O despertar é às 6:30. O comboio parte, teoricamente, daqui a uma hora e os meus anfitriões vão-me deixar na estação. É uma longa viagem de carro, dá-me a ideia que atravessamos toda a cidade duas vezes.

São 7:10 quando chego à sala de espera. Atrás de mim um casal de franceses. Um polícia passa pela sala, volta para trás e pede o passaporte ao francês. Oops. Não o trouxe. Problemas. Levam-no para esclarecimentos mas deixam a francesa lá como se não existisse. Para eles, eu sou iraniano. Não me dizem nada.

Há televisão na sala de espera. E lá aparece um bigodes que me é familiar. Toni. O que foi do Benfica e agora é treinador no Irão.

Às 7:35 chega um comboio e desta vez não escapo à verificação de passaporte. Ainda bem, porque se não fosse o simpático polícia (que tomou nota dos meus dados num bloco) dizer-me, teria entrado naquele comboio que não era para mim. O próximo.

O próximo veio uma hora depois. Já o francês tinha regressado ao seu lugar. E agora sim, era para Yazd. Outro simpático agente da autoridade disse-me para passar para a outra plataforma e lá entrei.

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O comboio é moderno, tudo funciona bem (menos os horários como vimos). Alguns lugares estavam marcados com números árabes (não sei porque chamamos numeração árabe à nossa, quando no mundo árabe existem outros números, mas há-de haver uma razão… nota mental para pesquisar) mas a partir de determinado ponto, só com os números locais. Pergunto a um trapaz novo que logo me indica o meu lugar.

Em menos de nada pára um carrinho ao meu lado e sou servido um pequeno-almoço. E esta, hein!? Mesmo o que eu precisava. Estava basicamente em jejum (tinha encontrado no bolso uma bolachinha oferecida a bordo do autocarro de ontem) e este pequeno-almoço vem mesmo a calhar. O chá então, maravilha! Um bilhete que me custou pouco mais de 5 Eur, para uma viagem de 3 horas de comboio e ainda me trazem um pequeno-almoço!? Assim sim!

Chego ao destino com mais de uma hora de atraso. Normal. Também, não tenho pressa. E desta vez consigo enganá-los. Lá estavam eles, dois polícias, todos catitas, à espera dos passageiros que lhes chegam de escada rolante, a única forma de sair da plataforma. Passo por eles e nada… tomam-me por iraniano. Engraçado.

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Cá fora os taxistas pescam clientes. Deixo-me estar um pouco a pensar na vida… caminhar? Talvez. Deixo passar mais um pouco. A rapaziada dos táxis que ali foi à procura de cliente estará mais disposta a baixar o preço depois de todos os passageiros se terem escoado. Está na hora.. há outro que me aborda… pede 10, digo que não.. 8… OK… em principio ainda podia trabalhar este valor mas não estou para aí virado. Vou eu e… o tipo que vinha ao meu lado no comboio. Mesmo na cadeira do lado. É um gajo estranho… tem assim toques de Ricardo Araújo Pereira, mas por vezes, lá no comboio, pensei que para além de parecer, seria mesmo um pouco anormal. 

Vamos andando, com o ritmo vertiginoso do costume nas ruas iranianas. E de repente o rapaz que vem sentado lá atrás pergunta-me se falo inglês. Ora bem… o que ele me quer perguntar é de onde sou, porque me viu escrever em espanhol lá no comboio. Boa pontaria! Falhou por muito pouco.

O taxista deixa primeiro o jovem, depois traz-me até ao Silk Road Hotel onde deverei ficar. Cumpre. Pago-lhe e instalo-me.

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Este hostel é mítico, é um ponto de paragem “obrigatório” para os viajantes que cruzam o Irão. Parece um karavansarai de outros tempos, um oásis onde todas as estradas se encontram. Tem uma atmosfera especial, que não é costumeira no Irão. Um ponto de encontro de gentes vindas de todo o mundo.

Fico com uma cama no “dorm”, na cave. Só tem um defeito: uma janela para o espaço comum e restaurante, que é enorme e a certas horas está cheio com uma multidão que gera um nível de ruído incrível. Nada que tampões de ouvido não resolvam, e de resto à hora da deita o silêncio é já sepulcral. A chatice é que a janela não tem cortinas e um tipo aqui não se pode despir sem se mostrar a quem sentado à mesa se delicia com um jantar persa. As casas de banho são distantes, um mundo de distância. São apenas duas mas espantosamente nunca as encontrei ocupadas.

