Esta noite mudei de cama; a Bia foi-se deitar mais cedo e ocupou a minha, de forma que tive que subir ao primeiro andar.

De manhã não havia electricidade, logo, não havia Internet… e eu tinha trabalho importante para tratar. Fui-me ao pequeno-almoço, tão bom como na véspera. Depois, escovagem de dentes e… voltou o power. Ligar o computador, escrever uns e-mails urgentes. Faz-se tarde, ainda tenho que ensacar as coisas, com cuidado redobrado porque a Bia quase misturou as coisas dela com as minhas.

Pago a conta do hostel e saio. Na esquina dois taxistas exigem 100.000 Rials para me levar ao terminal de autocarros. Tenho a informação que o preço normal é 80.000 Rials e portanto ponho-me a caminho. Também tenho a informação de que o meu destino é a cerca de 3,5 km, ao lado da estação de comboios, por isso na pior das hipóteses posso caminhar. Não poderia estar mais errado, como veremos de seguida…

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Na avenida principal passa por mim um táxi cheio… abranda, pára, as pessoas saem. Pergunto quanto é para a estação. Ele não entende. Como pareço local as pessoas ficam baralhadas quando falo. Não computa. Quando finalmente computou pediu-me 120.000 Rials. Mau, isto está a piorar. Não, 80.000. OK, 100.000. Não, 80.000. Ele olha para mim, ri-se, faz sinal que sim, que está bem porque gosta da minha barba. Dou-lhe um Hi-5. Boa onda. E afinal os primeiros taxistas tinham razão. O terminal é novo e mudou-se. Ainda bem que não decidi caminhar, porque foram à vontade uns 12 km até lá. Bom preço, 2 Eur pelo táxi.

Compro facilmente o bilhete para o autocarro. O destino é Na’In, onde planeio dar uma volta, antes de me meter de novo num qualquer autocarro para Kuhpayeh, uma pequena cidade a cerca de 60 km da grande Esfahan. Ali passarei a noite, se nada de inesperado suceder, com um anfitrião local.

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Chego a Na’In, negoceio com um taxista o transporte até Mohammadieh, uma aldeia anexa a esta pequena cidade, a cerca de 2 km, que tem um pequeno castelo que me pareceu interessante. Lá vamos.

Estava certo. Vale mesmo a pena. O dia está cinzento mas o local é catita. Penso que com a luz correcta seria a loucura. O castelito está cercado pelas ruelas de uma aldeia bem antiga, e de lá de cima vê-se o deserto em redor, os campos lavrados, muito verdes, as montanhas ao longe. Está uma aragem forte que me lava a alma.

Tinha ficado com o número de telefone do taxista para o chamar quando quisesse regressar, mas decidi andar. A coisa não correu bem: tinha apontado algumas coisas a visitar mas não dei com nenhuma. Comprei seis romãs, comi logo uma, estava cheio de fome. Olhos bem abertos, não encontro nada do que procurava. Mas reparei que Na’In é uma cidade muito limpa, com laivos de modernidade no comércio.

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Passei em frente ao hostel onde tinha ponderado ficar. Ainda bem que não o fiz. Talvez o fiasco na pesquisa e o tempo cinzentão tenham marcado as impressões que trouxe dali, mas de facto não me imagino a passar mais tempo do que passei nesta visita fugaz. Se calhar passei ao lado de coisas deliciosas, não sei.

Mas o boost de energia positiva lá em cima foi tão forte que não me importo. Vou andando para o ponto onde o autocarro me deixou, esperando que passe outro na mesma direcção. Uns rapazes vão à minha frente, pergunto-lhes onde posso apanhar o transporte para Isfahan, dizem-me para ir com eles – é mesmo para lá que vão. E de facto, num outro local, num pequeno terminal rodoviário, compro o bilhete e espero pela hora.

É divertido. É um transporte local. Uma boa parte dos passageiros são estudantes que vivem em Esfahan e frequentam a universidade ali. No autocarro há os rearranjos de passageiros característicos nesta parte do mundo. As mulheres não se sentam ao lado de varões desconhecidos, há que rearranjar o puzzle com a chegada de novos passageiros.

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Já na estrada vou espreitando pela janela. O cenário é lindo. O pôr-do-sol aproxima-se. As nuvens deixaram de dominar o céu, e o astro-rei expele toda a sua energia por uma aberta que encontrou. Há ali algo de divino. O enorme foco de luz alaranjada pinta um quadro de luz quente que transforma o deserto. É fascinante.

Sou deixando à beira da estrada em Kuhpayeh. O meu anfitrião aparece pouco depois. Leva-me para a sua casa, onde vive com a esposa. Estão casados há apenas seis meses. Ele tem 29 anos, ela deve andar pela mesma idade, porque se conheceram na univerdade. O Massoud nasceu e cresceu por aqui, ela veio de longe, de 400 km de distância, para estudar aqui. Informática.

Sou logo presenteado com um magnífico jantar, que devoro a solo. Eles tinham comido pouco antes e não tinham fome. Depois, conversamos. São anfitriões inexperientes e há uma certa coloquialidade, uma atenção redobrada para que não falte nada ao hóspede. Depois do jantar vem o chá. E as tâmaras. E pouco depois uma romã, já arranjada.

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Vamos falando das coisas do Couchsurfing e da vida. Ela comunica com a tradução dele, que por sua vez recorre frequentemente ao Google Translate. Não está nada conformada que eu não seja casado e ainda menos que não tenha filhos. Dá para perceber que são pessoas um pouco conservadoras, as mais religiosas com que contactei de perto desde que cheguei. Mas, pelo menos do Massoud, irradia uma bondade e uma tolerância que me fazem lembrar o meu amigo sírio, Alfrend. Um momento que me ficará na memória foi quando ele se levantou e veio ao quarto de visitas rezar. Fazia muitos anos que ninguém rezava ao pé de mim, e deve ter sido a primeira vez que estou perto de um muçulmano em oração privada. As suas palavras, ininteligiveis para mim, ficaram-me no ouvido, como se fossem uma magia dita.

Um pouco mais tarde vão jantar, mas eu ainda estou bem composto. Digo que para mim basta uma peça de fruta antes de dormir, e antes de dormir materializa-se um prato cheio de fruta. A meio do serão digo que preciso de trabalhar um pouco e avanço alguns assuntos que tinha pendentes. Entretanto começam a ver um filme de acção iraniano. Vou terminando as minhas tarefas e a minha atenção foca-se nele. Claro que não percebo nada dos diálogos mas mesmo assim vê-se com agrado.

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