O Pedro um dia bazou. Foi dar uma volta, só que em vez de ir ali abaixo ao café, foi tomar o café a Singapura, que calha a ser do outro lado do Planeta. E depois voltou, como quem não quer a coisa. Tudo isto entre Janeiro e Novembro de 2011, basicamente à boleia. Daquilo que viu, viveu e sofreu, fez um livro: Daqui Ali.

O Cruzamundos conheceu o Pedro num serão com muita cerveja aqui para os lados de Quarteira. mais tarde, leu o livro e gostou. Tudo isto resultou na entrevista que aqui é apresentada.

[p-entrevista]Pedro, é bem provável que algumas das perguntas que tenho aqui para ti tenham uma resposta no livro, mas como boa parte dos meus leitores não terão ainda pegado no livro, olha, desculpa lá… e começo pelo habitual… quando, como e onde é que te passou pela cabeça esta loucura de arrancar daqui de Portugal e só parar na distante Ásia, sempre por terra?[/p-entrevista] [r-entrevista]Yo! Pá, como muitos de nós, sempre curti muito viajar. Só que, como muitos de nós, não tinha bem noção do que era possível… que é quase tudo. Andava em viagens tipo ir ali e vir, de avião, uns dias e assim, aos poucos, ia conhecendo umas dezenas de países. Havia algo que provavelmente já estava a cozinhar dentro de mim mas eu não o sabia.

Até que em 2009 fui à Índia por duas semanas. Estava a trabalharem Birmingham, RU, e tinha duas semanas de férias para tirar. Estava indeciso entre Singapura e Goa, ambas por à volta de 300€ ida e volta.

Siga para Goa. Uma vez lá, estava a curtir, mas não era bem o que queria. Estava pejado de turistas, mas daqueles que são um bocado otários. Malta que estava lá de férias e se estava a cagar para quem lá vivia. Assim, certo dia apanhei boleia de um senhor dos seus sessenta e tal, um dos verdadeiros hippies que nos anos sessenta populavam aquele que é o menor estado Indiano, na altura em que as coisas eram mais autênticas e genuínas. Ele disse-me que o que estava a dar agora era em Hampi.

Assim fui.

De repente dei por mim num sítio absolutamente espetacular rodeado também de muitos viajantes, mas malta com uma onda diferente. dei por mim num grupo de 15 ou 20 pessoas a beber uns copos em que a pessoa que estava a viajar durante menos tempo (seguido) era eu, duas semanas, e a seguir a mim era alguém que estava tipo cinco meses, uma cena assim.
Olhei bem para eles e eles eram como eu. Malta. Não tinham nada de especial. Percebi que este tipo de viagens, de loucura, seja o que for, está ao alcance de quase toda a gente, se se quiser mesmo.

Decidi.

Voltei a Birmingham, onde era psicólogo, despedi-me passado uns meses e mandei-me à estrada. Queria fazer Goa-Singapura mas depois achei que fixe, fixe mesmo, era fazer o continente todo.[/r-entrevista]
[p-entrevista]Sei que é dificil. Mas qual foi o momento chave que viveste nesta viagem, o mais importante? Apenas um. [/p-entrevista] [r-entrevista]Isto varia sempre. Amanhã podia dar uma resposta diferente, e não quereria dizer que agora estava a mentir. É bom sinal, acho.

