pela capital e todo o esquema teve que ser alterado. Isto porque, depois de ler cem vezes que nada havia para ver em Amman para além do anfiteatro romano (nunca mais aprendo a não dar crédito a este tipo de afirmações), a verdade é que a cidade nos manteve entretidos e felizes durante todo o um dia. E assim podemos adaptarmo-nos um pouco a este novo mundo, antes de sermos lançados aos leões, ou seja, de descobrirmos o nosso caminho em viagens de dia inteiro para destinos na província.


Em princípio, apanhar um táxi num ponto qualquer da cidade não apresenta os problemas de lidar com os taxistas fora do perímetro urbano ou nos pontos de chegada (aeroporto, estações de autocarro, etc). Existem tantos táxis em Amman que, fora das horas de ponta, esperar mais que dois minutos por um carro livre é uma desgraça. Ainda por cima, no topo da rua existe uma praça não oficial, e costumam estar por lá parados dois ou três (não será por coincidência que existe ali um café aberto vinto e quatro horas por dia, que os  taxistas frequentam religiosamente). Portanto, o transporte para a mesmissima estação de autocarros aonde chegámos vindos do aeroporto custou cerca de 2 Eur, metade do que tivémos de pagar no percurso inverso.

É Sábado e de manhã cedo não há trânsito nas largas avenidas de Amman. O táxi desliza pelos tapetes de asfalto deixados por nossa conta. Num instante estamos na estação de autocarros e aquilo que se adivinhava complicado foi afinal de uma simplicidade desconcertante… procurei com os olhos um condutor que me inspirasse simpatia e confiança, encontrei-o,  e perguntei-lhe pelo autocarro para Adjloun. Apontou-me de imediato, era mesmo ali, na plataforma seguinte.

No autocarro, enquanto nos altifalantes o Corão é lido sem parar, numa ladainha ritmada, reparo num passageiro que parece muito interessado em nós. Às tantas, sob o pretexto de ajustar os assentos para que uma mulher se sente ao lado de outra mulher, passa para o meu lado. E depois de muitos olhares de soslaio, a ganhar coragem, mete conversa. As perguntas usuais… de onde éramos, para onde íamos… e depois a grande questão: o que estávamos a achar da Jordânia. Eu começo por lhe responder com a verdade… que tinhamos chegado na véspera, que ainda era cedo para formar uma opinião… mas aqueles olhos fitava-me com uma mensagem inequívoco, tipo… “e…?”… pronto, tive que dizer… “so far, seems nice”. Palavra mágica. Ao som de “nice” a cara rasga-se num enorme sorriso: “Nice huh?”.

Em Adjloun temos que apanhar um táxi para o castelo. 4 Eur. Chulice, claro, mas sem grandes opções e pouca vontade de teimar, lá foi aceite a proposta do velho crápula. Aquilo são uns 3 km apenas, numa estrada que não deixa dúvidas. Da cidadezinha vê-se a fortaleza. Mas o calor começa a apertar e aquilo é sempre a subir. Diz-se que há um autocarro, mas este tem fama de sair quando lhe apetece, e ninguém sabe dar pormenores.

O bilhete para o castelo custa 1 ou 2 Eur e adquire-se umas centenas de metros antes, no centro de visitantes. Esta fortaleza, ao contrário da maioria que se encontram por estas paragens, é de origem árabe, e foi construido para se opôr às expedições dos cruzados. Como não sou de me perder com factos e detalhes dos locais que visito, fica aqui o artigo Wikipedia para quem quiser informações específicas.

