Para o dia seguinte tinhamos um plano acordado: eu sairia cedo, para visitar a cidade, e depois encontrar-nos-iamos na estação de metro para irmos juntos até à costa. E assim se fez. Abri os olhos pelas oito horas, mas deixei-me estar na caminha, a ler, durante bem uma hora. Com o tempo fui compreendendo que é inútil madrugar para “aproveitar bem o dia”, como costumava dizer. A verdade é que ao explorar uma cidade se caminha cerca de três quilómetros por hora. Num dia de Abril, o sol põe-se pelas 20 horas. Ou seja… se tivesse saído para a rua na ânsia de não perder tempo com modorras e fosse até ao fim com o entusiasmo de usar cada minuto, teria uns 40 km para andar, o que não é de todo realista. Entre sair à pressa de manhãzinha cedo para regressar a casa ao início da tarde porque já só apetece relaxar e deixar-me estar nas calmas e sair para a rua sem pressas usando o dia até mais tarde, aprendi a optar pela segunda situação.


Quando por fim me pus a caminho seriam umas dez horas. O dia estava cinzento, apesar das promessas sorridentes da metereologia. Fiz o percurso de cerca de 20 minutos a andar até ao metro e comprei um bilhete diário. Quatro libras. Um bom preço. Quando sai em Monument, no coração da cidade, o meu humor estava-se a afundar. As nuvens baixas roiam-me o ânimo, e foi sem grandes sorrisos que dei umas voltas pela baixa de Newcastle. Felizmente, tal como o Daniel tinha preconizado, o cinzento levantou-se com o final da manhã e um esplendoroso céu azul veio substitui-lo. E com isso, a moral do viajante levantou-se e o dia acabou por ser muito bem passado.

Em Newcastle caminhei bastante, descobrindo inúmeros recantos e aspectos da cidade. Encantei-me com os restos da muralha medieval, existentes em tantos pontos da cidade antiga, devidamente preservados e com painéis interpretativos. Naquele dia, um enorme grupo de estudantes percorria estes pontos, numa qualquer actividade pedagógica, denunciada pelos papéis que transportavam e pela observação cuidada que dedicavam a cada cartaz interpretativo. Fiquei boquiaberto com a pequena “Chinatown” de Newcastle, uma rua repleta de estabelecimentos chineses. Adorei explorar um recanto pacato, uma espécie de enorme páteo interior, com edíficios recentes – mas respeitanto a atmosfera do local – de um lado e umas honoráveis casas do outro lado. Actualmente compõem um pequeno complexo que inclui um restaurante, pequenos escritórios e um departamento do Estado. Mas a impressão de que se trata de um sítio especial é confirmada com uma lápide que assinala a presença da rainha por ocasião da inauguração do restaurante.

Andei tanto por Newcastle que me parece impossível conseguir dar conta neste artigo de tudo o que vi. Foi um passeio perfeito, daqueles que deixa uma impressão de satisfação, de aproveitamento do tempo. Depois de reconhecer as partes mais antigas, passei pelo mítico estádio. Gosto sempre de olhar para estes monstros de betão que, como adepto de futebol, raramente me são estranhos, pelo menos no seu nome. Tantas vezes passaram pela minha mente as palavras “St James Park”… o estádio do Newcastle United.

Dei uma vista de olhos na enorme estação de comboios da cidade. Moderna no interior, clássica no exterior. Depois aventurei-me pelas ruas mais pacatas que se estendem dali até ao rio, desci escadinhas, subi escadinhas… esta área é também coberta por painéis explicativos, que oferecem interessantes explicações sobre a sua história e sobre o significado do que dali se avista. Acabei por chegar à beira da água depois de descer uma estreita rua que me transportou no tempo até épocas pouco agradáveis, quando as vidas eram geralmente miseráveis e muito dificeis.

Atravessei o Tyne um pouco mais à frente e dei um agradável passeio junto à margem, até encontrar um conjunto de esculturas loucas… um conjunto de cabras feitas de restos metálicos, escória sem outra utilidade, que deu forma a este bizarro rebanho. Por esta altura o calor já apertava, e muitos locais aproveitavam o dia risonho para passear, deixando no ar uma atmosfera de descontração.

Já vinha a entrar no tabuleiro de uma outra ponte, para regressar à margem norte, quando me apercebi de um pequeno cemitério, do meu lado direito. Hesitei um segundo e não mais que um segundo, antes de dar meia volta. Em boa altura o fiz, porque o local era delicioso. Tirei dezenas de fotografias, de todos os ângulos: a igreja adjacente seria só por si merecedora do desvio, mas em conjunto com o antigo cemitério, com campas dos séculos XVII em diante, tornou-se um dos pontos altos do dia. Por detrás, o ultra-moderno complexo cultural, conferia um contraste fascinante à paisagem.


E com isto já se fazia tarde para o encontro com o Daniel, de tal forma que lhe enviei um SMS a pedir mais meia-hora. O ponto de encontro era a paragem de metro mais próxima de sua casa, de onde tomariamos uma composição para a costa. Mas para já havia mais coisas a descobrir na cidade. Encontrei um campus universitário, que me fez pensar nos primeiros couchsurfers que recebi, já faz seis anos. Eram malaios mas estudavam em Newcastle. E quando reparei numa placa que incluia a Faculdade de Direito naquele complexo, sorri… é que a Natasha estava precisamente a estudar Direito.

