O dia tinha sido algo de outro mundo, mas essas andanças ficam para outro dia. Hoje, na rubrica Momentos, quero falar da noite passada naquele deserto que é o de Wadi rum, na Jordânia.

O trabalho do nosso guia terminou com a aproximação do pôr-do-sol. Estacionou o velho jipe junto ao acampamento, apontou-nos os penhascos que recomendava para a observação do deitar do astro rei e desapareceu. Lá trepámos, absorvendo cada segundo daquele momento que só por si valia um artigo. Fomos até ao topo. Lá em baixo, na planície desértica, os últimos veículos de todo o terreno apressavam-se em direcção à aldeia de Wadi Rum, que serve de base ao turismo que o deserto com o seu nome atrai. Pouco depois, já com o sol muito baixo, o movimento serenou. Ao longe, dois camelos seguidos por um cão dirigiam-se sabe-se lá para onde. Do outro lado do vale um outro acampamento, aparentemente deserto.

O dia chega ao fim. As tonalidades que se desenham no horizonte são um espectáculo memorável. O silêncio cai sobre estas paragens. É o famoso silêncio do deserto, tão esmagador que parece ensurdecer, ou, por outras palavras, leva-nos a duvidar que ainda tenhamos audição. Por um instante compreendo o que é sofrer de surdez total. É aquilo, aquilo que os outros, de ouvido são, podem experimentar temporariamente na solidão do deserto.

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A fome vai chegando. Descemos até ao acampamento e entramos na tenda comunal, onde a refeição será servida. Somos nós os dois mais um porto-riquenho e um mexicano. Depois há os locais. O mestre de acampamento, uma figura fugidia que mais parece um fantasma, o guia, que se remete a um silêncio envergonhado e o irmão do tipo que nos recebeu de manhã, acompanhado da esposa.

Sentamo-nos em redor das brasas, espalhadas em circulo no interior da tenda. O dia foi quente sem ser abrasador, mas a noite ameaça ser bem fria. Sabe bem estar ali. Vamos conversando, primeiro numa tímida aproximação. Depois, já mais à vontade, o discurso flui melhor. Nisto ouvimos uma viatura que chega. É o nosso jantar, trazido da aldeia para ser servido ali em redor das brasas. E que jantar! É um pequeno banquete, saboroso e abundante, pleno dos sabores da gastronomia berbere.

Terminado o repasto fica o chá, esse eterno amigo por terras da Jordânia. E, pelo serão dentro, vamo-nos conhecendo, narrando estórias de vida, partilhando fragmentos da cultura da cada um, contando aventuras e experiências da forma que só viajantes sabem fazer. O nosso anfitrião é jordano mas passou um longo tempo em França, onde estudou. A esposa, apesar das suas origens comuns, nasceu na Europa, é cidadã francesa. São jovens e falam inglês fluente. Um mexicano diz-nos que jantou duas vezes: connosco partilhou a sua segunda refeição, que a primeira tomou-a com o seu guia para o dia, que o convidou para um casamento, ou melhor, para um cheirinho do que é um casamento local, que por aqui levam dias. Entretanto o guia que se sentava ao meu lado deixa-se dormir. Sorrimos entre nós e continuamos a falar. Por fim alguém sugere que se calhar vão sendo horas de pensar em dormir, que o dia seguinte começará cedo.

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Há um que sai da tenda e logo exclama: – “Venham cá ver isto… com tanta conversa e íamos perdendo o incrível céu nocturno do deserto”. E era mesmo. Aquela tela pintalgada de pontos cintilantes que fazem compreender que o Universo é mesmo infinito.

Nota: só posso recomendar o excelente serviço que nos foi proporcionado neste dia e noite de Wadi Rum. O website do guia, que na realidade é uma família de guias: www.bedouinguides.com.

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