À entrada, um homem vende café e chá. Tivemos direito, obviamente, a preço para turista: 1 Eur. Certamente que o chefe de família jordano que se nos seguiu não pagou a mesma quantia pela sua bebida. Isto chateia, mas não estraga a manhã. O castelo não impressiona. É um dos pontos incontornáveis para o visitante que está baseado em Amman, mas, sem desagradar, não impressiona mesmo nada. O que dizer de um castelo comum, pelo menos aos meus olhos? Está num alto, tem torres defensivas, túneis, ameias e uma bela vista. Um casal relativamente jovem procura uma das torres para namoriscar. Sem mais nem menos, oferecem-nos água… sumo… tudo o que têm. Andam outros estrangeiros por ali. Mas às tantas estamos practicamente sozinhos. Aparecem dois elementos da polícia de estrangeiros. Ao fim de duas semanas na Jordânia não consegui perceber se este corpo especial de polícia existe para proteger os jordanos e o seu património dos turistas, ou se os turistas dos jordanos.  O que é intrigante é o elevado número destes polícias. Nos pontos mais remotos e inesperados do país, lá está o pequeno posto de polícia de estrangeiros. E nas principais atracções, são aos cachos, invariavelmente ociosos, na brincadeira uns com os outros.

Ainda é cedo quando damos por concluída a visita ao castelo. Claro que para baixo, quando todos os santos ajudam, nem nos passou pela ideia largr mais 4 Eur noutra corrida de táxi. A pé! E que boa opção que foi! Tivemos tempo para sentir o pulsar da vida local. Torna-se óbvio que Adjloun existe uma comunidade cristã bastante sólida: há lojas que vendem bebidas alcóolicas, muitas mulheres sem lenço na cabeça… vimos até um táxi com condutor feminino. Paramos numa padaria artesanal e compramos uma pilha de pão de especiarias. Não me perguntem quais, só sei que era muito amarelo e cheio de sabores… demasiado cheio, que nunca conseguimos comer mais do que um dos quatro que foram adquiridos por 0,50 Eur.


A cidade é gira, vale a pena dar uma volta, observar os habitantes, o comércio. Há muita gente, nas suas lides diárias. Os putos que vão para a escola, as mulheres às compras, e, de forma geral, toda a população parece estar na rua, a fazer algo. Contudo, estamos ligeiramente perdidos. Queremos encontrar a estação de autocarros, mas apesar de termos uma ideia vaga da direcção a seguir, quero ter a certeza. Vejo um pequeno autocarro a abastecer numa estação de gasolina e vou lá perguntar. Apontam-me o caminho a tomar, era  que eu pensava. Quando nos afastamos chamam-nos. Ah pronto… é uma boleia. Não pedimos mas foi oferecida. E ali vamos, com um autocarro privado, como um grande táxi (minto, ia uma garota a bordo, talvez filha do condutor), que nos larga mesmo em frente da fila de gente que aguarda o transporte para Jerash e Amman. Sem margem para dúvidas, condutor e provável filha dizem que é mesmo ali.

Seguiu-se uma longa espera. Como é Sábado há muita gente a querer ir à capital passar o resto do dia. E só há autocarro de meia em meia hora ou mais. O primeiro chega, e somos excluidos por uma unha negra. Certamente apanharemos o segundo, somos os primeiros da fila. Isto até determinado ponto, porque nestes países furar filas é um defeito enraizado. Quando finalmente, depois de uma eternidade, chega o próximo autocarro, é quase à justa que conseguimos entrar, tamanho o descaramento desta gente. Claro que na hora e meia que estivemos na fila houve oportunidade de ver mil e um detalhes. As mulheres militares que chegam num enorme autocarro do Exército. O tipo que nunca perceberemos se era louco ou se efectivamente trabalhava na coordenação dos autocarros (provavelmente um misto das duas hipóteses). Os “pintas” de fim-de-semana que conduziam os seus carros “kitados” para a frente e para trás. O jipe da polícia que lhes seguia o exemplo.

A longa espera estragou-nos o plano. Depois de uma viagem no autocarro feito lata de sardinhas, chegamos a Jerash (fica já dado o link a quem quiser ler sobre a história e significado do local).  Este sítio é o segundo mais procurado pelos turistas na Jordânia, a seguir a Petra. É uma cidade romana, enorme, apesar do epíteto parecer exagerado a quem quer que tenha passdo por Palmyra. Por esta altura a fome apertava, e à vista nada para comprar um naco de comida. Lá dei uma corrida, e acabei por encontrar um pequeno supermercado, onde adquiri umas coisitas básica, enquanto era apaparicado pelos donos que quase me ofereciam vénias enquanto me sugeriam, com conta peso e medida, alguns dos seus produtos. Sai de lá com tapete vermelho e uma mão cheia de embalagens diversas, que me custaram muito pouco.