Chegar dali até ao Metro foi complicado. Naquela parte da cidade existem um complexo sistema de passagens pedestres, que lidam com a intrincada rede de estradas e vias rápidas, interditas aos peões, e quem não conhecer o nome das ruas ficará a olhar para as placas com indicações como um burro olha para um palácio. Por fim encontrei a estação, apercebendo-me que estava agora adiantado meia-hora. O relógio do meu GPS estava na hora GMT +1. Mas não me fez nada mal esperar pelo Daniel e descansar as pernas durante esse tempo.

Viajámos até à costa em animada conversa. Saimos uma paragem antes para tentar encontrar umas geocaches e ainda bem, porque o percurso enriqueceu a experiência daquela tarde. Lembro-me das casas pitorescas, muito coloridas, como é habitual ver-se fora das grandes cidades britânicas. Parámos num pub com longa tradição, no interior do qual homens já entradotes jogavam dominó e se divertiam. Bebemos uma cerveja cada um, e apreciei cada instante daquele bocadinho. A luz entrava pelas janelas por detrás dos animados jogadores, criando complexos efeitos de sombras. E que bem soube a bebida, sedento que estava depois de um dia de caminhada sob calor intenso.

Continuámos o nosso passeio. Avista-se dali a foz do Tyne, e o Daniel desdobrava-se em explicações sobre o que se desdobrava perante os nossos olhos. Falava-me das localidades envolventes, dos hábitos, das ligações por barco e de mil e um outros detalhes. Que bela pode ser a Inglaterra nos raros dias em que se despe do seu triste manto cinzento!

Um extenso passeio desenrola-se ao longo da costa, e aqui e acolá passeavam pessoas. O meu cicerone mostrou-me como os bancos que se estendiam pela calçada eram invariavelmente dedicadas a alguém, tipicamente a um ente querido já falecido. Numa pequena praia, uma jovem brincava com os seus dois cães, que entravam destemidamente na água. Ainda explorámos alguns segmentos mais para o interior, sem contacto visual com a área ribeirinha: edíficios clássicos que foram escolas, daquelas que guardamos no nosso imaginário, com uma estricta educação britânica, e os meninos todos de uniforme; ou um belo parque, com tapetes de flores coloridas e lagos ricos em aves. Mas rapidamente voltámos à costa. Quase na ponta ergue-se o monumento ao almirante Colinwood, segundo na cadeia de comando a seguir ao mítico Nelson, que em Trafalgar acabou de vez com as aspirações francesas ao controle dos mares. Por fim, mesmo lá ao fundo, onde a dobra à sombra da qual o rio encontra o oceano, uma casa que foi da versão inglesa do instituto de socorros a náufragos, hoje feita museu.

Chegamos por fim a Tynemouth, uma pacata localidade, que, segundo me explica o Daniel, é algo elitista, reservada aos mais abonados, o que, ainda segundo ele, pode ser observado no tipo de comércio. Aponta-me uma loja de antiguidades enquanto me diz que num bairro operário as pessoas têm mais com que se preocupar do que em colecionar antiguidades. Bem verdade. Nunca tinha pensado no tanto que o padrão do comércio nos pode dizer sobre o tecido social de uma área. Ali perto erguem-se os restos de uma abadia, protegida por muralhas medievais, que contudo não lhe providenciaram a esperada segurança. Atacada sucessivamente por todos os povos que possamos imaginar a chegar à costa inglesa, acabou por ser abandonada e deixada na ruína que os últimos assaltantes deixaram.


Entramos num pub para comer qualquer coisa. Preciso mesmo de algo quente e mais substancial. Ali como um belo hamburguer servido no prato, com o seu pão típico, mas também com batatas fritas. Vem acompanhado de uma cerveja e custa-me 6 Euros. Nada mau. Fazemos ali tempo antes de nos mudarmos para um outro pub onde vimos o jogo de futebol para a Liga dos Campeões entre o Manchester e o Chelsea. O Daniel é ferrenho adepto do Liverpool, clube da sua cidade natal, mas naquele dia o ódio pelo Manchester foi mais forte do que o desdém pelo Chelsea e tornou-se apoiante dos azuis, mesmo que por uma noite apenas.

Foi um dia em grande, repleto de experiências e descobertas. Chegámos a casa já noite feita, cansados. Nunca esquecerei este 6 de Abril de 2011.

3 COMENTÁRIOS

  1. Olá Papaléguas. Nesse mesmo dia também me encontrava em Nencastle Upon Tyne como em tantos outros que por lá vou passando. Fiquei muito contente por ter descoberto esta crónica de viagem, permitiu identificar locais e associar momentos, que por este ou aquele factor, não os consegui transformar em documentos da minha história.
    Depois da estação ferroviária, caminhando em direcção ao rio, passou por ruas e ruelas, escadas e escadinhas e chegou junto do rio tyne. Numa das pontes a cota superior, as gaivotas (muitas gaivotas) fazem dela o seu apartamento – é característico. Nesse percurso descendente deverá ter passado pelo castelo (Newcastle). Outra ponte (sobre o rio tyne) a ver é a “millennium Bridge”, ponte pedonal e bicicletas, que em determinado horário se desloca permitindo a passagem de barcos. Em tynemouth (estação do metro) os ingleses costumam fazer uma feira de antiguidades, no 3º sábado de cada mês, uma das vezes comprei um rádio de 1930 impecável, custou “twenty five pounds”. Por último poderia ter feito a viagem num cruzeiro de Newcastle/Amesterdão a um preço verdadeiramente apetecível. Um abraço

    • Acho piada ao nome A. M. Ribeiro, porque esses são os meus apelidos: Ricardo A. M. Ribeiro é o meu nome empresarial 🙂 Obrigado pelo comentário, é sempre agradável saber que as minhas escritas servem a alguém.

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