Segundo dia em Mardin. Um pequeno-almoço com os nossos anfitriões. É fim-de-semana, ele não trabalha. Ficou um pouco triste quando lhe dissemos que apesar de estarmos cientes que podíamos ficar mais uma noite com eles, preferíamos honrar o nosso compromisso e mudar para o hotel.

Ele insistiu um pouco, disse que podia telefonar para lá, que certamente compreenderiam que seria melhor ficarmos em casa de amigos, que era costume na sua cultura esta hospitalidade… mas apesar de hesitarmos um pouco mantivemos a nossa intenção. Não que algo nos desagradasse ali. Nada disso. Simplesmente adorámos o hotel e queríamos estar um pouco sozinhos. Acabou por concordar, com a condição de nos acompanhar até lá. Disse que também tinha ficado curioso, mas tenho quase a certeza que simplesmente queria ter a certeza que ficávamos bem entregues.

Fomos nas calmas, os quatro. Primeiro parámos numa casa que estava a ser reconstruída. O nosso amigo já conhecia os pedreiros que trabalhavam na obra e que não colocaram objecções a que metêssemos o nariz em todos os cantos. Tratava-se de um velho edifício, como são quase todos na parte antiga de Mardin. Foi um gosto desvendar os mistérios daquela estrutura, imaginar a casa pronta a habitar, um pequeno palácio urbano com espaços magníficos e uma vista privilegiada.

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Seguimos, todos bem dispostos, nós ouvindo as histórias que ele tinha para nos contar. O Erbil é um apaixonado por Mardin. Não tinha qualquer relação com a cidade mas foi ali colocado em trabalho e agora é um verdadeiro entusiasta, conhece todas aquelas ruas, os mistérios da cidade, as lendas.

Parámos numa mesquita e logo a seguir nuns banhos. Era a hora das senhoras, e assim sendo as senhoras foram lá dentro enquanto eu esperava com o Erbil que me fez um convite: mais logo, ao final do dia, ele viria para um banho e perguntou-me se lhe faria companhia. Ora eu não sou muito destas coisas de banhos públicos, especialmente em território desconhecido, disse-lhe isso mesmo, ele ficou de novo descorçoado, e eu, a matutar. Mais para a frente, antes de nos despedirmos, disse-lhe que tinha mudado de ideias e os olhos iluminaram-se-lhe. Combinámos o encontro defronte do edíficio dos banhos.

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No hotel não estava ninguém. O Erbil ligou-lhes. Esperámos. Por fim apareceu um homenzinho antipático para nos receber e depois o simpático proprietário finalmente chegou. Tirámos fotografias para o álbum de recordações, conversámos mais um pouco e despedimo-nos.

Ficámos um pouco a descontrair, a usufruir da Internet e das vistas e do quarto sumptuoso. Que local!

Por fim saímos para a rua, para mais do mesmo, do que de maravilhoso Mardin tem para oferecer. Com o fim-de-semana veio um ambiente diferente. As pessoas passeavam pelas ruas, o comércio todo aberto e até o bazar fervilhava. Repetimos alguns dos locais da véspera, com gosto. Se no dia anterior tínhamos andado mais pelas ruas de cima, neste segundo dia fomos mais para baixo. A mim dá-me a ideia que a parte baixa de Mardin é mais antiga, apesar de isso não fazer muito sentido, pois seria de esperar que as primeiras edificações civis se aglomerassem em torno da fortaleza.

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Mas é por ali que nas passagens sob túneis e no labirinto de ruelas e becos sinto mais o peso da História. Por fim, já extenuado com tanta andança, encontrei o cantinho mais rústico e genuíno que consegui e sentei-me a beber um chá. Soube-me bem. Não só a bebida quente mas estar ali abancado, a ver. Na mesita do lado, que era a única para além da minha, dois homens já com alguma idade conversam. À minha frente um carro que vem para baixo entala todo o trânsito e o caos instala-se.

Os meus vizinhos comentam, divertidos, a situação. Passado um bocado um automóvel pára mesmo em frente de nós. Um rapaz sai com baldes carregados de frutas e vegetais. Um dos homens chama-o, inspecciona o conteúdo de um dos recipientes. O rapaz dá-lhe uma mão cheia e depois, olhando para mim, pega numa bela dose e entrega-ma. Que simpático. Sempre, a afabilidade deste povo. Deixo-me estar ali a petiscar a oferenda. São umas bagas amarelas, vagamente aparentadas, pelo menos em gosto, com nêsperas.

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O sol começava a descer e decidimos regressar ao hotel para de lá apreciar aquele espectáculo. Foi uma decisão acertada. Os terraços do estabelecimento ofereciam o melhor posto e a calma reinava. Foi um momento muito zen. E com a noite já cerrada chegava a hora de me aprontar para o tal banho. Não começou bem: assim que saí para a rua descobri que as luzes públicas estavam todas desligadas. Escuridão absoluta! Estão a ver aquelas fotos um pouco acima… não é um bom local para andar às escuras.

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Hesitei, praguejei. Voltei para o hotel. Mas agora queria mesmo ir e avancei. Lá cheguei à rua principal sem precalços e cheguei ao ponto de encontro ao mesmo tempo que o meu amigo. O cerimonial dos banhos é uma coisa desconcertante. Lá entrámos para a sala principal e fiquei imensamente desconsolado… esperava muito vapor e calor, como estou habituado, para suar bem, mas quase que tive frio. Nem calor nem quase vapor nenhum. Sentámo-nos à conversa mas naquele momento entrei numa onda negativa que procurava disfarçar o melhor possível. Chegou a altura em que o “massagista” chegou para tratar do Erbil. Com uma luva especial, para esfoliar a pele. Eu tinha dito que não queria mesmo aquele tratamento. Mas o Erbil é um tipo esperto e conseguiu-me convencer. Pronto, foi porreiro. Mais ou menos. Não tenciono repetir.

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Após duas horas lá dentro saímos para o vestiário, onde nos aguardavam três toalhas diferentes e bebidas. Continuámos a conversar mas eu queria mesmo era sair dali. O Erbil ofereceu-me, ou seja, pagou, tudo aquilo. E, espantosamente, foi no exterior, à porta, que gostei mais de estar, a conversar subitamente sobre coisas como o sentido da felicidade. Ainda bem, a última memória deste agradável amigo foi a melhor!

Ainda quis ir jantar fora, para fechar em grande esta passagem por Mardin. Tinha um certo restaurante em mente. As luzes tinham voltado a iluminar as vielas e as movimentações tornaram-se mais simples. Agora a questão seria descobrir se o restaurante estaria aberto. E estava, mas tristonho, vazio. Gostava de ter outro ambiente mas mesmo assim jantou-se bem, foi um belo dia.

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