Quando encontrámos a bilheteira e desembolsámos os 9 Eur do bilhete, já a tarde ia tão avançada que as pedras amarelas dos vestígios romanos estavam transformadas em cor de laranja vivo. Era evidente que não teriamos muito tempo para explorar o local, isto quando o meu Rough Guide aconselhava a dedicar um dia inteiro a Jerash. Afinal, foi suficiente. Tal como o destino da manhã, foi agradável mas não impressionou à medida esperada. Sim, a avenida principal é majestosa. Sim, os dois anfiteatros são interessantes. Assim como os restos de edíficios e tudo o mais. Mas não é aquilo que se espera de um local onde devemos passar um dia e para o qual o bilhete custa 9 Eur. O que mais agradou foi mesmo o anfiteatro pequeno, cheio de detalhes que não serão encontrados sem uma devida preparação, e os músicos que tocavam no anfiteatro grande,e sperando umas moedas em compensação. Gostei da música, fartei-me de tirar fotos, mas não larguei nada… ao preço a que custa a entrada, considero que tem que cobrir isto e ainda mais.

À medida que o tempo avançava e os visitantes rareavam a experiência de Jerash melhorou um pouco. Para o fim estavamos practicamente sozinhos e o ambiente tornou-se mais intenso. Era contudo hora de regressar. Tinha lido que pelo menos até às 16 horas podia contar com autocarros de regresso a Amman, mas os polícias de estrangeiros junto ao portão de saída fartaram-se de rir de tal pretensão. Não, já não havia autocarros. E agora? Agora podem ir a pé, diz um deles de sorriso aberto, para logo de seguida nos apresentar a salvação: bastaria ir para a zona habitual e alguém apareceria ao volante de um carro disposto a transportar-nos pela mera quantia da divisão do combustível. E, já sabendo como são as coisas, disseram-nos logo o preço justo.

Afinal não foi preciso chegar sequer ao ponto do costume. Mal saimos do recinto veio a primeira buzinadela. Olhei de lado, não gostei do aspecto do marmanjo, fiz-me despercebido. Um minuto depois, outro. Com este decidi negociar. Pediu-me 100 USD pelos dois. Não consegui evitar, dei uma gargalhada expontânea, porque soava mesmo a piada. Não deu muito trabalho a regatear o preço. 8 Eur para os dois e pronto. Claro que a descida do preço se fez em escadinha, mas acho que ficou evidente que sabia muito bem o preço normal e que tudo o resto fez parte do ritual pré-estabelecido. Entrámos, e conosco entrou outro jordano. E mais à frente uma moça. Ela saiu primeiro, muito antes da chegada a Amman. Pelo caminho o jordano que ia à pendura fartou-se de falar. Rapaz avantajado, em massa corporal e simpatia. De tal forma que quando o condutor nos largou às portas da cidade, bem ciente que estávamos longe à brava do centro, fartou-se de regatear, em nosso nome, mas sem resultados prácticos. O condutor não se compadeceu e ficámos ali os três. O nosso novo amigo deu-nos as indicações que podia, indicou-nos o supermercado “a sério” que pedimos e seguiu viagem. Já era noite cerrada. O supermercado não era mau, mas os preços eram. Deu para nos abastecermos, que bem precisávamos. Quer dizer, pode ser uma fraqueza minha, mas depois de três dias sem ver um supermercado a sério sabe-me mesmo bem mergulhar num espaço onde, de certa forma, me sinto a jogar em casa, comprar produtos que directa ou indirectamente me são familiares. E estou a falar de simples leite, de pão.

Neste dia chegava ao nosso apartamento um couchsurfer, o Raoul, espanhol. Veio tarde, enfurecendo o bom do Nael. Mas compensou: é um tipo impecável, um amigo que foi feito e que espero voltar a ver algures no mundo.

 

 

 

 

 

 

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