É de madrugada. O avião da Air Pegasus toca o solo, rola, abranda. Manobra para chegar até ao terminal de passageiros e estou em Istanbul. Para trás ficaram três ou quatro dias de muitas caminhadas, muitos momentos agradáveis, passados entre Dalaman e Fetyhe, entre a cidade abandonada de Kayakoy e os trilhos magníficos da costa turquesa.

Saio para o exterior do aeroporto e hesito por um momento: entrar no autocarro que segue directamente para o centro de Istanbul ou poupar umas Liras e optar por um outro que me levará a Kadikoy, de onde poderei apanhar o barco para a parte ocidental da cidade? Com uma imaginária “moeda ao ar” escolho a segunda hipótese. E que feliz que fui nas sortes!

O trajecto até Kadikoy é célere. Quando deixo o autocarro e olho em redor vejo os sinais de uma cidade que se espreguiça para acordar. As pessoas que pegam ao trabalho mais cedo já por ali andam, semblantes ensonados, gestos automatizados, em busca do transporte público que os levará a seguir. O céu desperta também, neste principio de dia tingido com os tons alaranjados que o sol, sem se deixar ver ainda, vai já projectando para deleite de todos nós, os que olhamos com olhos de ver. Há farripos de nuvens dispostos em camadas diversas, transformando o céu numa tela surreal. É um espectáculo.

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Encontro sem problemas o ferry que me convém. Está algum frio mas não consigo resistir: tenho que sorver aquele ambiente fantástico. Peço um chá ao vendedor que por ali anda. Quentinho. O diamante que faltava nesta tiara. Ainda faltam alguns minutos para a embarcação se por em movimento e entretenho-me a observar as pessoas que me rodeiam, o que em Istanbul é sempre um passatempo sem fim.

O motor ganha rotações, as águas agitam-se em redor do barco e a travessia inicia-se. A cidade ilumina-se, agora que o astro-rei vai espreitando. Passamos junto à magnífica estação de comboios de Haydarpaşa, um edíficio votado a um abandono controlado, sem uso real, mas mesmo assim mantido pelos caminhos-de-ferro. Tive oportunidade de o visitar uma semana antes e encantei-me com esse vestígio de uma aliança de outros tempos, quando a Alemanha Imperial se encontrava unida ao Império Otomano e aqui investiu na construção de uma linha ferroviária até às profundezas das Arábias.

Vamos chegando ao meio do trajecto e parece ser hora de ponta no Bósforo. Há petroleiros e porta-contentores, veleiros e graneleiros e outros ferries iguais ou parecidos a este. Passam-nos à popa e à proa, uns mais longe, outros perigosamente próximos. Olho para a parte de trás do meu ferry e junto à enorme bandeira turca uma senhora de lenço tradicional parece rezar. Porquê, penso eu. Qual será a sua estória. Terá perdido algum ente querido esta noite? Ou será um ritual intimo, quiçá, que se passe quotidianamente a bordo de um qualquer ferry que a leve da Ásia para a Europa…?

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Já vamos próximos da margem oposta, passamos perto do cais de cruzeiros onde estão acostados três colossos brancos, resorts flutuantes de enormes dimensões que despejam todos os dias as dezenas de milhares de turistas que transportam nesta já repleta Istanbul.

Fecho os olhos por um instante. Estou profundamente cansado. Exausto. São as centenas de quilómetros palmilhados nas últimas semanas, as noites passadas em bancos de aeroportos, a alimentação insuficiente. Preciso de um duche, de um pequeno-almoço substancial. Mas isso terá que esperar, ainda falta algum tempo até chegar ao apartamento do meu grande amigo Emre, onde dormirei pelo dia dentro. Mas para já penso que são estes momentos que dão um significado a todas as provações. É isto, viajar.

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