Uma vez estava à boleia no Irão, nas montanhas. Dois rapazes pararam, lendo o meu sinal e duvidando da minha nacionalidade, mas na boa. Acabaram por me dar boleia e sete horas mais tarde estava no estábulo deles, com todos os amigos, meio bêbedo com vodca caseiro (e ilegal) a ver o cavalo a tentar engravidar a égua. O gajo criava cavalos e tinha um campeão nacional e tudo. Fiquei em casa deles, e no dia seguinte, após me dar uma pulseira que ainda hoje trago comigo, deram-me boleia aos autocarros, pagaram-me o bilhete e deram-me o equivalente a dez euros. Tudo sem eu alguma vez ter pedido algo. Como no Irão eu não podia levantar dinheiro (por não haver Visa nem Mastercard) isto caiu-me muito bem… e à custa de situações de generosidade como estas, no meu último dia no Irão tinha mais dinheiro do que no primeiro… sem nunca ter pedido nada mais que uma boleia.[/r-entrevista] [p-entrevista]Parece-me evidente, pela leitura do teu livro, que preferes bastante mais viajar com alguém do que a solo. Como é que defines o teu companheiro ideal de andanças? Alguém que seja um espelho de ti ou alguém completamente oposto? Ou algo no meio…? Porquê?[/p-entrevista] [r-entrevista]Não tem de ser obrigatoriamente nem um, nem outro. Pá, convém não ser uma seca, mas mesmo isso tudo bem, com o tempo um gajo pode conseguir descobrir a melhor parte um do outro. Acima de tudo tem de ser alguém que se adapte bem a qualquer circunstância, que não tenha merdas em andar à chuva ou dormir num lençol com quatro manchas vermelhas escuras (estou a exagerar com esta do lençol para ser gráfico). Alguém que não julgue as culturas por onde vamos passando e que esteja aberto a perceber. Tirando isso, pode ser um Amish, um cristão, um Beninês ou um Cambojano, pode ser festeiro (isso curto mais, mas é curtir, não é “ter de ser”) ou calmo, budista que acorda às seis para meditar ou viciado em heroína. Cada um com a sua cena.[/r-entrevista]

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[p-entrevista]Sei que depois da aventura que deu origem ao livro Daqui Ali, já te puseste à estrada outra vez, andaste pela África Ocidental… será que podemos esperar um segundo livro sobre esses dias de África? Se não, podemos esperar mais livros teus…? Temáticas?[/p-entrevista] [r-entrevista]Pode esperar-se vários livros ao longo da minha VIDA. NEste momento estou numa pausa de uma viagem de bicicleta de Vale de Cambra até à África do Sul, de onde nascerá um novo livro. Mas também comecei um romance em viagem, que não tem nada a ver com viagens… mas aborda um bocado aquela maneira como estamos todos ligados. Não de uma forma mística mas prática. Eu posso dar boleia a alguém e isso que essa pessoa vai chegar mais cedo a um destino onde, por isso, conhece a pessoa da minha VIDA. Têm filhos e o terceiro filho descobre a cura para a sida. Curto bués a maneira como estamos todos ligados assim. E comecei ontem, com um texto apenas, o que eventualmente dará origem a um livro onde abordo um bocado a nuvem cinzenta que me percebe, que é a tristeza da constatação de que morrerei. Mas isso é para ir escrevendo ao longo dos tempos…[/r-entrevista]

