Não vou adoçar isto: as semanas na Indonésia não foram das melhores. Há alguma incompatibilidade entre mim e aquele país mas, ironicamente, um dos melhores dias da viagem de três meses pela Ásia deu-se mesmo ali, na ilha de Lombok. Estava em Tetebatu, num homestay adorável, com o meu amigo Baha, que tinha conhecido no hostel em Yoggiakarta e que reencontrei por acaso em Singingi.

No dia após a nossa chegada combinámos com um dos nossos anfitriões fazer um passeio guiado. Custo: cerca de 10 Euros para cada um. Rota: campos de arrozais, floresta dos macacos, pequena queda de água ali por perto. Distância: mais ou menos 13 km.

E foi isto. Maravilhoso. Atravessar aqueles arrozais com um companheiro conhecedor, capaz de mostrar os aspectos menos evidentes da produção do arroz, de explicar as técnicas, de apontar e indicar o que se estamos a ver… verdadeiramente épico.

O passeio ia decorrendo, caminhando nos estreitos trilhos entre os “tanques” de arroz, passando junto a agricultores atarefados, atravessando pequenas aldeias habitadas por faces sorridentes e miúdos alegres. A lama, natural neste meio, dificultava a progressão. Seguir o conselho do meu amigo e trazer chinelos em vez de botas de caminhada não foi uma boa ideia. Acabei por me descalçar e fazer boa parte do passeio assim mesmo, com os pés como vieram ao mundo, sem batalhar constantemente para manter os “flip-flop” onde deveriam estar.

O verde domina a paisagem. Parece um postal. Também aqui se usam os chapéus cónicos que associamos geralmente aos camponeses vietnamitas. Uma protecção para o sol abrasador. Dois gaiatos correm atrás dos pequenos peixes que nadam num canal de água. Mais uma aldeia, mais um êxtase infantil à nossa passagem. “Photo! Photo! Photo”, gritam os pequenitos, fazendo posses improvisadas quando a nossa atenção é captada.

O nosso guia parece conhecer toda a gente num raio de vários quilómetros. E quando não fala a alguém, diz que sim, que o conhece… sem mais… cheira a divergências antigas, inimizades indefinidas.

As populações parecem ter um nível de vida material relativamente elevado. Honestamente, mais elevado do que em algumas áreas rurais portuguesas. As casas são de campo, claro, mas estão impecavelmente mantidas, os materiais são bons, tudo tem bom aspecto.

O dia está excelente, temperatura amena, humidade controlada e um céu azul no meio do qual flutuam algumas nuvens. Não se podia pedir melhor meteorologia.

Chegamos à floresta dos macacos após subir uma encosta de ângulo acentuado. Caminhamos em silêncio, os três, como uma equipa sincronizada, passo certo, sem problemas em ultrapassar o terreno. O silêncio acentua-se. É um bosque encantado, cenário ideal para filmes e séries na linha de Games of Thrones.

Os amigos macacos tardam a aparecer mas não faltam. Após penetrarmos um bom bocado na floresta vamos começando a vê-los, de duas espécies, em grupos. Alguns movimentam-se no chão. Uma das tribos é de macacos pretos, a outra, de castanhos.

Mais à frente começamos a ver pessoas. Anda por ali muita gente, a recolher lenha para cozinhar e matos e ervas para alimentar os animais. Passa por nós um homem assim carregado e depois outro, já de idade avançada, mas com um recorte muscular de fazer inveja a muito “maluquinho” de ginásio. Os macacos é que não se importam demasiado com esta convivência. Limitam-se a manter uma distância prudente e continuam as suas vidas, nas suas palhaçadas, saltando entre árvores, discutindo entre si, procurando alimentos.

À saída da floresta noto que o tom do céu se alterou. A tempestade de chuva aproxima-se. Há nuvens negras que se aglomeram. É a rotina em Tetebatu.

Regressamos à paisagem de arrozais, mas aqui mais agreste, com menos presença humana. A cultura faz-se nestas partes em socalcos (ver imagem de topo). É no meio deste aparente nada que ecoa um chamamento para a oração. Momento mágico dentro de um dia já mágico.

Agora vamos a caminho da queda de água e dá para perceber que o guia apressa o passo. Lá terá os seus cálculos de tempo mas é pena porque esta parte é a mais bonita do percurso e gostaria de mais tempo para a apreciar.

Entretanto voltamos ao contacto com mais pessoas, há motas que passam por nós e caminhantes também. Aproximamo-nos do acesso à cascata. Não é simples. Após um bocado por um trilho temos que ir para dentro de água. Os últimos cem metros são mesmo assim, para anfíbios. E lá em cima a chuva começa a desprender-se confundindo-se com a água que agora parece estar por todo o lado… a nossa deslocação causa salpicos, que se casam com as gotas que escorrem da rocha vertical e por sua vez tudo isto se funde com a chuva. Magnífico!

Subimos por rochedos escorregadios, voltamos ao leito da ribeira, e o som já se ouve, o ruído da água que cai sobre mais água, a música de uma queda de água. No local está um grupo de pessoas dali, ou talvez visitantes de outra parte da ilha, quem sabe, mesmo de outra parte da Indonésia. Um recebe um duche monumental, mesmo sob o caudal da cascata. Quando chegamos, quebramos-lhes claramente o momento e pouco depois partem, deixando-nos a sós. É pena a chuva. E por estranho que pareça está até algum frio aqui. Se não, seria eu que me colocaria ali debaixo… ainda pensei em regressar no dia seguinte, mas nunca aconteceu.

O guia queixa-se do frio e sugere que vamos andando. OK. É tempo de partir e a caminhada está a chegar ao fim. Dali até à estrada de asfalto são umas poucas centenas de metros. Segue-se um par de quilómetros, atravessando a aldeia principal, antes de chegar a casa. Espera-me um duche, uma mudança de roupa. Tempo de vestir o meu sarong e partilhar uma refeição com os companheiros de aventura.

 

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