O espaço comum é catita. Tem uma série daqueles estrados-cama com almofadões e alcatifas, onde me instalo por vezes a ler ou escrever. A localização é soberba, mesmo junto à mesquita Jame, talvez a referência maior em Yazd, e em plena cidade antiga.

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Descanso um pouco e saio para a rua. São umas duas da tarde, está calor e céu azul e as ruas estão desertas. Esta é uma hora em que tudo pára. A vida só regressa depois das cinco horas. As lojas estão encerradas, não se vê vivalma. Percorro as vielas dos bairros antigos, e viajo pelo meu imaginário, às incontornávels aventuras de Tintim, esse jornalista imaginário que esteve por todo o lado.

A côr amarelada predomina. É um castanho dourado que está presente em tudo. As construções são de adobe e descubro em mim um novo fetiche: adoro tocar estas paredes, parecem tão frágeis, fazem-me lembrar estrados de contraplacado a apodrecer, mais fofo, mais macio. E pensar que com esta técnica constroem tudo… desde habitações a castelos…

Este é um Irão que não tem nada a ver com o que se observa em Teerão. É conservador, as mulheres andam quase todas com as formas de vestir mais tradicionais. Parece que aqui existem apenas homens e fantasmas pretos que deslizam sobre almofadas de ar, atarefados, nas suas vidas.

Não haverá palavras para descrever cada detalhe. São quilómetros e quilómetros destas vias estreitas. Raramente há espaço para a passagem de automóveis, a motorizada é o veículo de eleição desta gente.

Algumas portas insinuam-se, reclamam um estatuto conferido por uma antiguidade imaginada… as datas não estão marcadas mas sente-se a solenidade dos anos que por elas passaram. E sabe-se lá o que está por detrás, conhecido que é o amor do persa pela privacidade do seu lar. A parede mais rústica poderá esconder um verdadeiro palácio, com pátios interiores repletos de plantas luxuriantes, fontes de água corrente, sofás opulentos… quem sabe.

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Encontro um jardim. Um pequeno jardim, dos que em Lisboa há às centenas, mas que aqui tem um valor especial. O verde é uma variante agradável, o aroma a pinheiro também. Um passarinho canta, um cantar claro e bem audível. Há quanto tempo não ouço algo assim…

Procurei uma casa de câmbio, que não encontrei. Tinha-me sido indicada pela senhora do posto de turismo. Mas também, tinha-me dito que abria às 15 horas e o que me marcou no mapa era na realidade… o quartel da polícia, uma vizinhança pouco saudável para um estrangeiro de câmara em punho e GPS ao peito.

Entretanto deixei para trás a calmaria das ruas interiores e ando nas avenidas. O comércio está todo aqui. De todo o género. Compro um pão. Pode fazer falta mais tarde. E numa pastelaria compro umas “madalenas”. Também podem fazer falta, mas para já como metade, que a fome já aperta.

Continuo a reparar que não há comida de rua no Irão. Nem casas de chá nem nenhum lugar onde as pessoas se encontrem e passem tempo juntas. Só mesmo a rua.

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A noite caiu. Preparo-me para regressar ao hostel, mas antes compro uma garrafa de água numa mercearia. Aproveito e trago também uma escova de dentes, um achado precioso, porque perdi a minha já há alguns dias. Paro antes na mesquita para a ver iluminada. Não é só a mesquita que está iluminada… toda a cidade… as pessoas e o comércio estão agora em ebulição, o ambiente é fantástico.

Antes tinha passado pelo bazar, mas estava quase tudo encerrado. Agora não. Há trânsito, os passeios estão gentes, os néons iluminam as lojas. E por acaso dou com uma casa de câmbios, mas como não fico impressionado com as 360.000 Rials que ele me dá pelos meus 100 Eur agradeço e vou-me embora. Procurarei depois.

No hostel instalo-me na sala comum, mas quando tudo fica cheio de pessoas que vêm jantar, hóspedes e outros, vou para o quarto. Instalo-me para dormir. A cama pareceu-me desconfortável mas na realidade tenho um sono excelente. Quando fecho a luz já a sala cá em cima está vazia e o silêncio é total.

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