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[p-entrevista]E planos de viagem para o futuro? Aqueles que achas que vão acontecer já já? E os que queres que aconteçam um dia mas não fazes ideia quando?[/p-entrevista] [r-entrevista]Pá, primeiro vou acabar esta viagem até ao Cabo da Boa Esperança de bicicleta. Depois tenho em mente uma grande viagem do género a cada 4 anos, com viagens menores pelo meio. Curtia passar uns meses no Afeganistão. A próxima grande talvez seja do Alasca à Patagónia, ou uma volta ao mundo, não sei… não me quero prender muito com conceitos ou ideias. [/r-entrevista] [p-entrevista]Como é que avalias a reacção ao teu livro? Que tipo de leitores achas que é predominante? Os que lêem porque viajam e querem ver o que um “colega” tem a dizer, os que lêem porque não viajam mas gostam de o fazer em sonhos? E as vendas… acima ou abaixo das expectativas? Do ponto de vista do impacto no mercado, sentes que valeu a pena escrevê-lo?[/p-entrevista] [r-entrevista]Surpreendeu-me bués! Fiz edição de autor, por não estar impressionado com editoras, nomeadamente uma que me lançou dois livros anteriormente. Quis imprimir mil e pensei que se vendesse oitocentos poderia, quem sabe, fazer disto um estilo de VIDA, sendo que se ganha mais editando por si mesmo. Em três meses vendi os mil e imprimir mais mil. Estava um bocado na retranca porque escolhi escrever com um estilo mais desprendido, corrente e verbal, e tinha receio que o pessoal visse isso como uma limitação no estilo de escrita e não curtisse. Mas o pessoal curtiu. Às vezes há alguém que diz que não curte muito quando alterno entre essa escrita mais corrida com textos que tenho em itálico que escrevi na hora e onde me permito, por vezes, escrever mais ao meu estilo natural, quiçá mais poético um chisco. Mas tudo bem. Em relação ao pessoal que o curte, é mesmo todo o tipo! Há deles que é por irem para o mesmo sítio, deles que gostam de saber, como dizes, o que um “colega” tem a dizer, outros por não terem oportunidade, ou vontade, de ir mas querem conhecer de todo o modo…[/r-entrevista] [p-entrevista]Se pensares em quem eras antes de começares a viajar bem para além da tua área de conforto, isto é, suponho, fora da Europa, e quem és hoje… que diferenças vês que acredites tenham sido provocadas pelas experiências vividas por esse mundo fora?[/p-entrevista] [r-entrevista]Essa é mais difícil. Apesar de não ter nada contra a ideia, sublinho sempre que eu não fui viajar para me encontrar, ou à procura de mim, essas cenas… Mas é inevitável levar uns pontapés na alma que nos ajustam um pouco a maneira de ser. Como gosto de achar que sempre fui mais ou menos o que sou hoje em termos qualitativos, acho que mudei mais de uma forma quantitativa… Isto é… acho que sempre fui mais ou menos aberto e tolerante, mas viajando fiquei mais. Acho que sempre quis ser um gajo porreiro, mas viajando e beneficiando de tanta bondade de estranhos, quero mais ser ainda mais.[/r-entrevista] [p-entrevista]Curtas desta viagem: cidadezinha favorita? Maior decepção? Maior asneira? Melhor escolha entre isto e aquilo?[/p-entrevista] [r-entrevista]Melhor jardim botânico: o de Singapura;
Prédio mais bonito: um de Singapura cujo nome desconheço;
Melhor viagem de autocarro: De Kathmandu para Pokhara, Nepal;
Cemitério mais bonito: Georgetown, Malásia;
Melhor país para boleiar, de acordo com o cenário e condições: China;
Melhor país para boleiar, de acordo com a facilidade: Tailândia;
Melhor comida (e método de comer): Laos;
Melhor hostel: em Chengdu, China;
Melhor “Cena Feita Pelo Homem”: Angkor Wat, Camboja;
Melhor cenário: Vale Hunza, Paquistão;
Melhor ilha, Ko Jum, Tailândia;
Melhor surpresa: Paquistão;
Eu curto listas.[/r-entrevista]

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[p-entrevista]Para terminar, a perguntazinha muito cliché: que conselhos darias a alguém que começa a sentir vontade de viajar de uma forma menos convencional, assim, sem pacotes de agências, afastado de Paris, Roma, Londres, mas que ainda não teve a coragem de dar o ansiado primeiro passo…?[/p-entrevista] [r-entrevista]Que leia o que escrevi acima. Um gajo não tem de falar quatro línguas, ter um curso de sobrevivência e dezasseis mil euros. Um gajo tem olhar para o espelho e perguntar “Como é méne, queres mesmo isto ou é mais porque parece ser uma coisa cool para contar aos amigos?”. Se a resposta à primeira parte for positiva é começar a pensar em como se pode fazer isso acontecer. Não é que se possa fazer qualquer tipo de viagem, porque às vezes há mesmo impeditivos, mas pode sempre fazer-se uma viagem de longo termo contornado todos, mas todos mesmo, os obstáculos. Nós não temos seiscentas VIDAS. Ao que parece temos uma e se não fizermos agora o que queremos ficamos com memórias de lã ou maçãs podres.[/r-entrevista] [p-entrevista]Menti. Esta é que é para terminar. A tua oportunidade: faz uma pergunta a ti próprio e já agora… olha, responde.[/p-entrevista] [r-entrevista]- Ó Pedro, é preciso viajar para ser feliz?  — Glad you asked… Claro que não! Há viajantes que têm a mania de encorajar toda a gente a viajar, esquecendo-se que as pessoas são diferentes. Não me canso de dizer que cada um tem a sua cena. E o mais importante é descobrir qual é a nossa. Está certo que viajando um gajo aprende muito e pode voltar uma melhor pessoa. Mas se andar a viajar contrariado não vai curtir, não vai aprender. Vai é andar infeliz e regressa resmungão.

A mim calhou-me ser assim. Calhou-me ser o tipo de pessoa que curte bué isto. Por isso vou. Ninguém tem de ir. Mas quem quer ir tem de ir.
[/r-entrevista]

Pode ler mais sobre as aventuras do Pedro Moreira no seu blog Daqui Ali mas para comprar o livro o melhor mesmo é a página Facebook Pedro On the Road.

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