É Sexta-feira. Como se fosse Domingo, no mundo islâmico. O Masoud não trabalha. Tomamos o pequeno-almoço juntos e depois ele pergunta-me se me importaria de passar por casa dos pais dele durante uns minutos. Não, claro que não me importo. Mas pensava que uns minutos seriam 10 ou 15, vá, 30 que fossem. Afinal passei uma boa parte do dia lá, e como eles não falam inglês o ambiente ficou um bocado árido para o meu gosto.

O Masoud tem uma vasta família. São sete irmãos, todos gajos. Destes, conheci 4 ou 5. Às tantas já estava confuso. O mais velho tem 30 anos, ele é o segundo, e o mais novo é um puto de 10 anos sempre bem disposto e cheio de alegria.

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Como disse, ao principio teve alguma piada, mas à medida que o tempo avançava e tudo o que tinha para fazer era estar no sofá, e manter um sorriso perante as conversas entre eles, as coisas começaram a ser um pouco dolorosas. Para piorar, o Masoud saiu durante longos minutos. Por fim regressou e veio a ordem para rolar dali para fora. Vamos visitar a cidade.

Só que a visita resumiu-se ao Caravensaray recuperado. Para o efeito encontrámos o Ali, um amigo que lá trabalha e que serviu de guia durante a interessante visita. Um Caravensaray era uma hospedaria, localizada nas rotas usuais de caravanas, onde os viajantes e comerciantes podiam parar para descansar, dormir e abastecer-se em segurança. Assumia uma configuração de forte, com um portão numa das faces muralhadas, e ameias e outros expedientes de arquitectura militar.

Quase todos se tornaram ruínas, mas em alguns locais foram recuperados, tornando-se uma espécie de centros comerciais locais – por exemplo, em Nicosia, com uma forte vocação turística, ou em Urfa, muito mais local e genuino. Aqui o projecto foi, na minha opinião, mais interessante: reconduzir o Caravansaray à sua função original, transformando-o num hotel e restaurante.

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Subimos ao telhado, de onde se tem uma bela vista sobre a cidade (ou aldeia?) em redor. Ali vêem-se as cúpulas dos quartos e o páteo central com o seu lago e incontornável repuxo de água. O Ali vai explicando, com a tradução do Masoud. Mostra velhos utensílios, leva-me ao restaurante, ao interior de uma das suites, à sala de oração. Sim senhora, ficou ali uma bela coisa.

Atravessamos a rua, eles apontam para uma grelha metálica que sobre um buraco no chão. Explicam-me que é uma entrada para um extenso labirinto recentemente descoberto – quando se faziam trabalhos numa rotunda ali ao lado. Parece que são centenas de quilómetros, um autêntica cidade subterrânea, que abrigaria os habitantes em caso de ameaça. Há planos para abrir pelo menos parte da rede ao público, mas há que esperar.

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A seguir mostram-me um Qanat, uma técnica de extração de água que transporta sob o solo a água que se encontra em lençois freáticos nas montanhas, a uma quota superior à das aldeias da planície desértica. São quilómetros de canal, que são limpos periodicamente à mão, um trabalho árduo considerando as dimensões do canal subterrâneo. Entretanto, quintas e lugarejos têm acesso ao longo canal que se estende desde as montanhas até uma povoação principal.

Depois do almoço em casa da família do Masoud, mais um daqueles períodos de “não se passa nada” que me pôem um pouco nervoso. Entretenho-me a ver um jogo de futebol na TV, o derby de Teerão. Quando dou por mim estou basicamente sozinho. Não sei o que andam a fazer ou o que é suposto suceder a seguir. Passado um bom bocado lá aparece o Masoud a dizer que houve uma mudança de planos “if I agree”: em vez de irmos ao deserto, a família dele quer ir a banhos quentes. Isso de banhos não é comigo, mas não me importo de ir com eles.

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Lá nos metemos no carro. Eu à frente, e lá atrás, bem apertadinhos, a mãe, o pai, a Aylar e dois irmãos. Pensei ingenuamente que os banhos eram ali ao lado, mas não… andamos e andamos, e quando chegamos a um local remoto, bem no meio do deserto, já se passaram uns 75 km.

Os banhos quentes tomam-se no interior de um pequeno edíficio, convidam-me a entrar para ver. Não é mesmo o tipo de local que me agrade. Eles lá ficam, a mudar de roupa para os banhos e vou lá para fora. Peço a chave do carro ao Masoud. A vista dali é deslumbrante, o pôr-do-sol é eminente e penso que não me importaria nada de passar um dia inteiro a caminhar por estas partes.

Subo a um cerro montanhoso e sento-me um bocado, observado a paisagem. Tendo a piscina de água quente natural como epicentro, construiu-se ali uma espécie de resort de deserto composto por uma série de bungalows e um restaurante. Tudo idílico mas… com o roncar constante do gerador que oferece electricidade a todo o empreendimento, não me apanharia a pagar para ficar ali… e para os padrões iranianos é uma pequena fortuna, cerca de 50 Eur, disse-me o Masoud.

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O sol desapareceu e começou a arrefecer. Retirei para o carro, li um pouco, dormitei. Chegou o Masoud e logo o resto da família. Fez-se ali um picnic espontâneo. Chá para todos, e caramelos e fruta.

E pronto, acabou assim o dia. A viagem de regresso fez-se entre silêncios e o reviver dos momentos passados nos banhos. O cansaço e a energia positiva da familia em confronto.

Ao serão… bom, foi mais um serão. Jantar com o Masoud e a Aylar, um pouco de conversa, e o meu momento de isolamento antes de dormir.

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2 COMENTÁRIOS

    • Adelaide, mas olhe que o Irão não é um país do Magrebe. Esses são: Mauritânia, Marrocos, Argélia, Líbia e Tunísia. Conheço-os bem porque trabalhei numa tese de mestrado com o título Potenciais Tensões nos Países do Magrebe e suas consequências para a Europa do Sul. Mas já lá vão uns anos 🙂

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